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A HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL IMPRESSA NA REVISTA DE HISTÓRIA

3 A CULTURA HISTORIOGRÁFICA NA REVISTA DE HISTÓRIA E A DIFUSÃO

3.3 A HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL IMPRESSA NA REVISTA DE HISTÓRIA

Tendo por objetivo refinar a avaliação acerca da produção historiográfica impressa na revista, resolvemos submeter a outra classificação os trabalhos catalogados enquanto história geral e do Brasil. Para distribuir, novamente, essas publicações, dividimos os dados pertencentes a esses segmentos em itens que foram criados a partir da periodização quatripartite e eurocêntrica clássica do conhecimento histórico. É importante esclarecermos que a opção por esse modelo não foi alimentada pelas orientações teóricas ou epistemológicas responsáveis por sustentar essa divisão dos acontecimentos no tempo. A adoção dessa periodização, pelo contrário, deve ser compreendida como uma estratégia metodológica, capaz de proporcionar uma melhor visualização dos temas e conteúdos discutidos no âmbito da história geral e do Brasil. Alicerçados nesse ponto de vista, optamos por iniciar a reflexão sobre esses dados, atentando para as colaborações circunscritas aos domínios daquilo que se convencionou chamar de história geral.

Assim, para classificar todas as publicações delimitadas dentro desse segmento – responsável por ocupar 32,79% das contribuições com eixos temáticos na área de história (tabela 9) – construímos uma nova tabela, que nos demonstrou a seguinte divisão de trabalhos por períodos históricos: Pré-História (1,64%), História Antiga (27,87%), História Medieval (31,15%), História Moderna (32,78%) e História Contemporânea (6,56%) (tabela 10). Como bem veremos, a catalogação de dados nesses itens constituiu uma etapa importante dentro dessa pesquisa, pois nos permitiu caracterizar com uma riqueza de detalhes maior a produção historiográfica estampada nas páginas da RH. Ao mesmo tempo, tal procedimento tornou

possível identificar, de forma mais concreta, quais desses recortes temporais relacionam-se mais intensamente com a difusão tanto da cultura historiográfica francesa, quanto da concepção historiográfica dos Annales.

TABELA 10

REVISTA DE HISTÓRIA (1950-1960)

DISTRIBUIÇÃO DOS TRABALHOS DE HISTÓRIA GERAL SEGUNDO TEMPORALIDADE

História Geral Freqüência %

Pré-História 1 1,64 História Antiga 17 27,87 História Medieval 19 31,15 História Moderna 20 32,78 História Contemporânea 4 6,56 Total 61 100

Fonte: Revista de História

Principiando nossa análise pelo campo da Pré-História, podemos observar que José H. Lobo foi o único colaborador a discutir um tema situado dentro desse recorte temporal. Em seu trabalho, o autor se propôs a refletir sobre as relações intrínsecas existentes entre a caça e a arte durante a pré-história da humanidade142. Ao contrário desse último item, os dados classificados como História Antiga ocuparam um lugar bem mais significativo dentre as publicações catalogadas enquanto história geral (tabela 10). Examinando as colaborações delimitadas em torno desse período, pudemos constatar que grande parte dos temas tratados preocuparam-se com assuntos concernentes à Grécia e a Roma. Nessa perspectiva, a história grega apareceu representada, sobretudo, através dos trabalhos apresentados por Gilda M. Reale e João F. de Souza, que se dedicaram, respectivamente, a estudos como a religião na Grécia antiga e as origens da civilização eolo-jônica143. A história romana contou com algumas publicações mais alentadas, como é o caso da colaboração de Pedro M. Campos, que

142 LOBO, José Huertas. A magia da caça e a arte. In: Revista de História, ano VIII, vol. XIV, n° 30. São Paulo, p. 353-360.

143 REALE, Gilda Maria. Hesíodo e a evolução religiosa na Grécia antiga. In: Revista de História, ano I, vol. I, n° 1. São Paulo, 1950, p. 19-42; SOUZA, João Francisco de. Origens da civilização eolo-jônica. Comentários sobre Homero e Tales de Mileto. In: Revista de História, ano VII, vol. XII, n° 26. São Paulo, 1956, p. 341-378.

teve publicada a sua tese de livre-docência acerca da idealização e aceitação de Roma pelos cristãos144.

