• Nenhum resultado encontrado

1.3 Variáveis Geográficas e Sociais

1.3.1 Dimensão diatópica

As áreas de contato do português com o italiano, no Sul do Brasil, são representadas por dezenas de municípios (cf. Mapa 1). Em alguns, a população é formada quase que exclusivamente por descendentes de imigrantes italianos; noutros, apesar de prevalecer o elemento ítalo-brasileiro, constata-se a presença de outras etnias européias, como a alemã, a polonesa, a austríaca etc., além da luso-brasileira e africana; por fim, há municípios em que os italianos são minoria comparativamente a outras etnias. Além disso, deve-se considerar que alguns municípios colonizados por italianos tiveram origem na fundação de antigas colônias, onde foram assentados imigrantes vindos da Itália; outros, fundados posteriormente, resultaram do deslocamento interno de populações, incluindo-se os italianos e seus descendentes.

Considerando, então, as limitações que se impõem a uma pesquisa individual, decidimos limitar a coleta de dados a uma rede de oito pontos (localidades) que julgamos representativas das áreas nas quais se registra a presença de italianos. Na definição dessa rede de pontos, adotamos os seguintes critérios: a) todos os municípios da amostra são formados predominantemente por descendentes de italianos; b) metade deles é formada por colônias originais, com imigrantes europeus, a outra metade é formada por municípios colonizados mediante processo de imigração interna; c) os pontos situam-se relativamente afastados uns dos outros, representando uma determinada região, tanto do ponto de vista geográfico, quanto econômico; d) todos os oito pontos fazem parte da lista de pontos pesquisados pelo ALERS.

A rede de pontos assim constituída deve permitir comparações diversas sobre a difusão do português em contato com o italiano, tendo em vista as peculiaridades de cada

ponto (idade do ponto, constituição da população, forma de ocupação, grau de industrialização e de desenvolvimento, densidade demográfica, redes de comunicação, entre outros aspectos), inclusive observações a respeito da mobilidade dos informantes, considerando o deslocamento interno, na direção do que H. Thun (1998a, p. 375) chama de diatopia-topostática (informantes demograficamente estáveis) e diatopia-cinética (informantes demograficamente móveis).

No plano espacial, o ideal seria incluir, ainda, pontos representativos de colonização italiana no Estado do Paraná, já que o estudo trata do contato do português com o italiano no Sul do Brasil. Todavia, como dissemos antes, as limitações que se impõem à presente pesquisa fizeram com que excluíssemos essa possibilidade. Do mesmo modo, há de se perguntar por que a rede de pontos ficou restrita a oito, quando o ideal seria uma malha mais abrangente? As razões para tal recorte são as mesmas. Apesar disso, consideramos que a amostra é representativa do contato do português com o italiano na dimensão espacial, permitindo uma visão macroanalítica da questão.

1.3.2 Dimensão diazonal

Através da dimensão diazonal, que caracteriza os informantes quanto ao espaço rural ou urbano de suas residências, pretendemos ampliar a capacidade de estabelecer correlações pontuais, incorporando à perspectiva vertical de análise lingüística do ponto do inquérito a perspectiva espacial-horizontal.

Em cada um dos oito pontos de coleta de dados, foram realizadas quatro entrevistas: duas na zona rural e duas na zona urbana. Com isso, além de levar em conta a variação diastrática (escolaridade), diageracional (idade), dialingual (etnia) e diagenérica (sexo), incorporamos ao trabalho a possibilidade de analisar a variação diazonal, distinta da variação diatópica mais ampla, que considera os diferentes pontos de levantamento de dados. Neste sentido, a variação diazonal visa a considerar o espaço numa perspectiva mais estreita e refinada, pois permite confrontar a fala de habitantes de um mesmo município, mas que residem em áreas distintas. Os habitantes rurais vivem mais isolados do que os urbanos e, tradicionalmente, estão menos sujeitos à influência externa. Em razão disso, são considerados lingüisticamente mais conservadores e, como tal, autênticos representantes da fala local, razão pela qual eram os informantes preferidos pela geolingüística tradicional. Por outro lado, de

acordo com os estudos sociolingüísticos, a fala urbana tem mais prestígio do que a fala rural, o que pressupõe o exercício da liderança na condução da mudança lingüística.

