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QUANDO O CRIADOR CRIA A SUA CRIATURA: Eurípedes Simões de Paula e

2 HISTÓRIA DA REVISTA DE HISTÓRIA: processo de produção e emergência de um

2.1 QUANDO O CRIADOR CRIA A SUA CRIATURA: Eurípedes Simões de Paula e

Para melhor compreendermos os processos de apropriação e difusão a que foi submetida a historiografia dos Annales nas páginas da RH, devemos, nesse principio do trabalho, considerar a história do próprio suporte em questão. Inegavelmente, a sua historicidade é capaz de revelar alguns aspectos relevantes em torno dessa problemática, marcada por processos intensos de trocas entre a cultura historiográfica francesa e a brasileira. Nesse sentido, a contextualização desse periódico justifica-se pelo fato de possibilitar um exame mais acurado acerca das condições de produção do discurso historiográfico impresso ao longo de suas páginas. Todavia, a primeira interrogação que surge diante dessa necessidade, é estabelecer uma abordagem e um corte temporal coerentes, que permitam entender melhor a emergência dessa revista na história da historiografia paulista e brasileira.

Em relação a tal necessidade, muitos comentadores que se dedicaram a fazer apontamentos sobre a RH, forneceram indícios que nos permitem abordar a história desse periódico tomando como ponto de partida a vida e a obra daquele que foi o seu fundador e idealizador: Eurípedes Simões de Paula. Francisco Iglésias (1983, p. 434), por exemplo, não hesita em afirmar que a RH pode ser corretamente chamada “a revista do Eurípedes” 25. Por sua vez, tal sentença pode ser constatada melhor quando atentamos para o fato de que, ao longo de 27 anos, Eurípedes não apenas dirigiu, mas também financiou e cuidou dos mínimos detalhes que se relacionavam à edição, impressão e distribuição da sua revista. Eduardo

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Tal comentário do historiador mineiro Iglesias foi extraído de um livro que tinha como finalidade homenagear a memória de Eurípedes S. de Paula. Com esse propósito, um grupo de organizadores resolveu publicar, seis anos após a morte do homenageado, esse trabalho que “tenciona registrar o apreço, a admiração e o carinho dos colaboradores por um historiador eminente”. Desde já, acreditamos que é importante destacar esses aspectos relacionados à emergência dessa obra, pois a consideramos enquanto uma das fontes da pesquisa. Dessa forma, entendemos que esse livro – mesmo tendo sido produzido com o intuito de homenagear Eurípedes S. de Paula – merece ser considerado, pois nele é possível encontrar informações e depoimentos valiosos sobre a vida e a obra do fundador da RH. Assim, em função do caráter laudatório dessa obra, os dados colhidos devem ser bem problematizados antes da sua utilização. Respeitados esses procedimentos, acreditamos não haver problemas no que se refere à utilização desse material: SOUZA, Antonio Candido de Mello e (et alii) (Org.). In memoriam de

Eurípedes Simões de Paula: artigos, depoimentos de colegas, alunos, funcionários e ex-companheiros de FEB;

vida e obra. São Paulo: Seção Gráfica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1983.

d’Oliveira França (1979, p. 11), que colaborou com publicações e integrou o quadro da comissão de redação da revista desde o seu primeiro exemplar, oferece um depoimento que ajuda a dimensionar essa relação visceral, responsável por unir o criador a sua criatura:

A Revista de História é pouco mais criança que seu tempo de vida intelectual. Era o grande patrimônio de sua vida, muito sua, ciosamente sua. Ela o tiranizava como um vicio bom. Quantas vezes, na efervescência de problemas da Faculdade, íamos encontrar, na Diretoria, o Eurípedes debruçado sobre provas tipográficas da revista, como se no mar só houvesse o ameno balanço dos marulhos. A Revista, esse milagre que só podemos entender como prêmio a uma dedicação sem-par. (...) só ele poderia conseguir, sozinho quase, ao longo de tantos anos, com tantos sacrifícios, realizar essa duração: 1950-1977.

