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O Contexto da Imigração Italiana no Sul do Brasil e a Formação da

O fenômeno da imigração de europeus para a América no século XIX e início do século XX está relacionado à expansão do capitalismo no velho continente (Revolução Industrial) e transformações políticas, econômicas e sociais decorrentes; na América, coincide com o fim da escravatura e as políticas de ocupação territorial. No Brasil, transformações econômicas, abolição da escravatura, processo de urbanização, início da industrialização, criação do setor terciário e mais intensamente, no Sul, a consolidação dos limites territoriais, são alguns desses aspectos em que se insere o processo de imigração dessas populações.

De acordo com Ianni (1979, p. 12), a opção dos governantes de trazer imigrantes europeus (alemães, italianos, poloneses, espanhóis e portugueses) fazia parte de uma estratégia de reduzir a presença do negro e do mulato, ou seja, os imigrantes trazidos para o Brasil nessa época, além de agregar à economia a capacidade do trabalho artesanal e o domínio de técnicas que poderiam ser úteis à economia, destinavam-se a “branquear o país”.1

O início da substituição da mão-de-obra escrava por trabalhadores europeus assalariados nas grandes lavouras de monoculturas paulistas deu-se através de contratos de parceria. Ainda no país de origem, o trabalhador contraía uma dívida, da qual dificilmente se livraria para o resto da vida. Aqui chegando, “era colocado a trabalhar ao lado de escravos e acabava recebendo um tratamento idêntico ao do cativo” (DE BONI; COSTA, 1984, p. 29). Por causa dessa prática de escravidão camuflada, a Prússia (1859) e o estado alemão (1871) passaram a dificultar a emigração para o Brasil, através de medidas restritivas como a von der

1 Italianos de diferentes segmentos sociais entraram no Brasil, entre eles, os colonos para as colônias do Sul e

colônias do Estado de São Paulo. Para cá também vieram o operário agrícola, que substituiu o escravo nas fazendas de café de São Paulo, sendo, no início, tratado como escravo branco, os operários urbanos, artesãos, alfaiates, sapateiros, barbeiros, marceneiros, técnicos e intelectuais (cf. Ianni, 1979, p. 15-16).

Heydsche Rescrypt.2 Em virtude dessas restrições, os agentes brasileiros voltaram-se com mais intensidade para o recrutamento de imigrantes na Itália, onde não havia essa restrição e onde a população, nessa época, principalmente a rural, passava por grandes necessidades.

Na Itália, os camponeses recebiam terras para trabalhar mediante a entrega de uma terça parte ou mesmo da metade do que colhiam aos proprietários delas. Essas terras assim cedidas denominavam-se de “campi” e correspondiam à área de 1 ha. Cada família recebia um só “campo”, espaço que, mesmo fértil, revelava-se insuficiente para retirar dele todo o sustento de que uma família precisava.3

O quadro era desolador. Sobrava gente no campo, e as cidades não estavam em condições de absorver tantas pessoas, oferecendo-lhes emprego nas indústrias que iam surgindo. Uma das alternativas de solução seria, em médio prazo, modificar o sistema fundiário e a distribuição de encargos sociais; a outra, uma revolução socialista. Todavia, em lugar dessas alternativas, o que prosperou foi a emigração em grande escala, “permitindo à classe dirigente manter e mesmo aumentar seus privilégios, enquanto os pobres rumavam, em número incalculável, para outros países, principalmente de além-mar” (DE BONI; COSTA, 1984, p. 53).

No Brasil, para onde vieram milhares de imigrantes italianos, além da política de substituir a mão-de-obra escrava nas fazendas de café de São Paulo e Espírito Santo, desejavam-se, de um lado, criar núcleos destinados à produção de gêneros para o mercado urbano interno, que já começava a se constituir, e, de outro, garantir a ocupação do território. Todos os imigrantes naturalmente vinham para o Brasil motivados pela perspectiva de uma vida melhor e, além disso, os que eram destinados ao Sul, tinham o ideal de serem proprietários de terras.