1.3.3 Dimensão diageracional

Outro aspecto importante para o estudo da difusão do português no espaço pluridimensional delimitado para esta pesquisa é a idade dos informantes. Neste sentido, optamos por confrontar a fala de indivíduos de uma geração mais velha (45 a 60 anos), mas ainda ativas econômica e socialmente, com a fala de indivíduos de uma geração mais jovem (15 a 30 anos), que recém inseriu-se no mercado do trabalho ou está em vias de se inserir. Entre a geração mais velha e a geração mais jovem, há um interregno de, pelo menos, quinze anos, de modo que, mutatis mutandi, podemos dizer que a amostra inclui a fala dos pais e a fala dos filhos.

Na linha sucessória dos imigrantes italianos no Sul do Brasil, considerando o tempo de vinte e cinco anos entre uma geração e outra, os informantes da pesquisa representam, aproximadamente, a quarta e a sexta gerações, respectivamente. Com essa polarização na perspectiva diacrônica, buscamos verificar alterações no comportamento lingüístico dos descendentes de italianos como subsídio para a análise da difusão do português no espaço pluridimensional da pesquisa. Na definição dos parâmetros desta variável, levamos em conta os resultados dos estudos que apontam os indivíduos mais jovens como inovadores18 e também as indicações de que as línguas de imigrantes tendem a desaparecer.19 Conseqüentemente, a expectativa é de que os informantes mais jovens favoreçam mais a difusão do português do que os mais velhos.

1.3.4 Dimensão diastrática

A dimensão diastrática inclui todos os parâmetros que definem a classe social, entre os quais o nível socioeconômico, escolaridade, profissão etc. No entanto, para fins desta

18 Cf. Naro (2003, p. 81) e Guy (2001, p. 11). 19 Cf. Heredia (1989, p. 218).

pesquisa, decidimos controlar apenas o grau de escolaridade em dois pólos: escolaridade até a oitava série do ensino fundamental (inclusive nenhuma escolaridade) e escolaridade superior à oitava série. Na definição desses parâmetros, levamos em consideração os estudos que apontam as classes com maior grau de escolarização como usuárias de variantes de prestígio (não-estigmatizadas), prescritas pela escola ou adquiridas através de materiais escritos e da interação com pessoas letradas (VOTRE, 1992). Espera-se, pois, que os falantes menos escolarizados produzam mais traços de influência italiana do que os falantes mais escolarizados. Ou dito de outra forma: os falantes mais escolarizados favorecem mais a difusão de traços do português do que os falantes menos escolarizados.

Neste caso, também por limitações inerentes a esta pesquisa, apenas um dos quatro grupos entrevistados em cada ponto (município) – o grupo formado por indivíduos jovens urbanos – tem escolaridade superior à oitava série do ensino fundamental. Neste caso, o contraste binário será feito com mais propriedade quando houver comparação com o grupo formado por jovens rurais, que, no caso, têm escolaridade até a oitava série.

1.3.5 Dimensão diagenérica

A inclusão na amostra de informantes de ambos os sexos (dimensão diagenérica) tem como objetivo fazer correlações entre o desempenho lingüístico e o sexo. Estudos sociovariacionistas apontam a mulher na liderança das inovações, principalmente quando se trata de implementação de formas de prestígio.20 Assim sendo, espera-se que as mulheres estejam menos sujeitas à influência dos traços italianos do que os homens. Isso pode, todavia, não ocorrer se uma ou mais estruturas conservadoras, portanto mais italianas, forem símbolo(s) ou traço(s) de identificação do grupo italiano em oposição a outro grupo considerado dominante.21

20 A variante é de prestígio se for associada a um falante ou grupo social de status considerado superior e, como

tal, passa a ser usada por pessoas de classe inferior (cf. Labov, 1990; Paiva, 1992).

