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3 A CULTURA HISTORIOGRÁFICA NA REVISTA DE HISTÓRIA E A DIFUSÃO

4.2 A DIFUSÃO DA HISTORIOGRAFIA DOS ANNALES VISTA SOB A ÓTICA

PRÁTICAS HISTORIOGRÁFICAS

O espaço que a RH reservou para a historiografia dos Annales, não constitui, em si mesmo, nenhuma novidade, uma vez que diversos autores já chamaram atenção para esse fenômeno. Todavia, esses comentadores se limitaram apenas a apontar essa abertura oferecida aos Annales, não aprofundando alguns dos aspectos centrais capazes de explicar essa disponibilidade manifestada em relação a essa concepção historiográfica. É bem verdade que as discussões em torno das primeiras teses defendidas pelos historiadores uspianos tocaram em determinados pontos importantes, quando avaliaram as supostas influências que a historiografia dos Annales exerceram nesses trabalhos. Além disso, alicerçando-se nas constatações anteriores, pudemos situar concretamente as circunstâncias que caracterizaram a receptividade dessa perspectiva historiográfica, tornando-se, assim, possível identificar não apenas os seus difusores, mas também os seus receptores. Se, por um lado, essas observações ajudaram a entender determinados aspectos da influência dos Annales na RH, por outro, deixaram de questionar outros elementos importantes, relacionados ao tipo de recepção e aos interesses que justificaram essa difusão por parte da historiografia paulista. Por sua vez, o lado inverso dessa relação, que diz respeito aos interesses do grupo dos Annales em alimentar essa difusão, também foi muito pouco discutido. Nessas condições, os fenômenos ligados à difusão e a recepção dessa perspectiva historiográfica tenderam a ser interpretados como algo natural, por isso, não se questionou as práticas capazes de justificarem a sua emergência.

Na verdade, essa transferência de idéias, responsável por envolver as culturas historiográfica francesa e brasileira, deve ser vista de forma mais crítica, pois as mesmas não deixam de ocultar um conjunto de interesses que ultrapassam, e muito, o terreno historiográfico. Assim, a disseminação da cultura historiográfica francesa relaciona-se, diretamente, com uma série de políticas públicas que foram incentivadas e supervisionadas pelo governo francês. Esse empenho político, no entanto, começou a se institucionalizar bem antes das missões culturais da década de 1930, pois, já em 1883, o ensino da língua francesa começou a se institucionalizar no exterior com a criação da Aliança Francesa. Para justificar a existência dessa instituição, o seu secretário geral, o Sr. P. Foncin, dizia que “todo cliente da língua francesa é um cliente natural dos produtos franceses” (FONCIN apud LIMA, 2004, p. 49). A partir desse instante, outras instituições foram fundadas com esse mesmo intuito de difundir a cultura e os negócios franceses no mundo. Em 1910, por exemplo, foi criado o

no Service des Oeuvres Françaises à l’Étranger. Controladas pelo Ministério das Relações

exteriores, essas instituições tinham por objetivo subvencionar qualquer iniciativa, pública ou

privada, que visasse difundir a cultura francesa no estrangeiro (LIMA, 2004, p. 49).

Nesse mesmo contexto, o forte interesse que os franceses sempre manifestam em relação à América Latina, materializou-se com a criação do Groupement des universités et

grandes écoles de France pour le développement des relations avec l’Amérique Latine,

fundada em 1908. Com essa instituição que, depois da Primeira Guerra, passou a atuar conjuntamente com o Service des Oeuvres Françaises à l’Étranger, as autoridades francesas buscavam favorecer e intensificar as relações intelectuais existentes entre a França e as repúblicas latino-americanas. Como conseqüência dessa iniciativa, logo depois de 1908, fundou-se a Union scolaire franco-pauliste, que criou uma cadeira de estudos brasileiros na