As discussões em torno da história de Roma contaram, ainda, com as importantes contribuições dos colaboradores franceses André Piganiol e Jean Gagé. Enquanto o primeiro, em conferência proferida na FFCL-USP, tratou dos grandes problemas da história de Roma, o segundo discorreu, em sua aula inaugural no Collège de France, sobre a tradição e as características concernentes à cadeira de história romana dessa instituição francesa145. Além desta última publicação, o historiador J. Gagé conseguiu estampar, também, outro trabalho sobre a IV Écloga, poema clássico escrito na antiguidade pelo poeta romano Virgílio146. Afora essas colaborações, ambos os autores franceses tiveram uma relação de proximidade com a historiografia brasileira, como podemos atestar tanto por meio da conferência que A. Piganiol pronunciou em São Paulo, quanto através da longa estadia de J. Gagé no Brasil. Este último, particularmente, lecionou na FFCL-USP entre os anos de 1938 e 1944, período em que esteve à frente da cadeira de Historia da Civilização. Os vínculos institucionais e afetivos desse historiador francês com essa instituição podem ser comprovados, quando atentamos para a nota de apresentação que Eurípedes S. de Paula redigiu para um de seus trabalhos. Em seus apontamentos, o diretor da RH não esconde a satisfação de estampar a publicação “de um dos mais notáveis professores que já passou pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e de quem tivemos a honra de ser assistente” (PAULA, 1957, p. 289).

Outras civilizações antigas, para além da Grécia e de Roma, também foram abordadas pelos autores interessados em discutir temáticas delimitadas no âmbito da história antiga. O Egito, por exemplo, não deixou de ser considerado por João F. de Souza, que se dedicou a estudar a influência da civilização egípcia na obra de Moisés147. Da mesma maneira, as civilizações orientais receberam destaque nos trabalhos apresentados por José G. Salvador e João Mehlmann. O primeiro ofereceu interessantes subsídios para as discussões em torno do deserto da Judéia, enquanto o segundo forneceu um estudo mais aprofundado acerca da

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CAMPOS, Pedro Moacyr. A Idealização de Roma e a sua aceitação pelos Cristãos. In: Revista de História, ano II, III, vol. II, III, IV, n° 6, 7, 8, 9, 10. São Paulo, 1951, 1952, p. 245-266, p. 15-48, p. 271-304, p. 31-78, p. 285-310.

145 PIGANIOL, André. Aspecto atual dos grandes problemas da História de Roma. In: Revista de História, ano III, vol. V, n° 11. São Paulo, 1952, p. 3-32; GAGÉ, Jean. A Cadeira de História Romana no Colégio de França. In: Revista de História, ano VIII, vol. XIV, n° 30. São Paulo, 1957, p. 289-312.

146 GAGÉ, Jean. A criança IV écloga e sua educação mística. Ensaio de interpretação. In: Revista de História, ano V, vol. VIII, n° 17. São Paulo, 1954, p. 17-78.

147 SOUZA, João Francisco de. Influência da civilização egípcia sobre a obra de Moisés. In: Revista de História, ano III, vol. IV, n° 10. São Paulo, 1952, p. 275-284.

história da Palestina148. Sem dúvidas, tais publicações atestam bem a diversidade de temas responsáveis por compor todas essas colaborações classificadas no interior da historiografia sobre a antiguidade.

De maneira semelhante, o campo da História Medieval caracteriza-se por abrigar trabalhos com temas e abordagens bastante variados. Ilustram bem isso as publicações apresentadas por Eurípedes S. de Paula e Maria H. Fonseca, que voltaram suas atenções para assuntos como as universidades medievais e as cruzadas contra os albigenses149. Em relação a essa última colaboração, é importante destacarmos a nota de abertura, responsável por esclarecer que a publicação em questão trata-se, originalmente, de um “trabalho apresentado para a obtenção de nota no Curso de Especialização em História da Civilização Medieval” (PAULA, 1954, p. 79). Tal informação merece ser mencionada, pois nos possibilita observar o quanto a RH abriu espaço para que alunos e recém licenciados colaborassem com a publicação de artigos. Como bem salientou Shozo Motoyama (1983, p. 466), Eurípedes S. de Paula sofreu muitas criticas por ter encorajado esses jovens a publicarem seus trabalhos, que foram taxados, não poucas vezes, como medíocres e imaturos. Independentemente da qualidade dessas publicações, gostaríamos de chamar atenção para essa iniciativa do diretor da revista, que optou por mesclar as colaborações de autores em início de carreira com os escritos de estudiosos consagrados. Sem dúvida, essa orientação é capaz de demonstrar não apenas a abertura que os alunos encontraram nesse periódico, mas também a preocupação manifestada por Eurípedes S. de Paula em relação a esses mesmos discentes.

