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C h a rle s S p e a r m a n e a a n á lis e fa to ria l

O fator g , ou fa to r geral, é um dos aspectos mais discutidos por psicólogos interessados na mensuração da inteligência. A questão passa, a princípio, pela investigação sobre se existe ou não uma inteligência geral. Basicamente, os testes psicométricos, mesmo com tarefas diversas, tendem a apresentar intercorrelações entre seus resultados. Pessoas com inteligência privilegiada, em geral, tendem a desempenhar várias tarefas com facilidade, assim como pessoas com comprome­ timento intelectual tendem a responder com dificuldades para todos os testes. No início do século XX, o psicólogo inglês Spearman desenvolveu a extração estatística do fator g por meio da análise fatorial, determinando um número mínimo de dimensões para associar a um padrão de respostas. Este pesquisador observou que o fator g está presente em vários testes mentais de modo que, in­ dependentemente das habilidades avaliadas pelos testes, estes refletem um fator geral, fator g (Gottfredson, 1999).

Spearman, em 1927, pensou o fator g como uma energia mental geral, com atividades mentais complicadas contendo a maior soma de g . Ele está envolvido em operações de natureza dedutiva, ligado à habilidade, velocidade, intensidade e extensão da produção intelectual de uma pessoa. As atividades cognitivas asso­ ciadas com g são a indução de relações (determinação da relação entre duas ou mais idéias) e a indução de correlatos (achar uma segunda idéia associada com uma primeiramente estabelecida). O fator g , portanto, é um índex de habilidade mental geral ou inteligência. A utilidade clínica do fator g é a compreensão de que as habilidades mentais para manipular conceitos complexos permeiam vários tipos de tarefas gerando assim informações que permitem, a partir de algumas ta­

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refas, inferir sobre o desempenho de um sujeito sobre outras atividades. A partir desses contructos, Linda Gottfredson descreve a inteligência como a “habilidade para lidar com a complexidade" (Gottfredson, 1999).

Luria e os Lobos Frontais

^ Para Alexander Luria, os lobos frontais do homem têm papel principal na inte­ ligência. Seu trabalho baseou-se extensivamente numa metodologia de pesquisa clínica (não muito diferente do “methode clinique” de Piaget) em conjunto com sua pesquisa experimental mais formalizada. No desenvolvimento de seus métodos de pesquisa clínica, Luria desenhou uma bateria de testes neuropsicológicos para avaliar de modo qualitativo o jta tu j e a integridade neurológica do indivíduo (Luria, 1981).

P ara Luria, os processos mentais são organizados em sistemas funcionais complexos e ocorrem por meio da participação de grupos de estruturas cerebrais que operam em conexão. Cada estrutura traz a sua contribuição particular para a organização desse sistema. O cérebro é composto por três unidades funcionais, sendo visto como um sistema dinâmico funcional, assim como já diziam Hughlings Jackson, no século XIX, e M onakow, no século XX. A especialização cortical é processo-específica, embora a especialização do processamento seja grosseira e qualquer tipo de processamento da informação exija a coordenação de várias seções anatômicas do córtex.

-X Luria explicou este conceito de localização dinâmica dos processos cogni­ tivos superiores em 1964. Os processos mentais superiores são formados como uma função da atividade de uma pessoa no processo de comunicação com outra e representam sistemas funcionais complexos baseados na união das zonas de trabalho do córtex cerebral. Assim, se entendermos o cérebro como uma rede sis­ têmica interdependente, é perfeitamente compreensível que uma função mental superior possa sofrer prejuízo se qualquer conexão que seja parte da estrutura de um sistema funcional complexo seja destruída, e que ela pode ser abalada mesmo quando os centros diferem muito na localização. Se a natureza da dificuldade quando se executa uma tarefa como leitura, escrita ou contagem for analisada detalhadamente, pode-se determinar a localização do distúrbio observado. Foi com este propósito que L uria desenvolveu seus métodos qualitativos de avaliação neuropsicológica (Luria, 1981).

O cérebro é dividido em três unidades funcionais, e cada uma delas tem um a estrutura hierarquizada com três zonas corticais (áreas primária, secundária e terciária). São elas:

Ia. unidade — para regular o tono ou a vigília: tronco cerebral, formação reticular, mesencéfalo.

2a. unidade — para obter, processar e armazenar as informações que che­ gam do mundo externo: lobos parietal, occipital e temporal — as áreas de associação do córtex.

INTELIGÊNCIA: UM CONCEITO AMPLO

3a. unidade — para programar, regular e verificar a atividade mental: área restante anterior ao sulco central, principalmente os lobos frontais. A primeira unidade é a responsável pela regulação do nível de energia e tônus de todas as outras porções do córtex. Regula a consciência (vigília).