Sorbonne e, posteriormente, uma cadeira de cultura francesa em São Paulo. O ano de 1909,

por sua vez, viu nascer ainda o Comité France-Amérique, órgão anexo ao Ministério das

Relações Exteriores, que serviu, antes de tudo, como um espaço de encontro entre os

intelectuais e as elites latino-americanas e as grandes personalidades do mundo político e universitário francês (LIMA, 2004, p. 50-51). A cultura francesa também se propagou bastante através dos liceus franceses, que eram escolas de nível fundamental e médio. Da mesma forma, os colégios religiosos franceses receberam apoio dessas instituições criadas pelo governo, pois as mesmas contribuíram, igualmente, para irradiar a cultura francesa em outros países. No Brasil, fundaram-se dois liceus, um no Rio de Janeiro, em 1916, e outro em São Paulo, durante o ano de 1923, sendo que a unidade paulista é considerada o verdadeiro embrião da futura Universidade de São Paulo (LIMA, 2004, p. 52).

Na década de 1930, mais de 300 professores franceses lecionavam em cerca de 200 instituições universitárias e estabelecimentos de ensino superior estrangeiros. Nesse contexto, que demarca, inclusive, a fundação da universidade e da faculdade de filosofia dos paulistas, o

Ministério das Relações Exteriores da França considera os professores enviados em missões

para outros países como propagandistas privilegiados (LIMA, 2004, p. 55). Por outro lado, todos esses projetos responsáveis por disseminarem a cultura francesa na América Latina e nas demais regiões do mundo, somente tornaram-se possíveis porque encontraram apoio entre os intelectuais e as elites locais, que utilizaram essa influência para ocuparem posições e legitimarem práticas dentro do campo intelectual e político em seus países. Assim, esse conjunto de circunstâncias, marcado por interesses que estão para além da historiografia, ofereceram condições favoráveis para o grupo dos Annales propagar as suas idéias tanto no Brasil quanto nos demais países da América Latina. O historiador Carlos A. Aguirre Rojas

(2003, p. 95-128), ao discutir a relação que Braudel manteve com os latino-americanos, acabou revelando essa difusão, quando demonstrou que o pensamento dos Annales repercutiu bastante em outros países além do Brasil, tais como México, Argentina, Chile e Peru.

A consulta empreendida em torno dos índices dos Annales demonstra, também, tanto o interesse quanto a aproximação do grupo que estava à frente da revista em relação à América Latina. Assim, já no ano de fundação do periódico, em 1929, L. Febvre escreveu um longo artigo sobre o continente sul-americano, intitulado Un Champ privilégié d’études: l’Amérique du Sud. Nesse trabalho, o fundador dos Annales faz um convite, estimulando os historiadores e demais pesquisadores a estudarem esse continente, visto como uma verdadeira terra de contrastes e oposições. L. Febvre não deixa de reconhecer que já existem obras de qualidade impressas sobre esse assunto, porém, atenta para o fato de que elas são ainda bastante escassas. Por isso, ao longo do seu texto, ele mostra-se escandalizado ante a falta de interesse dos estudiosos europeus pela América do Sul, que se recusam a estudar esse continente de maneira sistemática (FEBVRE, 1929, p. 261). Diante dessa situação, o diretor dos Annales sugere temas de pesquisa, alertando para as grandes possibilidades de comparação que a América do Sul oferece ao pesquisador europeu (FEBVRE, 1929, p. 277-278). Em 1934, o continente sul-americano volta a ser discutido pelo fundador da revista que, no seu Pour

comprendre l'Amérique du Sud, ofereceu uma resenha sobre a obra Amérique Latine, escrita

por André Siegfried. Nessa publicação, L. Febvre comenta o trabalho resenhado, ao mesmo tempo em que retoma algumas das formulações anunciadas, anteriormente, no texto publicado em 1929. A convocação para que os pesquisadores se dediquem ao estudo desse continente foi reforçada, sendo a obra de Siegfried apontada, inclusive, como um exemplo a ser seguido (FEBVRE, 1934, p. 394-396).