De acordo com o nosso ponto de vista, tal declaração torna claro que é impossível dissociar, da história da revista, a história do seu fundador. Isso porque, a sua trajetória intelectual permite entender de forma mais ampla as determinações expressas na produção historiográfica transmitida pela RH. Entretanto, longe de limitar-se apenas aos episódios que fazem parte estritamente da vida acadêmica de Eurípedes S. de Paula, esses condicionamentos devem ser compreendidos também enquanto parte de um conjunto de acontecimentos e processos históricos, que extrapolam bastante as representações sobre o passado forjadas por um indivíduo ou mesmo por um grupo. É justamente nesse sentido que a memória coletiva ou cultura histórica entrecruza-se com a cultura historiográfica, pois a escrita da história não pode ser considerada um conjunto de práticas autônomas, que funcione somente a partir de sua própria lógica interna e não se relacione com os fenômenos socioeconômicos e culturais.

Nessa perspectiva, é bastante interessante observar como a concepção historiográfica de Eurípedes S. de Paula – da mesma forma que a da maioria dos colaboradores da revista, pertencentes à sua geração – se articula a processos históricos mais amplos, tais como a

Revolução de 1930, a Revolução Constitucionalista de 1932 e a fundação da FFCL-USP.

Inegavelmente, eventos como o conflito desencadeado em 1932 deixaram marcas singulares na honra e na memória de vários segmentos da sociedade paulista. Assim, para os nossos propósitos, cabe destacar a repercussão que esse acontecimento teve entre os jovens estudantes e os intelectuais já mais maduros, que respiravam a atmosfera de São Paulo no início da década de 193026. Imerso em meio a esse contexto, Eurípedes S. de Paula participou

26 Existe uma vasta bibliografia que trata da Revolução Constitucionalista de 1932. Em grande parte dessas obras, é possível observarmos a atmosfera política preponderante em São Paulo, bem como a dimensão que esse acontecimento adquiriu entre os paulistas. Dessa forma, para uma análise mais detalhada em torno desse tema, sugerimos ver: MENOTTI DEL PICCHIA, Paulo. A revolução paulista atravez de um testemunho do Gabinete

do levante armado iniciado em 9 de julho de 1932, combatendo no setor do vale do Paraíba. Capturado durante o conflito, ele é levado para o Rio de Janeiro, onde ficou confinado, durante um curto período, no presídio da Ilha das Flores27 (GLEZER, 1983, p. 664).

Da mesma maneira que Eurípedes S. de Paula, outros jovens estudantes que pertenceram a sua geração, também experimentaram um sentimento de indignação, diante da maneira com que o governo provisório de Vargas tratou o Estado de São Paulo. Décio de Almeida Prado (1993, p. 144-45), que ingressou na terceira turma da FFCL-USP, em 1936, oferece um depoimento interessante, na medida em que ajuda-nos a entender o sentido que sua geração atribuiu aos acontecimentos de ordem política ocorridos após a Revolução de

1930. Segundo ele, os políticos e os paulistas, de uma forma geral, ficaram bastante

ressentidos com Vargas que, após tomar o poder, tratou São Paulo “como se fosse uma terra vencida, embora uma parte da população tivesse sido entusiasta” de sua candidatura. O, então, presidente provisório indicou dois militares, João Alberto e Manoel Rabelo, para governarem São Paulo. Tal atitude fez com que o PD (Partido Democrático) – que aglutinou os setores progressistas de uma burguesia urbana incipiente – tecesse aliança com seus antigos adversários do PRP (Partido Republicano Paulista). A atenção em torno da dinâmica e dos

revolução constitucionalista de 1932. São Paulo: Martins, 1977; NOGUEIRA FILHO, Paulo. A guerra cívica de 1932: Ocupação militar. V. 1. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965; ______. A guerra cívica de 1932: Insurreição

civil. V. 2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966; CAPELATO, Maria H. Rolim. Movimento de 1932: a causa paulista. São Paulo: Brasiliense, 1981; BEZERRA, Holien Gonçalves. O jogo do poder: Revolução Paulista de 32. São Paulo: Moderna, 1989; PEREIRA, Marcos Aurélio. Revolução constitucionalista. São Paulo: Editora do Brasil, 1989; BORGES, Vavy Pacheco. Memória paulista. São Paulo: EDUSP, 1997; GALDINO, Luiz & MATIAS, Rodval. 1932, a guerra dos paulistas. São Paulo: Ática, 1996. Certamente, somente essas referências não esgotam as discussões em torno desse tema, mas ajudam a situar o lugar desse acontecimento na memória de, pelo menos, parte da sociedade paulista.