Dentro do recorte temporal característico do período medieval, não podemos deixar de considerar, ainda, a contribuição de Vitorino de M. Godinho, que se prestou a fazer um interessante debate sobre as fontes quatrocentistas do Saara e da Guiné150. Da mesma maneira que em outros de seus trabalhos, esse colaborador português tornou a fazer referências à historiografia dos Annales, especificamente, quando evoca o nome de L. Febvre para compreender o papel que a arte da imprensa teve, durante seus primeiros anos, na difusão da “cultura medieval e religiosa” (GODINHO, 1953, p. 61). Longe de encerrar-se nessa colaboração, a cultura historiográfica francesa foi, ao mesmo tempo, veiculada por uma série

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SALVADOR, José Gonçalves. Descobertas no Deserto da Judéia (Os manuscritos do Mar Morto). In: Revista

de História, ano XI, vol. XX, n° 42. São Paulo, 1960, p. 319-350; MEHLMANN, D. João. História da Palestina

nos tempos do Novo Testamento. In: Revista de História, ano XI, vol. XX, XXI, n° 42, 43, 44. São Paulo, 1960, p. 351-394, p. 49-104, p. 337-368.

149 PAULA, Eurípedes Simões de. As Universidades Medievais. In: Revista de História, ano VIII, vol. XV, n° 31. São Paulo, 1957, p. 3-12; FONSECA, Maria Henriqueta. O catarismo e a cruzada contra os albigenses. In:

Revista de História, ano V, vol. VIII, n° 17. São Paulo, 1954, p. 79-118.

150 GODINHO, Vitorino de Magalhães. Fontes quatrocentistas para a geografia e economia do Saara e Guiné. In:

de autores franceses dispostos a discutir os mais diversos assuntos que dizem respeito à história medieval. Dentre esses colaboradores, encontra-se o historiador Y. Renouard, responsável por discorrer sobre o comércio de vinho na Idade Média, em uma publicação que foi, originalmente, impressa na Revue Historique de Bordeaux151. Outro francês que chegou a contribuir com um artigo foi Édouard Perroy, responsável por apresentar, em abordagem centrada em torno da história econômica, uma fecunda discussão acerca das crises que assolaram a Europa do século XIV152.

Diferentemente desses dois últimos colaboradores, os demais autores franceses que contribuíram com trabalhos no campo do medievo, caracterizam-se pelo vínculo institucional, constituído ao longo de suas trajetórias intelectuais, com a FFCL-USP. O historiador Maurice Lombard, por exemplo, que publicou dois trabalhos, um acerca do ouro muçulmano e outro sobre a evolução urbana na Alta Idade Média153, lecionou na faculdade paulista durante o ano de 1954. Em ambas as suas publicações, ele forneceu um conjunto de indícios que nos permitem identificá-lo como mais um dos colaboradores responsáveis por difundir, a partir da

RH, a historiografia dos Annales em nosso país. Sua afinidade com esse movimento

historiográfico pode ser observada, quando o mesmo revela que o assunto de um dos seus artigos faz “parte da grande pesquisa iniciada pelos Annales sobre o ouro, os instrumentos das trocas e a circulação monetária” (LOMBARD, 1953, p. 25). Tal articulação com essa perspectiva historiográfica fica ainda mais nítida, quando atentamos para o fato de que seu texto sobre evolução urbana na Idade Média trata-se, na verdade, de uma conferência feita, na

Universidade de Toulouse, para a Associação Marc Bloch (COMISSÃO, 1955, p. 47). Para

além de tudo isso, não deixam de ser bastante significativas as referências a M. Bloch e H. Pirenne, baluartes importantes no movimento de renovação da historiografia francesa.

O geógrafo R. Dion, que também integrou esse grupo de colaboradores franceses indicados para trabalhar na USP, contribuiu para os debates centrados na medievalidade com a apresentação de estudos sobre poemas elaborados ao longo desse período histórico154. Já o historiador P. Wolff, que assumiu, durante a década de 1950, a cadeira de História da

151

RENOUARD, Y. O grande comércio do vinho na Idade Média. In: Revista de História, ano IV, vol.VI, n° 14. São Paulo, 1953, p. 301-314.

152 PERROY, Édouard. As crises do século XIV. As origens duma economia contraída. In: Revista de História, ano IV, vol. VII, n° 16. São Paulo, 1953, p. 255-272.