Durante o ano de 1937, os apelos do diretor da revista começam a ser ouvidos e atendidos, pois foram publicados dois artigos sobre esse assunto. No primeiro, H. Hauser apresentou uma interessante discussão acerca da influência do “saint-simonisme” no Brasil, alicerçando-se, sobretudo, em obras escritas por autores brasileiros como Pandiá Calógeras206. Como a avaliação sobre essa influência recaiu, sobretudo, na figura do Barão de Mauá, o historiador francês não deixou de fazer importantes incursões no campo da história econômica brasileira. No outro trabalho impresso durante esse período, P. Monbeig discutiu as zonas

206 HAUSER, Henri. Un problème d'influences: le saint-simonisme au Brésil. In: Annales d’histoire économique

pioneiras do Estado de São Paulo207, tema proposto enquanto tese, nesse mesmo ano, a Albert Demangeon (MASSI, 1991, p. 225). As articulações entre esse geógrafo francês e o campo intelectual paulista ficam nítidas, não apenas nos agradecimentos oferecidos a Júlio de Mesquita Filho e Rubens Borba de Moraes, mas, também, na assinatura impressa ao final da publicação, que apresenta o autor como professor da Universidade de São Paulo. Bastante significativas, ainda, são as referências feitas em torno dos trabalhos que Caio Prado Júnior e Eurípedes S. de Paula publicaram na revista Geografia208. A menção feita em torno da resenha publicada por Febvre, em 1934, comprova que Monbeig atendeu às sugestões do fundador dos Annales, enviando-lhe, assim, um estudo de geografia que interessa bastante à história (MONBEIG, 1937, p. 365).

Ao longo de 1938, imprimiram-se mais cinco trabalhos sobre a América Latina e o Brasil, novamente, apareceu com destaque nessas publicações. Os dois primeiros dessa lista são artigos escritos por H. Hauser, que tratou da América Central e do trabalho escravo no Brasil209. Particularmente, nesse último texto, esse historiador francês acabou oferecendo, quando discute a escravidão entre os negros e os indígenas, interessantes considerações no campo da história econômica do período colonial. Os demais trabalhos impressos constituem resenhas de livros, que tiveram o Brasil enquanto tema de suas análises. O geógrafo Monbeig responsabilizou-se por resenhar dois trabalhos na área de história econômica, sendo que um deles se centrou nas diversas atividades econômicas desenvolvidas no Brasil, enquanto o outro tratou da cultura do algodão e do café210. No mesmo fascículo, Braudel resenhou a obra

Les jésuites au Brésil pendant la seconde moitié du XVI siècle, que foi escrita por Robert

Ricard211. Em todas essas resenhas, ambos os autores não deixam de fazer referências a escritores e suportes impressos que habitam o mercado de bens simbólicos paulista. Tais alusões são significativas porque demonstram o nível de articulações com o campo intelectual

207 MONBEIG, Pierre. Les zones prionnières de l'État de São Paulo. In: Annales d’histoire économique et

sociale, année 9, n° 46. Paris: Armand Colin, 1937, p. 343-365.

208 Ao longo de todo o texto, Monbeig não menciona a publicação de Eurípedes S. de Paula que serviu de referência para o seu artigo. Todavia, consultando o índice dos trabalhos impressos nessa revista, descobrimos que se trata da seguinte colaboração: PAULA, Eurípedes Simões de. Cornélio Procópio. In: Geografia, II, n° 2. São Paulo, 1936, p. 40-56. Esse artigo foi o único que o diretor da RH apresentou nesse periódico quando ainda era, aluno do curso de Geografia e História da FFCL-USP.

209 HAUSER, Henri. Dans l’Amérique Centrale. In: Annales d’histoire économique et sociale, année 10, n° 50. Paris: Armand Colin, 1938, p. 141; ______. Naissance, vie et mort d’une institution: le travail servile au Brésil. In: Annales d’histoire économique et sociale, année 10, n° 52. Paris: Armand Colin, 1938, p. 309-318.

