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Difusão diatópico-social do alçamento da vogal átona final [e]

O gráfico do Mapa 8 indica que a variante associada ao português, isto é, [i] e [I], cresce nas respostas ao questionário. Como se pressupõe que nesse estilo de fala os informantes fiquem mais focados na forma do item lexical perguntado, é possível deduzir que o aumento no percentual de ocorrências do traço [+ptg] indique que a valorização social desse traço seja percebida pelos falantes.

Essa análise da distribuição areal pode ser ainda mais refinada com o auxílio do VARBRUL, que considerou a zona de residência (urbana e rural) o segundo grupo de fatores mais relevante no uso da regra, conforme pode ser visto no Tabela 22.

TABELA 22 – Alçamento da vogal átona final [e] e a zona de residência

Zona de Residência Aplicação/Total % Peso Relativo

Urbana 202/443 46 .71

Rural 103/444 23 .29

TOTAL 305/887 34

Input: .27 Significância: .000

Os números acima indicam que os habitantes urbanos se correlacionam positivamente com a regra de alçamento da vogal átona final [e], ao contrário dos habitantes rurais, que se correlacionam negativamente com essa regra. O fato de todos os grupos rurais serem constituídos por descendentes de italianos, além de preservarem o italiano mais do que os urbanos, explica em parte os resultados, dando sustentação à hipótese de que a difusão do português é mais favorecida pelos falantes urbanos.

E o grupo de fatores relacionado à idade, como atua nesse caso?

TABELA 23 – Alçamento da vogal átona final [e] e a idade

Idade Aplicação/Total % Peso Relativo

GI – de 15 a 30 anos 171/446 38 .61

GII – de 45 a 60 anos 134/441 30 .39

TOTAL 305/887 34

Input: .27 Significância: .013

Os falantes mais jovens levam vantagem sobre os mais velhos quanto à difusão da regra associada ao português, conforme previsto na hipótese inicial, apontando uma provável existência de mudança em curso.

Sexo é outro grupo de fatores sociais que atua sobre o uso variável de [e] átono final. Os números mostram que os grupos formados por falantes masculinos lideram a difusão da regra associada ao português, com peso relativo .58, ao passo que os grupos formados por falantes do sexo feminino e os grupos mistos correlacionam-se negativamente com essa regra. Sendo assim, pelo menos neste caso, os resultados contrariam as conclusões de outros estudos sociolingüísticos, nos quais as mulheres exercem a vanguarda das mudanças lingüísticas. Os resultados obtidos apontam, conseqüentemente, no sentido contrário à hipótese inicialmente colocada. No entanto, é preciso levar em consideração que a amostra carece de ortogonalidade quanto a esse aspecto, pois os grupos formados por homens é maior do que os outros dois grupos somados.

Entre os grupos de fatores lingüísticos que atuam no uso variável de [e] átono final, constam: tamanho do vocábulo, classe morfológica e contexto precedente. Os números mostram que se correlacionam positivamente com o alçamento da vogal átona final [e] os vocábulos dissílabos, as classes distintas dos nomes e dos verbos e os vocábulos em que a vogal [e] está precedida de consoante dental ou alveolar.22 Todos os demais fatores lingüísticos ou são quase neutros, com peso relativo próximo a .50, ou correlacionam-se negativamente. No entanto, convém esclarecer que esses grupos de fatores aparecem em posições finais na lista das variáveis consideradas importantes no uso da variável dependente. Isso é uma forte evidência de que a realização ou não da regra variável está muito mais associada a fatores diatópico-sociais do que a lingüísticos.

Falta ainda analisar os números relativos à dimensão diafásica, isto é, aos estilos de fala, selecionada em primeiro lugar pelo programa estatístico.

Observa-se pela Tabela 24 que a aplicação da regra de alçamento da vogal átona final, própria do português, é fortemente favorecida na Resposta ao Questionário, apontando, em parte, em sentido contrário à hipótese inicial, isto é, de que a difusão do português seria favorecida pelos estilos mais formais.23

22 Roveda (1998, p. 77) verificou que o alçamento da vogal [e] em comunidades bilíngües português/italiano é

favorecido quando é precedida por consonantais altas, dorsais e palatais.

23 Consideramos, neste caso, que Leitura é mais formal do que Resposta ao Questionário que, por sua vez, é mais

TABELA 24 – Alçamento da vogal átona final [e] e os estilos de fala

Estilo Aplicação/Total % Peso Relativo

Questionário 189/380 50 .72 Conversa 45/158 28 .44 Leitura 71/349 20 .29 TOTAL 305/887 34 Input: .27 Significância: .000

Com base nos dados apresentados e na análise feita, conclui-se que, nas áreas de contato do português com o italiano, a vogal átona final [e] configura-se como regra variável: 34% das ocorrências da amostra realizaram-se com [i] ou [I] e 66% delas realizaram-se com [e]. Apesar de prevalecer a variante [e], que, no caso, é considerada a variante [+ita], há indicações de que a regra associada ao português, isto é, o alçamento de [e] para [i] está-se difundindo nas áreas pesquisadas. Essa difusão, de acordo com os resultados apresentados, está sendo favorecida em algumas áreas, principalmente aquelas representadas por Orleans e Caxias do Sul. Também é favorecida no estilo Resposta ao Questionário e, sucessivamente, por falantes urbanos e por falantes mais jovens, caracterizando uma possível mudança em progresso. Entre os parâmetros lingüísticos, tem influência no alçamento da vogal átona final [e] os vocábulos dissílabos, as classes morfológicas distintas de nomes e de verbos, além de contexto precedente formado por consoante dental ou alveolar.