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LOMBARD, Maurice. O ouro muçulmano do VII ao XI século. As bases monetárias de uma supremacia econômica. In: Revista de História, ano IV, vol. VI, n° 13. São Paulo, 1953, p. 25-46; ________. A evolução urbana durante a Alta Idade Média. In: Revista de História, ano VI, vol. XI, n° 23. São Paulo, 1955, p. 47-73. 154 DION, Roger. As origens históricas de um poema épico. In: Revista de História, ano IV, vol. VI, n° 14. São Paulo, 1953, p. 315-340; _____. A lição de uma canção de gesta: os narboneses. In: Revista de História, ano IV, vol. VII, n° 15. São Paulo, 1953, p. 17-36.

Civilização na FFCL-USP, ofereceu interessantes subsídios para os problemas relacionados aos caorsinos155. Em relação a essa última publicação, não podemos deixar de ressaltar, ainda, a abordagem interdisciplinar adotada pelo autor que, para construir seus argumentos, dialogou com disciplinas como a lingüística e a geografia. Toda essa incidência de colaboradores franceses demonstra a inserção significativa que a cultura historiográfica francesa teve diante das publicações situadas no âmbito da história medieval. Nesse contexto, a historiografia dos

Annales, que, como vimos, apareceu com bastante intensidade em outros segmentos, não

deixou de ser referenciada por muitos desses autores franceses.

Prosseguindo com a análise dos dados arranjados na tabela 10, constatamos que os trabalhos classificados no campo da História Moderna ocuparam lugar razoável entre as publicações dispostas nos domínios da história geral. Da mesma maneira que nos outros períodos ou segmentos tratados, as colaborações circunscritas a esse recorte temporal caracterizaram-se pela diversidade de temas e abordagens. Assim, domínio como a história política, por exemplo, não deixou de ser contemplada por colaboradores como Luís A. Sánchez e Magnus Bergström, que se empenharam em apresentar textos acerca do Império de Carlos V e sobre Dona Joana, a princesa de Portugal156. Analisando mais cuidadosamente essas publicações, pudemos verificar que ambos os autores se aproximaram bastante, em seus respectivos artigos, do modelo narrativo desenvolvido pela história política tradicional. Tal verificação é importante, na medida em que permite observar a heterogeneidade das concepções historiográficas responsáveis por alimentarem as publicações impressas pela RH. Nessas condições, podemos perceber que nem todos os trabalhos estampados nessa revista alinharam-se a uma perspectiva historiográfica renovadora. O periódico abrigou, também, uma série de outras colaborações que tomaram a historiografia tradicional como modelo para a elaboração das publicações.

Muito para além dessas questões, os colaboradores que se interessaram por discutir temas relativos à história moderna, abordaram seus respectivos objetos de estudos a partir de outros domínios, tais como a história econômica ou a história social. Dentro dessa perspectiva, insere-se perfeitamente a contribuição apresentada pelo português Vitorino M. Godinho, que pôs em discussão elementos da economia, quando debateu a relação de Portugal

155 WOLFF, Philippe. O problema dos caorsinos. In: Revista de História, ano IV, vol. VI, n° 14. São Paulo, 1953, p. 341-350.

156 SANCHEZ, Luís Amador. O velho Império de Carlos V. In: Revista de História, ano II, vol. III, n° 7. São Paulo, 1951, p. 57-70; BERGSTRÖM, Magnus. Dona Joana, princesa de Portugal e Rainha de Castela. In:

com as frotas do açúcar e do ouro157. Nesse trabalho, ele não deixou de difundir, novamente, as concepções historiográficas características dos Annales, através das alusões feitas a F. Braudel. Longe de encerrar-se nessa referência, esse seu alinhamento com a cultura historiográfica francesa ficou bastante explicitado, ainda, no momento em que o mesmo fez menção a E. Labrousse, mostrando, assim, proximidade com a história econômica quantitativa que, afinal, era uma tendência mais recente no âmbito dos Annales. No campo da história social e das mentalidades, merece destaque, sem dúvida, a publicação impressa por Joaquim B. de Carvalho, historiador português que se empenhou em refletir sobre a mentalidade, o tempo e os grupos sociais158. Sua opção pelo termo mentalidade pode ser explicada, quando atentamos para o fato de que o autor sofreu uma forte influência do grupo dos Annales. Apoiando-se em Mota (1994, p. 290), podemos constatar que essa receptividade em relação aos Annales manifestou-se, sobretudo, durante o período em que Carvalho estudou e pesquisou em Paris, local “onde se doutorou em Estudos Ibéricos pela Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris, Sorbonne, em 1961”. Em outro trecho, o comentador torna ainda mais explícita essa influência, quando afirma que:

Joaquim Barradas foi um discípulo de Braudel (e de Febvre, fundador da História das Mentalidades na França, em memória de quem dedicou seu último livro) e soube combinar o que de melhor havia naquela escola de pensamento com o que de melhor se fazia em termos de pensamento marxista (MOTA, 1994, p. 290).