210 MONBEIG, Pierre. Pour Comprendre le Brésil. In: Annales d’histoire économique et sociale, année 10, n° 53. Paris: Armand Colin, 1938, p 476-477; _______. Coton contre café. In: Annales d’histoire économique et

sociale, année 10, n° 53. Paris: Armand Colin, 1938, p. 478-480.

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paulista, ao mesmo tempo em que permitem perceber o quanto a experiência no Brasil influenciou nas suas respectivas vidas intelectuais.

Por sua vez, no fascículo responsável por abrir o ano de 1939, publicou-se apenas uma resenha escrita por Braudel, que constituiu, aliás, o único trabalho acerca da América Latina impresso nesse período. Nesse seu texto, ele faz um longo comentário sobre a obra Handbook

of Latin American Studies, que foi organizado por Lewis Hanke. Suas observações

questionam, sobretudo, o caráter localizado dos estudos sobre esse continente, que deveria ser abordado, ao contrário, a partir de uma história global, capaz de unificar as realidades fragmentadas (BRAUDEL apud MASSI, 1991, p. 203). Após essa publicação, a América Latina demorou um pouco mais para aparecer nas páginas dos Annales, tendo reaparecido, enquanto tema, somente em 1943, através de um longo artigo elaborado por Braudel acerca de algumas das obras de Gilberto Freyre212. Nessa perspectiva, foram comentados trabalhos importantes como Casa Grande e Senzala, Sobrados e Mucambos e Nordeste (BRAUDEL, 1943, p. 4). Em meio à análise dessas obras, ele discorreu sobre vários episódios marcantes da história do nosso país, demonstrando conhecer, ao mesmo tempo, muitos dos autores que são considerados clássicos da historiografia brasileira. Por conseguinte, durante o exame dessas publicações, o historiador francês não poupa elogios a Gilberto Freyre, que “se não é o mais brilhante, pelo menos, é o mais lúcido e o mais rico ensaísta brasileiro” (BRAUDEL, 1943, p. 5).

As resenhas sobre os trabalhos que se dedicaram à América Latina, continuaram aparecendo com bastante freqüência na revista dos Annales. Em 1947, por exemplo, Monbeig voltou suas atenções, novamente, para a economia brasileira, discutindo uma publicação impressa no Cahiers de l’Institut d’étude de l’économie brésilienne213. Ao longo de suas observações, ele apóia-se em obras clássicas, tais como a Geografia da Fome e Formação do

Brasil Contemporâneo, escritas, respectivamente, por Josué de Castro e Caio Prado Júnior.

Essas alusões, somadas aos apontamentos em torno do nosso passado, comprovam o profundo interesse que esse geógrafo francês nutria em relação à história e à historiografia brasileiras. Durante esse período, no mesmo fascículo, foram publicadas outras resenhas, elaboradas por F. Braudel, acerca de dois livros sobre a América Latina214. Como é possível percebermos, até

212 BRAUDEL, Fernand. À travers un continent d’histoire. Le Brésil et l’oeuvre de Gilberto Freyre. In:

Mélanges d’histoire sociale, n° 4. Paris: Armand Colin, 1943, p. 3-20.

213 MONBEIG, Pierre. Économie ou économies brésiliennes. In: Annales. E.S.C., année 2, n° 2. Paris: Armand Colin, 1947, p. 171-175.

214 BRAUDEL, Fernand. V. – L. Tapié, Histoire de l’Amérique latine au XIX siècle. In: Annales. E.S.C., année 2, n° 2. Paris: Armand Colin, 1947, p. 226; _______. Orro Quelle, Geschichte von ibero – Amerika. In: Annales.

esse momento, tanto o geógrafo quanto o historiador franceses destacam-se como aqueles colaboradores que mais contribuíram com trabalhos sobre o continente latino-americano, sendo o Brasil o país mais abordado por ambos.