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Nesse mesmo trabalho, Glezer (1983, p. 664-676) oferece ainda outras informações importantes, que permitem atentar para o fato de que a Revolução de 1932 não foi a única experiência militar na vida de Eurípedes S. de Paula. Antes do conflito, especificamente, entre os anos de 1930 e 1931, ele recebeu formação militar no Centro de Oficiais da Reserva (CPOR/ 2° Região Militar), tornando-se, ao final do curso, segundo tenente de Infantaria. Essa experiência, somada ao desejo de engajamento que tomou conta dos jovens de sua idade, explicam em parte a sua participação nesse conflito. Além disso, outro dado que não pode ser desconsiderado, é que Eurípedes S. de Paula, na época em que eclodiu o levante, era já aluno da tradicional

Faculdade de Direito, fundada desde 1827. Instituição tradicionalmente politizada, caracterizada por fornecer

lideranças políticas para o Brasil durante o Império e a República, a Faculdade de Direito teve um papel de destaque durante o movimento de 1932. Quando da emergência do conflito, seu prédio transformou-se em um verdadeiro quartel de guerra, tendo sido formado até mesmo um batalhão com o nome da faculdade, que aglutinou muitos estudantes. A construção, no Pátio das Arcadas, de um monumento intitulado “Soldado

Constitucionalista”, demonstra o quanto esse episódio cristalizou-se na memória dessa instituição, bem como

dos homens que nela conviveram durante esse período. Para um exame mais detido dessa e de outras questões relacionadas à história do Direito, sugerimos consultar: DULLES, John W. F. A Faculdade de Direito de São

Paulo e a resistência anti-Vargas, 1938-1945. Rio de Janeiro: Renes, 1980; ALMEIDA JÚNIOR, A. A

Faculdade de Direito e a cidade. In: O Estado de São Paulo. Ensaios paulistas: contribuição de “O Estado de São Paulo” às comemorações do IV centenário da cidade. São Paulo: Anhambi, 1958, p. 43-64; SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos (Org.). Faculdade de Direito. In: ______. Universidade de São Paulo: Alma Mater Paulista – 63 anos. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 97-101; MACHADO NETO, Antonio Luis. História das idéias

jurídicas no Brasil. São Paulo: Grijalbo, 1969; VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das Arcadas ao bacharelismo:

desdobramentos da política local em São Paulo é muito importante, pois permite compreender melhor como os diversos grupos sociais reagiram a essa nova realidade que se impunha às elites paulistas após a Revolução de 1930. Como essas elites organizavam-se nos dois partidos, é importante esclarecermos a emergência e a atuação política de ambos na vida política de São Paulo.

Nesse sentido, vale a pena situarmos que o PRP era um partido mais tradicional, fundado desde 1873. Entre os seus partidários, predominavam os proprietários rurais paulistas, os cafeicultores, que direcionaram politicamente o partido, apesar do mesmo ter sido composto também por profissionais liberais. Durante praticamente toda a República

Velha, o PRP foi o único partido político de São Paulo. Fortemente vinculado aos valores

políticos conservadores da aristocracia rural, o partido conseguiu eleger seis presidentes da República, além de todos os presidentes do estado e todos os deputados e senadores estaduais. Todavia, durante esse período, a unidade do partido foi ameaçada em algumas ocasiões, sendo que, na conturbada e efervescente década de 1920, precisamente em 1926, a dissidência tornou-se inevitável e surgiu o PD. Tal partido, que se colocava enquanto opositor do velho

PRP, apoiou Vargas a tomar o poder político durante a Revolução de 1930. Todavia, após

chegar ao poder, Vargas não apoiou os membros do PD, que outrora haviam se colocado ao seu lado, a tomar o poder político no Estado de São Paulo. Longe disso, ele indicou dois interventores militares, o que provocou revolta entre as elites paulistas e fez unirem o PRP e o

PD, que lutaram juntos no levante de 1932 em prol dos seus interesses28.