A segunda unidade é dividida em zonas primárias, secundárias e terciárias. Ela tem por função o processamento da informação cognitiva, sendo responsável pela análise e codificação de tipos específicos de estímulo; por exemplo, estímu­ los auditivos são analisados e codificados pela região temporal. A zona primária faz a classificação e o registro da organização sensorial que entra. A secundária organiza e codifica esta informação, e, na terciária, ocorre a organização do comportamento. É nesta unidade do cérebro que as principais funções de proces­ samento da informação ocorrem. Os dois métodos essenciais de processamento da informação usados pelo cérebro são o seqüencial (sucessivo) e o simultâneo (síntese simultânea da informação).

N a terceira unidade, que corresponde aos lobos frontais, ocorre a for­ mação de intenções e a programação para o comportamento. Os lobos frontais organizam e implementam as ações conscientes do indivíduo, principalmente os comportamentos complexos, superiores. Os lobos frontais também estão ligados à formação reticular e envolvidos na ativação e regulação do restante do córtex. São responsáveis pela ativação e focalização da atenção no cérebro, sendo que o direcionamento desta está relacionado ao método pelo qual a informação está sendo processada no cérebro.

Luria, portanto, vê os lobos frontais como o ramo executivo da inteligên­ cia humana. Para ele, o comportamento inteligente é o produto de um interjogo dinâmico dos três blocos do cérebro com a ativação, regulação e planejamento do ato consciente sendo tarefa dos lobos frontais (Luria, 1 981^ ^ ,

\ D as: os p ro ces so s s e q ü e n c ia is e s im u ltâ n e o s

As concepções de inteligência preocupam-se em determinar de que modo a informação é mentalmente representada e processada. Os modelos de processa­ mento da informação das atividades cognitivas categorizam os processos mentais em termos de diferentes operações pelas quais passa a informação. A cognição aqui é concebida como algo que ocorre em uma série de estágios discretos, com a recepção da informação sendo operada em um estágio e sendo repassada como entrada para o próximo estágio para processamento posterior. E a inteligência é definida como a habilidade de usar a informação obtida pelos procedimentos de transformação simultâneos e sucessivos, planejando e estruturando o comporta­ mento de modo efetivo para atingir objetivos.

O sistema de processamento da informação é composto de dois compo­ nentes: um componente estrutural, que define a modalidade de um estágio de processamento em particular (sensorial, memória de curto prazo, memória de

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longo prazo); e ura componente funcional, que descreve as operações em vários estágios. O estudo sobre a inteligência tem interesse nestes componentes fun­ cionais ou nas estratégias que devem ser utilizadas para que uma tarefa seja completada com sucesso.

Jagannath Das e seus colaboradores, em 1973, desenvolvem o modelo do processamento de informação da inteligência: os processos simultâneo e su­ cessivo. Estas duas principais estratégias de processamento da informação, que ocorrem primariamente nas zonas secundárias e terciárias do cérebro, organizam e codificam as informações que entram pela via sensorial e que fazem com que os estímulos sejam examinados, para posteriormente organizar respostas comporta- mentais complexas (Reynolds, 1981).

Não são processos m odalidade-específicos nem estím ulo-específico. Q ualquer tipo de informação de estímulo pode ser processada por meio suces­ sivo ou simultâneo. Entretanto, algumas funções são mais bem processadas de um modo do que de outro. O que é interessante notar é que existe sempre a possibilidade, para qualquer um, de utilizar um ou outro tipo de modelo, mes­ mo que haja um modo mais eficiente simultâneo ou sucessivo. Por exemplo, a linguagem é processada de forma mais eficiente por meio do método sucessivo, colocando elementos da sua composição em uma seqüência linear, cada parte sendo dependente de seu componente precedente. J á a cópia de figuras e ana­ logias de solução visual são problemas mais bem resolvidos pelas estratégias de processamento simultâneo.

Segundo Das e seus colaboradores, a “integração simultânea se refere à síntese de elementos separados em grupos, estes grupos sempre se destacando de modo espacial”, sendo assim, a criação de uma imagem mental é um bom exemplo de integração simultânea do estímulo. O processamento sucessivo faz o processamento da informação numa ordem seriada, lidando com a informação por intermédio de uma ordem seqüencial. A estrutura sintática da linguagem é mais bem processada pelo método sucessivo. Pode-se inferir que este raciocínio coexiste com a noção de um hemisfério esquerdo relacionado ao processamento sucessivo e um hemisfério direito relacionado ao processamento simultâneo (R ey­ nolds, 1981).

Uma pessoa com funcionamento cerebral normal é capaz de usar os dois modos de processamento da informação, separadamente ou em conjunto, trocan­ do de modo de funcionamento dependendo da informação que será processada. Contudo, isto ocorre de forma não consciente.

Nas funções cognitivas mais superiores, os dois modos de processamen­ to operam de m aneira complementar, e alcançam a máxim a integração de processamento inter-hemisférico. Por exemplo, a função de hemisfério direito (processamento simultâneo) contribui de forma importante no reconhecimento de letras e palavras durante a leitura. Esta função (leitura) ocorre por meio de processamento sucessivo, pois é de natureza lingüística, nos estágios de apren-

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dizagem. Leitores muito hábeis, para quem a leitura é automática, demonstram uso extensivo de ambos os processos nesta atividade.