Toda essa disponibilidade para com essa concepção historiográfica pode ser atestada, também, ao atentarmos para o fato de que esse seu trabalho, publicado originalmente na RH, foi logo em seguida reimpresso na própria revista dos Annales159. Tais constatações, sem dúvida, tornam-se ainda mais significativas quando consideramos as informações veiculadas por Maria R. da Cunha R. S. de Paula (1974, p. 828), responsável por demonstrar que ambos os autores portugueses lecionaram na FFCL-USP. Assim, enquanto Godinho vinculou-se a essa instituição em 1954, Carvalho trabalhou na mesma somente uma década depois, entre os anos de 1964-1970. O conhecimento desses fatos é importante, pois permite observar que

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GODINHO, Vitorino de Magalhães. Portugal, as frotas do açúcar e as frotas do ouro (1670-1770). In: Revista

de História, ano IV, vol. VII, n° 15. São Paulo, 1953, p. 69-88.

158 CARVALHO, Joaquim Barradas de. A mentalidade, o tempo e os grupos sociais (Um exemplo português da época das descobertas: Gomes Eanes de Zurara e Valentim Fernandes). In: Revista de História, ano IV, vol. VII, n° 15. São Paulo, 1953, p. 37-68.

159 Enquanto, no Brasil, o artigo foi impresso no fascículo correspondente aos meses de julho-setembro de 1953, na França ele apareceu no exemplar equivalente aos meses de outubro-dezembro do mesmo ano. Assim, para consultar sua versão em francês, ver: CARVALHO, Joaquim Barradas de. Temps, groupes sociaux et mentalités: Un exemple portugais. In: Annales: E. S. C., année 8, n° 4. Paris: Armand Colin, 1953, p. 475.

esses historiadores portugueses tiveram a oportunidade de difundir seus respectivos alinhamentos com a historiografia dos Annales não apenas através do suporte impresso, mas também no espaço da sala de aula. Inegavelmente, a junção de ambos esses fatores permitiu- nos perceber ambos os colaboradores como difusores, em potencial, dessa concepção historiográfica no Brasil.

Como se não bastasse toda essa comunhão com o pensamento dos Annales, foi disseminada, ainda, de uma forma direta, por L. Febvre e F. Braudel, historiadores responsáveis por capitanear esse movimento historiográfico. O fundador dos Annales, por exemplo, em dois textos importantes para os interessados em história moderna – O homem do

século XVI e Calvino160 – propaga algumas das formulações características dessa concepção historiográfica. Tal autor, sobretudo ao tratar do homem no século XVI, em um trabalho responsável por abrir o primeiro fascículo da RH, difundiu proposições fundamentais que giravam em torno da interdisciplinaridade, da história das mentalidades e da idéia de história enquanto ciência dos homens. Dentro dessa orientação, foram feitas, também, referências a M. Bloch e à história do movimento dos Annales, que não deixa de ser retratada de uma forma mitificada, com o intuito de criticar e combater, sobretudo, o ponto de vista da historiografia metódica tradicional.

Tão familiarizado com o século XVI quanto o fundador dos Annales, F. Braudel contribuiu bastante com as publicações situadas no campo da história moderna, quando publicou um artigo de história econômica sobre as moedas e as rotas comerciais que entrecruzavam a América, a Europa e a África161. Nesse seu trabalho, não foi difícil identificar algumas alusões significativas feitas tanto a M. Bloch, quanto em relação à longa duração e ao termo mentalidade. Além de todos esses aspectos, devemos destacar, também, a colaboração apresentada por Émile Coornaert, que ofereceu um interessante estudo sobre o Estado Moderno e as grandes cidades do Renascimento162. Esse historiador francês, que não deixou de dialogar com os Annales ao longo de sua trajetória intelectual, integrou, da mesma forma que alguns de seus compatriotas, a missão francesa responsável por ajudar a fundar a