1.3.6 Dimensão dialingual

Outro aspecto relevante em nossa pesquisa é a dimensão dialingual. Nesse caso, por se tratar de um estudo de línguas em contato, decidimos comparar a fala de descendentes de italianos, independentemente do grau de bilingüismo que apresentam, com a fala de descendentes de luso-brasileiros (descendentes de portugueses, mestiços ou afro-brasileiros, que os italianos chamam de “negri” em algumas regiões e de “brasiliani” em outras).22 Para todos os efeitos, consideramos descendente de italianos o informante que, na sucessão genealógica, tenha entre seus ancestrais, um imigrante italiano. Nesse caso, nossa expectativa é de que os informantes descendentes de italianos apresentem, em seu desempenho lingüístico, mais traços da língua italiana do que os informantes não-descendentes. Por outro lado, isso não significa que os informantes não-descendentes nas comunidades ítalo- brasileiras pesquisadas não tenham marcas de interinfluência lingüística, resultantes do contato do português com o italiano.

1.3.7 Dimensão diafásica

Com o fim de analisar com mais profundidade a difusão do português em contato com o italiano, optamos por fazer a coleta de dados através de três instrumentos, a saber: Conversa Semidirigida, Questionário e Leitura. Esta decisão está amparada no pressuposto os estilos apresentam resultados diferenciados quanto à variação lingüística, uma vez que o monitoramento da fala tende a crescer nos estilos mais formais. Para todos os efeitos, consideraremos que conversa é um estilo de fala mais descuidado do que resposta ao questionário, e este estilo de fala, por sua vez, é mais descuidado do que leitura, tendo em vista a influência do ensino escolar, pautado pela variedade lingüística de prestígio, designado genericamente de português-padrão.

A opção pela conversa semidirigida, em vez da conversa livre, além de permitir a realização dos traços fonético-fonológicos controlados pela pesquisa, visa a obter comentários

22 Trata-se de falantes monolíngües de qualquer origem, excluindo-se os imigrantes europeus que vieram para o

sobre a língua, a cultura e as etnias em contato, que servirão de base para a análise de atitudes étnico-lingüísticas (dimensão diarreferencial, explicitada adiante).

O questionário visa a obter a pronúncia de uma lista de sessenta palavras que contêm um ou mais dos traços fonético-fonológicos enfocados no presente estudo. A expectativa é que o informante, ao centrar a atenção no item lexical solicitado, realize a pronúncia da forma mais espontânea possível.

O texto escolhido para leitura é A parábola do filho pródigo, que também foi usado em outras pesquisas dialetológicas, como é o caso do Atlas Diastrático e Diatópico do Uruguai (ADDU). Trata-se de um texto bíblico que, supõe-se, seja amplamente conhecido pelos informantes e, por isso, facilite a leitura.

1.3.8 Dimensão diarreferencial

Por fim, através da dimensão diarreferencial, pretendemos desenvolver observações e análises qualitativas dos comentários e referências metalingüísticas (expressões que descrevem a língua) e referências epilingüísticas (comentários sofre fatos associados à língua, mas estruturalmente não-conexos com ela) dos informantes, visando a fazer asserções fundamentadas a respeito da identidade étnica e das atitudes lingüísticas nas áreas de colonização italiana. Partimos do pressuposto de que a variedade de português de contato com o italiano, conhecida como sotacon, é a marca de identidade lingüística e cultural dos descendentes de italianos (SANTOS, 2001). Isso se opõe, de certo modo, à afirmação de que os descendentes de italianos revelam atitudes negativas em relação à origem (MIORANZA, 1990) e à fala do português com interferências dos dialetos italianos (FROSI, 1996), sentindo vergonha de assumir sua italianidade.

Neste caso, o que pretendemos é verificar em que medida a variedade do português considerada padrão e de prestígio, disseminada pela escola e por outros meios, principalmente o rádio e a televisão, determina a atitude dos falantes ítalo-brasileiros face à sua própria variedade. Partimos do princípio de que, atualmente, ao contrário do que acontecia até a época da comemoração do primeiro centenário de imigração italiana, os ítalo- brasileiros já não desenvolvem os mesmos sentimentos de culpa e inferioridade lingüística que apresentavam antes, quando desvalorizavam sua língua étnica e se sentiam

envergonhados de não saber falar de outro modo, mesmo que ainda persistam os indícios de que os não-italianos avaliam pejorativamente a variedade dialetal portuguesa marcada por traços italianos.

Neste estudo, essa dimensão será explorada qualitativamente, uma vez que os comentários metalingüísticos e epilingüísticos dos participantes serão usados como subsídios para a análise dos dados cartografados.