Das observou ainda que pessoas com deficiência mental demonstraram evidência da ocorrência dos dois modos de processamento. Assim, o que dife­ rencia as pessoas com deficiência mental é o nível e a eficiência com que eles executam o processamento. Nas dificuldades de aprendizagem, haveria dificul­ dades com tipos específicos de processamento da informação ou uma utilização excessiva de um único modo de processamento cognitivo (Reynolds, 1981).

* P ia g e t e os e s tá g io s

Segundo Piaget, há uma constante interação meio-indivíduo, na qual o indivíduo precisa manter um equilíbrio entre suas necessidades e as demandas do meio. É por intermédio da cognição que o indivíduo consegue este equilíbrio: deixando de agir de modo imediatista e passando a agir de modo simbólico pelo processo de internalização.

Os processos cognitivos emergem da reorganização de estruturas psico­ lógicas resultantes das interações organismo — meio. Estas interações são gover­ nadas por duas tendências: organização e adaptação. A prim eira é a tendência a combinar dois ou mais esquemas separados em uma ordem mais alta, num esquema integrado (esquemas são estruturas individuais que produzem mudan­ ças no desenvolvimento cognitivo). A segunda tendência, a adaptação, é “um equilíbrio entre as atuações do organismo sobre o meio e as atuações inversas” (Piaget, 1979).

A adaptação compreende dois processos complementares: assimilação e acomodação. Assimilação é a “atividade do organismo sobre os objetos que os cercam, na medida em que esta atividade depende das condutas anteriores sobre os mesmos objetos ou sobre outros objetos análogos”. Acomodação é o processo no qual estruturas cognitivas existentes e comportamentos são modificados para dar conta de novas informações e inteligência (Piaget, 1979).

Para Piaget, a inteligência é adaptação, ou seja, um estado de equilíbrio p ara o qual tendem todas as adaptações sucessivas sensório-motoras e cogniti­ vas. Uma adaptação inteligente é realizada através de tentativas ou hipóteses, baseadas na experiência do sujeito, as quais podem ser confirmadas ou rejeitadas (Piaget, 1979).

O modelo de inteligência de Piaget é hierárquico, com o desenvolvimen­ to intelectual dividido em quatro estágios, cada um representando uma forma particular de organização cognitiva. Cada estágio é mais complexo que o seu precedente e corresponde a uma forma de adaptação biológica. São eles: sensó- rio-motor, pré-operatório, operatório concreto, pensamento formal.

A testagem psicométrica está relacionada com a teoria piagetiana porque também tenta mensurar as habilidades para usar operações formais, para en-

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tender o princípio de conservação e para usar as operações sensório-motoras. Segundo a análise proposta por Piaget, o funcionamento intelectual da criança, depois da avaliação pelos testes piagetianos, é situada em um desses períodos e não em escalas de idade. O que significa que seu desenvolvimento cognitivo foi “construído" até aquele estágio, com base na teoria construtivista de Piaget. Existe, entretanto, correlação significante entre os testes piagetianos e os psi- cométricos: aquela criança que obtém escores altos nos testes psicométricos de inteligência apresenta também excelentes níveis de desenvolvimento cognitivo em várias áreas.

H o w a rd G a r d n e r e as m ú ltip la s in te lig ê n c ia s

H oward G ardner (G ardner, 1999; 1987), neuropsicólogo americano, publicou em 1983 The Franied o f M ind - the theory o f m ultiple in td igen ciej, a partir de uma análise factorial subjetiva. Desenvolveu na ocasião um a lista de sete inteligêncicu de acordo com habilidades específicas. A primeira, inteligência lin­ güística, refere-se às habilidades de um poeta ou de um advogado, pessoas com excelente capacidade de expressão verbal. A inteligência lógico-matemática pode ser observada em habilidosos matemáticos e cientistas. Segundo Gardner, Piaget desenvolveu seus métodos de investigação principalmente sobre esta inteligência. A inteligência espacial abrange as capacidades de organização vísuo-espacial e manipulação de configurações espaciais, e seria mais evidente em engeníieiros, escultores e arquitetos. J á a inteligência musical é fundamental para músicos. A inteligência corporal-cinestésica seria necessária para atletas, bailarinos, cirur­ giões e artesãos. Postula ainda duas inteligências pessoais, inteligência interpes­ soal, indivíduos com significativa capacidade de empatia, psicólogos, terapeutas e líderes. J á a inteligência intrapessoal, relacionada à capacidade de autopercep- ção, o autor exemplifica com escritores tais como Dostoievsky e psicólogos como Freud. Para Gardner, Eliot, Einstein, Picasso, Stravinsky e Graham seriam tam­ bém expressões máximas das inteligências múltiplas (Gardner, 1987).

Recentemente, o mesmo autor revisou seus conceitos e incluiu outras três novas inteligências, naturalista, espiritual e existencial. Conceitua inteligência como um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ati­ vado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que se­ jam valorizados numa cultura. As inteligências seriam, então, potenciais neurais dos sujeitos, que podem ou não ser ativados (Gardner, 1999).