4.2.5 Alçamento da vogal átona final [o]

Em português, a vogal átona final [o] sofre neutralização, na pronúncia, com a vogal [u], da mesma forma que a vogal átona final [e] sofre neutralização com a vogal [i]. Suprimida a oposição entre [o] e [u], o que se realiza, nessas condições, é a vogal [u].24

Isso, no entanto, nem sempre se verifica no português falado no Sul do Brasil, fato demonstrado por Roveda (1998) e pelo ALERS (2002, v. 2), entre outros estudos, principalmente no português de contato com o italiano, como demonstraremos adiante. Antes, porém, verificaremos se há alguma relação entre a ausência de elevação da vogal final [o] na

24 Cf. Camara Jr. (1970, p. 34-35).

fala dos ítalo-brasileiros e o sistema vocálico do italiano falado nas áreas de colonização do Sul do Brasil. As explicações estão em Frosi e Mioranza (1983, p. 343-345).

Sobre a vogal átona final [o] no Norte da Itália, verificam-se duas situações: na região da Lombardia, de influência galo-itálica, e mesmo no Vêneto setentrional, a vogal átona final [o] sofre apócope. Já na região do Vêneto central e na região de Trento, a referida vogal é conservada. Considerando, então, que a maior parte dos imigrantes italianos que se estabeleceram nas áreas de colonização do Sul do Brasil são oriundos de regiões cujos dialetos conservam a vogal final [o], depreende-se que esse traço se mantém no sistema dialetal italiano dessas áreas, principalmente nos dialetos vêneto e trentino. Considerando, ainda, a formação da coiné de base vêneta nessas áreas, a vogal [o] eventualmente foi restabelecida nos dialetos que apresentavam consoante em final de palavra, e não a vogal átona (lombardo e friulano). Assim, a presença da vogal átona final no sistema dialetal italiano, falado no Sul do Brasil, pode ser considerada em sentido amplo.

Disso resulta que o falante bilíngüe, habituado a ouvir [o] no sistema de sua língua materna, transfere para o sistema da língua portuguesa os hábitos próprios da primeira língua, realizando [o] onde, em português, costuma-se realizar [u]. Todavia, tendo em vista o progressivo desaparecimento da língua étnica, a expectativa é de que, paulatinamente, a regra associada ao português vá se difundindo na região de contato.

Se assim é, de que modo e com que intensidade acontece? É o que pretendemos verificar. Para tanto, isto é, para estudar o uso da vogal átona final [o] no espaço pluridimensional delimitado para esta pesquisa, coletamos 1.134 ocorrências da regra variável, assim distribuídas:

TABELA 25 – Distribuição da vogal átona final [o]

Variantes [ò] e [w] Variante [o] total

Freq. % Freq. % Freq. %

552 49 582 51 1.134 100

Os dados revelam, portanto, uso equilibrado entre as variantes [ò] e [w], que representam a regra associada ao português nos termos propostos por Camara Jr. (1970), e a variante [o], que representa a regra associada ao português de contato com o italiano.

Esses dados foram, num primeiro momento, submetidos ao tratamento geolingüístico através do SPDGL, obtendo-se 36 mapas analíticos: 11 no estilo Leitura, 20 no

estilo Resposta ao Questionário e 5 no estilo Conversa (servem de exemplo os Mapas 126.c, 228.a e 336.a, em anexo). Em seguida, os dados foram processados estatisticamente através do VARBRUL, visando a correlacionar o uso variável da regra com as dimensões e parâmetros espaciais, sociais, estilísticos e lingüísticos.

Os grupos de fatores considerados relevantes pelo programa estatístico foram, pela ordem: pontos de pesquisa, estilo de fala, escolaridade, dimensão dos vocábulos, etnia dos informantes, idade, contexto precedente.

A realização das variantes [+ptg], isto é, [ò] e [w], por pontos de pesquisa apresentou distribuição conforme Tabela 26.

Como se vê pelos resultados expostos na referida tabela, Orleans lidera a aplicação da regra associada ao português, seguido por Caxias do Sul e Videira. Em sentido contrário, aparecem Rodeio e Sananduva. Posição neutra ou relativamente neutra é ocupada por Sarandi, Nova Palma e Chapecó. Também em relação a esta variável lingüística fica evidenciado que Rodeio é o ponto mais resistente à difusão do traço associado ao português, seguido de Sananduva.

Comparando o desempenho dos pontos de pesquisa na aplicação dessa regra e do alçamento da vogal átona final [e], verifica-se que Sarandi, Chapecó e Videira, que antes apresentaram pesos relativos negativos, agora mudaram de posição: o primeiro obteve escore neutro, Videira obteve escore positivo, enquanto Chapecó permanece com escore negativo, mas próximo do ponto neutro.

TABELA 26 – Alçamento da vogal átona final [o] por pontos de pesquisa

Cidades Aplicação/Total % Peso Relativo

Orleans 99/143 69 .74 Videira 75/142 53 .56 Chapecó 65/140 46 .47 Santa Catarina Rodeio 27/141 19 .16 Caxias do Sul 90/142 63 .69 Nova Palma 68/142 48 .51 Sarandi 70/141 50 .50

Rio Grande do Sul

Sananduva 58/143 41 .41

TOTAL 552/1.134 49

Input: .49 Significância: .000