No ano seguinte, essa posição de destaque se confirma, já que Braudel apresentou um artigo comentando a Formação do Brasil Contemporâneo e a História Econômica do Brasil, duas das principais obras de Caio Prado Júnior215. Ao examinar ambos os trabalhos, ele ressaltou a influência manifestada pelo autor em relação à dialética materialista, mostrando- se, ainda, bastante à vontade para discutir a história e a historiografia do nosso país. Os elogios a essas publicações são constantes, como é possível constatar logo na primeira frase escrita por Braudel, que abre seu artigo colocando os dois livros de Caio Prado Júnior como as melhores contribuições no campo da história econômica, então disponíveis no Brasil (BRAUDEL, 1948, p. 99). Dentro dessa orientação, esse intelectual brasileiro passa a ser visto, inclusive, como próximo da linha e dos esforços dos Annales. No seu texto sobre Gilberto Freyre, o historiador francês já havia aproximado o autor de Casa Grande e Senzala do espírito dos Annales (BRAUDEL, 1943, p. 4). Todavia, ao se debruçar sobre Caio Prado Júnior, Braudel foi mais enfático nesse sentido, chegando mesmo a afirmar que o trabalho do intelectual brasileiro conduziu-se conforme as novas idéias de L. Febvre e M. Mauss (BRAUDEL, 1943, p. 102-103).

Todo o interesse que o grupo dos Annales manifestou em relação à América Latina, ganhou contornos mais nítidos durante esse mesmo ano de 1948. Nesse período, os responsáveis pela revista publicaram um número especial, que constitui, na verdade, um dossiê sobre o continente latino-americano. Nesse fascículo, os trabalhos impressos trataram das mais diferentes questões, que dizem respeito aos diversos países da América Latina. Dentre todos os colaboradores, F. Braudel destacou-se como aquele que mais ofereceu contribuições, apresentando textos sobre lugares como Antilhas, Chile, Cuba, Argentina e Venezuela. Outros autores também apresentaram colaborações importantes nesse dossiê, como são as publicações impressas por Vitorino de M. Godinho, Frédéric Mauro, Marcel Bataillon, Roger Caillois e Roger Bastide. A apresentação desses trabalhos coube a L. Febvre, que escreveu uma pequena introdução intitulada L'Amerique du Sud devant l'histoire. Em seus comentários, o diretor dos Annales discorre sobre a imensidade, a multiplicidade e as contradições da América Latina, que se mostra irredutível a qualquer fórmula simples (FEBVRE, 1948, p. 387). Ao abordar esses aspectos, ele não deixou de retomar alguns dos

215 BRAUDEL, Fernand. Au Brésil: deux livres de Caio Prado. In: Annales. E.S.C., année 3, n° 1. Paris: Armand Colin, 1948, p. 99-103.

argumentos apresentados no seu artigo escrito em 1929, que é mencionado, sobretudo, para reforçar a idéia do quanto era necessário empreender estudos mais sistemáticos sobre o continente latino-americano (FEBVRE, 1948, p. 191).

Nesse mesmo dossiê não faltaram, evidentemente, publicações que elegeram o Brasil como objeto de preocupação. Nesse contexto, P. Chaunu colaborou com dois trabalhos: um tratou da colônia japonesa no Brasil, enquanto o outro discutiu alguns aspectos ligados à siderúrgica de Volta-Redonda216. Para debater o primeiro assunto, ele se baseou, sobretudo, em um artigo impresso na revista Sociologia; já para o segundo tema, o mesmo utilizou, entre outros materiais, artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo. Nessa linha de colaborações sobre o Brasil, P. Monbeig apresentou importantes comentários em torno do livro Geografia da Fome, publicado por Josué de Castro217. Em sua análise, a crítica a essa obra, já mencionada em outra de suas publicações nos Annales, aparece de forma bastante positiva, na medida em que o leitor vai sendo apresentado ao seu conteúdo. Os professores E. Coornaert e F. Braudel também refletiram sobre o nosso país, através de resenhas publicadas sobre as obras de J. F. de Almeida Prado218. Dentro dessa miscelânea de temas discutidos em torno do Brasil, a Amazônia não deixou de ser abordada por colaboradores como Paul Le Cointe, que atentou para os aspectos geográficos e para a diversidade da fauna e da flora dessa região219.