Sem dúvida, toda essa conjuntura política deixou traços distintos em toda essa geração que, enquanto filhos das elites paulistas, freqüentavam a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Para a esmagadora maioria desses estudantes, que pertenciam a tradicionais famílias paulistas, todas essas discussões políticas estavam bastante próximas de seu horizonte de preocupações, pois seus desdobramentos contrariavam os interesses do grupo ao qual se ligavam29. Eduardo d’Oliveira França (1994, p. 151) que, antes de ingressar na

28 Um maior aprofundamento acerca da história de ambos os partidos, que não deixam de expressar uma parte da história política de São Paulo, pode ser visto em: SANTOS, José Maria dos. Bernardino de Campos e o Partido

Republicano Paulista: subsídios para a história da República. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960;

CASALECCHI, José Ênio. O Partido Republicano Paulista: política e poder, 1889-1926. São Paulo: Brasiliense, 1987; NOGUEIRA FILHO, Paulo. Idéias e lutas de um burguês progressista: o Partido Democrático e a Revolução de 1930. 2 v. São Paulo: Anhembi, 1958; PRADO, Maria Lígia Coelho. A

democracia ilustrada: o Partido Democrático de São Paulo, 1926-1934. São Paulo: Ática, 1986.

29 Alguns bons apontamentos acerca do perfil social dos alunos que integraram as fileiras das salas de aula da

Faculdade de Direito, podem ser encontradas nas análises desenvolvidas por Fernando Limongi (2001, p. 187-

221) que, em artigo publicado na coletânea História das Ciências Sociais no Brasil, tratou desse assunto. Baseando-se na documentação extraída das seções dos alunos matriculados nas três principais e tradicionais instituições culturais paulistas – a já citada Faculdade de Direito, a Escola Politécnica (1893) e a Faculdade de

segunda turma da FFCL-USP, era, também, matriculado na Faculdade de Direito, oferece uma importante informação, que permite observar o quanto uma parte dos colaboradores da

RH formaram-se em meio a esse contexto. Segundo ele, sua decisão de cursar História na

recente FFCL-USP deveu-se muito à influência de colegas da Faculdade de Direito, “notadamente Eurípedes Simões de Paula e Astrogildo Rodrigues de Melo” (...) “que haviam ingressado na primeira turma” e “elogiaram muito a faculdade recém-instalada em São Paulo”.

O depoimento em questão permite compreender aspectos importantes em torno desse debate, pois possibilita constatar que grande parte dos futuros colaboradores da RH compartilhou um mesmo tempo, que remete, simultaneamente, tanto aos acontecimentos que lhes foram contemporâneos quanto à memória desses eventos. Tal perspectiva coloca-nos diante de discussões importantes, relacionadas à maneira como esse conjunto de homens experimentou um certo tempo que, se, por um lado, é interior ao grupo a que pertencem, por outro, também lhe é externo. Ante essas constatações, podemos observar o quanto é pertinente pensarmos a cultura historiográfica impressa na RH como produto de uma tripla determinação, que se relaciona a lugares de memória (de grupo ou coletiva) e a lugares sociais e institucionais. Nesse sentido, é bastante interessante salientar que o fundador e parte considerável do grupo de colaboradores da RH, sobretudo aqueles que ocuparam funções organizacionais, formaram-se nesse contexto histórico descrito acima, em meio a redes de sociabilidade que os ligavam aos institutos de ensino superiores tradicionais e à recente

FFCL-USP.

A atenção em torno dessa orientação é importante, porque permite conferir inteligibilidade a um conjunto de dados e informações que foram expressas ao longo das páginas da revista. Muitos desses vestígios demonstram o quanto é pertinente pensarmos esse suporte a partir de um ponto de vista que privilegie as suas articulações com o conjunto de lugares que o constituem. Nessa perspectiva, é bastante interessante examinarmos esse

Medicina e Cirurgia (1913) – o autor demonstra o quanto a clientela que ocupou esses espaços, vinculava-se a

famílias tradicionais paulistas. Longe de encerrar suas considerações em meio a essas constatações, Limongi faz ainda uma interessante comparação entre os perfis sociais dos estudantes matriculados nesses institutos tradicionais e aqueles que ingressaram nas quatro primeiras turmas da FFCL-USP. De acordo com os dados arrolados, podemos perceber que 59% dos primeiros alunos da Faculdade de Filosofia provinham das tradicionais faculdades de direito, engenharia ou medicina. Apesar desses números tão expressivos, o perfil do corpo discente da FFCL-USP caracteriza-se por ser muito mais heterogêneo que os dos outros institutos citados, pois, dentre os seus calouros, encontravam-se, também, professores primários comissionados (18,1%) e bolsistas (2,6%). A atenção em torno desses aspectos é importante, na medida em que permite situar melhor os grupos sociais que tiveram acesso a esses espaços institucionais. Além disso, essas mesmas considerações tornam possível delinear a trajetória intelectual não apenas de Eurípedes S. de Paula, mas também de parte de sua geração.

pequeno trecho, escrito por Eurípedes S. de Paula (1950, p. 1) em “O nosso programa”, texto de abertura publicado no primeiro exemplar da RH.