Em seus primórdios, a história dos imigrantes italianos é muito semelhante em todas as colônias. De um lado, o planejamento precário, a assistência quase inexistente, os administradores corruptos, a floresta perigosa e traiçoeira, a derrubada da floresta, o isolamento; de outro lado, os sonhos de liberdade e do enriquecimento, os atos de coragem e bravura, os ideais de propriedade, a mística do trabalho e os princípios de fé e honestidade. E, sobretudo, a suprema esperança de uma vida de fartura.

2 Com o Rescrito de Von Heydt (ministro prussiano do Comércio, da Indústria e das Obras Públicas), que

vigorou de 1869 a 1896, o governo da Prússia “não proibia a imigração para o Brasil, como dizem, mas recusou-se a proteger os agentes dessa imigração, em razão das queixas que lhe haviam sido transmitidas e das más informações que recebera, entre 1862 e 1868, sobre a situação dos colonos” (Roche, 1969, p. 108-109).

Os primeiros imigrantes europeus a chegar ao Sul do Brasil foram os alemães: no Rio Grande do Sul, a partir de 1824, estabeleceram-se na bacia do rio dos Sinos, do Caí, Taquari e, mais tarde, Ibicuí (BARBOSA, 1995, p. 63) e, em Santa Catarina, a partir de 1829, inicialmente em São Pedro de Alcântara e imediações, ao longo do caminho que levava a Lages e, em seguida, ao Norte, na bacia do Itajaí-Açu, e ao Sul, na vertente norte do rio Tubarão.4

Quanto à “grande imigração italiana” para a Região Sul do Brasil, que é de interesse mais específico de nossa pesquisa lingüística, os historiadores consideram que teve início em 1875, tanto no Rio Grande do Sul quanto em Santa Catarina. Todavia, houve, em 1836, em Santa Catarina, uma tentativa de formação de uma colônia, a Nova Itália, hoje São João Batista, localizada há alguns quilômetros da atual cidade de Nova Trento, no vale do rio Tijucas. Essa colônia, no entanto, teve vida curta e atormentada.5 Quanto ao início da colonização italiana no Rio Grande do Sul, também subsistem algumas dúvidas, conforme comenta Bombassaro (2001, p. 390-391):

No relatório que o presidente da província rio-grandense enviou à Assembléia Legislativa, em 1876, consta que 729 italianos entraram no território gaúcho no decorrer de 1859 a 1875. No entanto, por mais que os pesquisadores procurassem, não foram encontrados documentos dessas entradas de imigrantes peninsulares.

De acordo com De Boni e Costa (1984, p. 65), muitos dos italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul antes de 1875 devem ter vindo como “austríacos”, por residirem em territórios então pertencentes ao domínio austro-húngaro.

No Rio Grande do Sul, “os primeiros imigrantes [italianos] foram localizados na borda do Planalto Sul Brasileiro, entre 400 e 800 metros de altitude, pois as regiões inferiores já tinham sido ocupadas por colonos de origem germânica” (BUNSE, 1982, p. 67). A região da encosta superior do Norte gaúcho, imprópria à produção pastoril, foi parcelada e destinada à colonização italiana. Conde D’Eu (Garibaldi), Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Caxias foram as três primeiras colônias. Em 1877, foi fundada Silveira Martins, a quarta colônia, em terras mais baixas, mas também montanhosas e de florestas, nas proximidades de Santa Maria, no Oeste do Rio Grande do Sul. Logo seguiram-se outras.

4 Cf. Peluso Júnior (1991, p. 255-263).

Em Santa Catarina, por volta de 1875-1877, fundaram-se Rio dos Cedros, Rodeio, Ascurra e Apiúna, na periferia de Blumenau, além de Botuverá, Nova Trento, perto de Brusque, e Luiz Alves, no Vale do Rio Itajaí-Açu; no Sul, a partir de 1877, fundaram-se os núcleos de Azambuja, Urussanga, Grão-Pará, Orleans, Nova Veneza, Nova Beluno (Siderópolis).