Todavia, dentre as colaborações responsáveis por compor esse dossiê, nenhuma parece ser tão significativa quanto os trabalhos apresentados pelos professores uspianos Aroldo de Azevedo e João Cruz Costa, que discutiram, respectivamente, acerca da questão do petróleo em nosso país e sobre a Filosofia na América Latina220. Longe de ser apenas mais uma publicação, a impressão desses textos, que constituem os primeiros publicados por brasileiros, revelam mais claramente o interesse da direção dos Annales em dialogar com esse grupo de intelectuais uspianos. A abertura manifestada em relação a esses últimos intensificou-se e adquiriu contornos mais nítidos durante o ano de 1949. Nesse período, M. Lombard resenhou

216 CHAUNU, Pierre. La minorité japonaise au Brésil. In: Annales. E.S.C., année 3, n° 4. Paris:Armand Colin, 1948, p. 472-474; _______. Le miracle sidérurgique de Volta-Redonda. In: Annales. E.S.C., année 3, n° 4. Paris:Armand Colin, 1948, p. 569-570.

217

MONBEIG, Pierre. Au Brésil: La “géographie de La faim” de Josué de Castro. In: Annales. E.S.C., année 3, n° 4. Paris: Armand Colin, 1948, p. 495-500.

218 COORNAERT, Émile. Aux origines du Brésil do Nord et du centre. In: Annales. E.S.C., année 3, n° 4. Paris: Armand Colin, 1948, p. 528-529; BRAUDEL, Fernand. Aux origines du Brésil do Nord et du centre. In:

Annales. E.S.C., année 3, n° 4. Paris: Armand Colin, 1948, p. 529-530.

219 COINTE, Paul Le. Une lettre de Paul Le Cointe sur l’Amazonie. In: Annales. E.S.C., année 3, n° 4. Paris: Armand Colin, 1948, p. 575-576.

220 AZEVEDO, Aroldo. Le Brésil à la veille d’une révolution pétrolière. In: Annales. E.S.C., année 3, n° 4. Paris: Armand Colin, 1948, p. 567-568; COSTA, João Cruz. Philosophies et philosophes en Amérique Latine. In:

O Comércio Varegue e o Grão principado de Kiev, tese de doutoramento de Eurípedes S. de

Paula221. Suas críticas foram bastante positivas, sendo que ele, ao longo das mesmas, ainda ofereceu algumas referências de outros trabalhos do autor resenhado. Nos seus comentários, Lombard deixar transparecer que Eurípedes S. de Paula aproximou-se da perspectiva de Pirenne. No entanto, ele não ousa filiar nem o autor, nem tampouco sua obra, à concepção historiográfica dos Annales (LOMBARD, 1949, p. 351).

Em outro fascículo impresso nesse mesmo ano, publicaram-se resenhas dos trabalhos da jovem escola geográfica brasileira, que se caracteriza por “seu gosto pronunciado pelos problemas humanos”. Essa predileção dos geógrafos brasileiros, responsáveis por ensinar na FFCL-USP, interessa bastante os Annales, pois esse grupo de professores uspianos demonstra a influência pulsante de Vidal de La Blache (BRAUDEL, 1949, p. 480). Assim, foi em meio a essas palavras introdutórias, que Braudel apresentou críticas positivas sobre as obras de Aroldo de Azevedo e Nice Lecocq Müller222. Ao longo dos seus comentários, o historiador