Já em 1937, quando ainda lecionava na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, o ilustre Prof. Fernand Paul Braudel – com quem tivemos a honra de trabalhar na qualidade de assistente – pensávamos em fundar uma Revista destinada à divulgação de trabalhos históricos, não só de professores e assistentes, mas também de licenciados e alunos.

Nessa passagem, que constitui o primeiro parágrafo com o qual se depara o leitor ao folhear o suporte, Eurípedes S. de Paula procura demarcar que o desejo de fundar a revista emergiu bem antes de 1950. Como podemos observar, ele situa a origem do periódico na década de 1930 e atribui a idéia de sua criação a uma inquietação de espírito que, naquele momento, compartilhava com o historiador francês Fernand Braudel. Certamente, a evocação deste último não deve ser vista como produto de uma simples casualidade, pois, como bem veremos em um momento mais oportuno, o espaço que a historiografia francesa – particularmente aquela produzida pelos Annales – ocupou nesse periódico, não é nada desprezível.

Inevitavelmente, essa constatação coloca-nos diante da problemática estabelecida para essa pesquisa, na medida em que possibilita formularmos uma série de interrogações pertinentes, tais como: quais condições tornaram possíveis os processos de trocas culturais que envolveram a cultura historiográfica brasileira e a francesa? Quais as nuanças que se relacionam à apropriação do pensamento historiográfico dos Annales no Brasil? E ainda, quais as articulações existentes entre a criação da RH e a acomodação pela qual passou a historiografia dos Annales em nosso país? Sem dúvida, todas essas questões, apesar de extrapolarem bastante os objetivos estabelecidos para esse capítulo, abrem o debate para um conjunto de preocupações que ajudam a entender melhor a história da revista fundada por Eurípedes S. de Paula.

Nesse sentido, é interessante retomarmos o trecho que extraímos do primeiro exemplar da RH, pois nele é possível observar outras informações importantes. Na passagem em questão, Eurípedes S. de Paula determina um tempo e um espaço, que são apontados com o intuito de demarcar o contexto em que se originou a idéia de fundar o periódico. Nessa perspectiva, o ano de 1937 adquire bastante significado, pois é justamente durante esse período que Eurípedes S. de Paula formou-se e, em seguida, assumiu o cargo de Assistente junto a Fernand Braudel, na Cadeira de História da Civilização da FFCL-USP. A partir desse momento, os vínculos que uniam o, até então Assistente, à Faculdade de Filosofia

estreitaram-se significativamente. Uma breve observação em torno dos dados arrolados por Glezer (1983, p. 665-666) permite notar que, de 1937 a 1950, a trajetória profissional de Eurípedes S. de Paula praticamente não se dissocia da FFCL-USP. Dessa forma, nesse intervalo de tempo, ele ocupou o cargo de Assistente – tendo trabalhado nessas condições com os professores franceses Fernand Braudel e Jean Gagé – até assumir, por meio da elaboração e apresentação de uma tese de cátedra, a Cadeira de História da Civilização Antiga e Medieval da FFCL-USP30.

Somente por um único momento, ao longo desses 13 anos que antecederam a criação da RH, Eurípedes S. de Paula afastou-se da Faculdade de Filosofia. Tal afastamento ocorreu entre os anos de 1943 e 1945, período em que ele foi convocado para o serviço ativo no exército. Nessas condições, Eurípedes S. de Paula, que já havia participado da Revolução de

1932, deixou o cargo de Assistente e incorporou-se ao 1° escalão da FEB (Força

Expedicionária Brasileira), que desembarcou em Nápoles em 16 de julho de 1944. A partir de depoimentos de antigos combatentes, é possível observar que a sua participação na Segunda

Grande Guerra foi de destaque, como bem comprovam as quatro medalhas de guerra com

que foi condecorado: Medalha da Campanha da Itália – FEB (Brasil), Cruz de Combate (Brasil), Medalha de esforço de Guerra (Brasil), Croix de Guerre Avec Palme (França). A dimensão dessa experiência em sua vida pode ser entendida, quando constatamos que ele era