Esses imigrantes em sua quase totalidade procederam do Norte da Itália,6 como mostram os registros de imigração e os nomes de famílias, além da toponímia no novo meio: Nova Veneza, Nova Trento, Nova Pádua, Nova Milano, Nova Beluno, Nova Treviso etc.7 Nos

anos de 1876, 1877 e 1878, período em que a Itália passava por uma séria crise, circulares, jornais e conferencistas desenhavam na Europa, particularmente na Itália, as cores de ouro da América, apontando-a como a “terra prometida”; o Brasil surge como o país da cuccagna, conforme se depreende do poema extraído do jornal italiano La Voce Cattolica, de 23/01/1877, citado por Santos (1999, p. 33), que reproduzimos a seguir.

PAESI DI CUCCAGNA

Al Brasile, al Brasile, o buone genti, Al Brasile, al Brasile presti correte; Orsù che fato? In queste steppe nigenti D’inedia e povertà tutti morrete! Celà di latte e miel scorren torrenti, Fruttar salami i larici vedrete, E sei stagioni all’anno in quei tepenti Climi! A bigonci el vin raccoglierete. E questo è ancor un nulla: ogni campagna (Son galantuomo, amici, e dico il vero) Di gemme è piena e d’oro ogni montagna Chi assevera il contrario, no sa um zero; È il paese il Brasil della cuccagna; Lo vidi io stesso... stando qui in Primiero.

PAÍS DA COCANHA

Ao Brasil, ao Brasil, ó boa gente, Ao Brasil, ao Brasil, rápido correi;

O que estais fazendo nestas gélidas estepes De inanição e pobreza todos morrereis! Lá de leite e mel correm torrentes, Produzir salames os pinheiros vereis E seis estações no ano naquele tépido Clima! Em cântaros o vinho recolhereis. E isto é nada ainda: cada campo

(Sou homem sério, amigo, e falo a verdade) É cheio de gemas e de ouro cada montanha. Quem fala o contrário, nada sabe

É o país o Brasil da cuccagna:

Eu mesmo o vi... estando aqui no Primeiro.

6 Enquanto os italianos do Piemonte partiram aos milhares para cultivar os pampas da Argentina, os Vênetos,

que até então não sabiam o que fosse emigrar, desciam das altas montanhas do Cadore e unidos aos da província de Beluno, Treviso, Údine, Pádua, Mântua e Verona, dispunham-se a partir para o Brasil (cf. Marzano, 1985 [1903], p. 54).

MAPA 1 – Áreas bilíngües de colonização de imigrantes não-lusos na Região Sul do Brasil (ALTENHOFEN, 2002a, p. 140)

Nessa época, entre as comunidades rurais italianas na Itália, a palavra de ordem era “andare in Mérica”.8 De acordo com as estatísticas da época, estima-se que, entre 1875 e 1914, estabeleceram-se no Norte do Rio Grande do Sul “entre 80 a 100 mil italianos” (DE BONI; COSTA, 1984, p. 68), vindos, sobretudo, da Lombardia, do Vêneto e de Trento. De acordo com De Rosa (1987)9, com base nas estatísticas de entrada de imigrantes nos portos do Rio de Janeiro e de Santos, no período de 1820 a 1908, entraram no Brasil: 1.277.040 italianos, 672.213 portugueses, 303.508 espanhóis, 96.006 alemães, 62.209 austríacos, 60.374 russos, além de contingentes menores de franceses, ingleses, suíços, belgas, suecos e outros, totalizando 2.656.177 imigrantes.10

As terras ocupadas pelos primeiros imigrantes, em geral com famílias grandes, logo revelaram-se escassas, ou mesmo pouco produtivas, para abrigar e dar sustento a todos os descendentes. Com isso, muitos se deslocaram em busca de novas terras, estendendo-se a ocupação, no Rio Grande do Sul, até o rio Uruguai e Região Nordeste, e, em seguida, o Centro-Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná.11 Esse fenômeno de deslocamento de pessoas de um meio rural para outro meio rural, motivadas por excesso de população ou esgotamento das terras, foi denominado de “enxameamento” por Jean Roche (1969, p. 319).

As áreas ocupadas por imigrantes não-lusos nos três estados do Sul do Brasil podem ser visualizadas no Mapa 1 (ALERS, 2002, v. 1, p. 86), citado por Altenhofen (2002a, p. 140).