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Considerando os objetivos e perguntas da pesquisa, as variáveis lingüísticas a serem controladas, bem como a rede de pontos e a abrangência dos dados, segundo as dimensões e parâmetros, colocam-se as seguintes hipóteses em relação aos objetivos fixados acima:

a) A difusão dos traços associados ao português varia em modo e intensidade: a1) de uma variável lingüística para outra.

Esta hipótese considera que as razões da interferência do italiano no português não são as mesmas para todos os fenômenos fonético-fonológicos estudados. Observe-se, por exemplo, que /S/ e /Z/ não existem na coiné vêneta e, por isso, o falante bilíngüe de italiano- português tem dificuldade de realizar esses segmentos fônicos na fala portuguesa. Por outro lado, a eventual ausência de alçamento das vogais átonas finais [e] na fala portuguesa de ítalo- brasileiros não está relacionada com a inexistência de [i] na língua italiana, ou mais

especificamente, para o caso, na coiné vêneta com a qual o português está em contato. Para o caso, há restrições de ordem sintática (ver 1.2.2). Em vista disso, supõe-se que há variáveis cujo estágio de difusão esteja mais avançado em relação a outras com difusão menos intensa.

Ao se falar em intensidade da difusão, estamos considerando a variação quantitativa de traços associados ao português [+ptg] e de traços associados ao italiano [+ita], ao passo que o modo de variação da difusão leva em conta as diferentes dimensões (grupo de fatores) controladas pela pesquisa.

a2) de um ponto para outro.

Esta hipótese fundamenta-se sobretudo no fato de que os lugares que compõem o espaço de contato do português com o italiano no Sul do Brasil são distintos uns dos outros, tanto na formação histórica, quanto na organização social e econômica. Essas diferenças tendem a se acentuar entre os pontos (municípios) da pesquisa, uma vez que, na escolha, levamos em consideração o tempo de ocupação pelos italianos (pontos mais antigos e pontos mais novos), a constituição étnica da população (mais de 50% são ítalo-brasileiros), a sua distribuição no espaço (pontos relativamente bem afastados uns dos outros), a representatividade regional (baseada em critérios econômicos, históricos e populacionais), seu nível de industrialização, grau de urbanização e desenvolvimento, entre outros aspectos que detalharemos no capítulo 3.

b) A difusão de traços do português nos pontos (áreas) da pesquisa é favorecida pelos(as):

b1 – jovens; b2 – mulheres;

b3 – falantes urbanos;

b4 – falantes mais escolarizados;

b5 – falantes monolíngües de português (lusos).

Tais hipóteses levam em conta diversas tendências já apontadas por outros estudos de variação lingüística.23 Assim, ao incluir na amostra informantes de idades distintas (15 a 30

anos – GI e 45 a 60 anos – GII), serão consideradas a mudança em tempo aparente, a qual se baseia na hipótese clássica de que um falante mais velho tende a reproduzir o estado de língua adquirido no início de sua vida, até a puberdade, e a hipótese da mudança em tempo real, a qual prevê que o sistema lingüístico do indivíduo muda ao longo dos anos, mas não o da comunidade. 24 Também levaremos em conta as tradicionais indicações de que línguas de imigrantes tendem a desaparecer, especialmente quando são faladas por grupos minoritários de fato, ou considerados minoritários pelas classes dominantes.

Por outro lado, a hipótese de que a difusão do português é favorecida pelas mulheres fundamenta-se na idéia bastante difundida de que elas são mais susceptíveis à inovação lingüística do que os homens, especialmente com relação às formas de prestígio. Há razões para acreditar que, em comunidades mais desenvolvidas, devido ao acesso das mulheres a posições mais relevantes na organização social, elas liderem a difusão de traços associados ao português, visto que, nessas comunidades, falar com sotaque é usar uma linguagem com “erros”, típica de “colono grosso”.

Da mesma forma, na rede de comunicação existente em cada ponto da pesquisa, supõe-se que os falantes urbanos tendem a rechaçar as marcas da língua que são associadas ao modo de falar dos italianos, visto que esse modo de falar é estigmatizado. É, inclusive, motivo de piada, tanto da parte dos próprios descendentes de italianos quanto da parte de falantes não-italianos. Mesmo as mudanças de atitudes que resultaram dos movimentos de resgate da história e valorização da cultura italiana, ocorridos principalmente a partir das festividades comemorativas do primeiro centenário de imigração, não foram e não são suficientes para reverter essa tendência favorável à difusão do português. Pelo exposto, espera-se que os falantes urbanos sejam mais inovadores, e os falantes rurais tendam a apresentar uma fala e uma postura mais conservadoras.25

Considerando de antemão que as variantes associadas ao português têm mais prestígio do que as associadas ao italiano, espera-se, por outro lado, que as classes sociais mais escolarizadas tendem a fazer uso mais intenso daquelas variantes em detrimento destas. As variantes de prestígio, como se sabe, são prescritas pela escola, ou adquiridas através de materiais escritos e da interação com outras pessoas letradas. De certo modo, as pessoas mais

24 Cf. Naro (2003, p. 48). Trataremos de mudança em tempo real e mudança em tempo aparente com mais

detalhes na seção sobre difusão lingüística, adiante.

escolarizadas são também as mais habilitadas a distinguir as variantes lingüísticas e, assim, usar aquelas que carreiam maior status social, de acordo com as conveniências de mercado.

As razões que levam um falante ítalo-brasileiro a usar, em sua fala de português, traços identificados como marcas do contato com o italiano são, também, de caráter psicolingüístico. Trata-se de questões relacionadas à aquisição da língua: processos de percepção e de articulação. Um falante, ao adquirir o português, num ambiente de contato com o italiano, adquire-o com as marcas desse contato e, assim, reproduz essas marcas ao longo da vida. Mesmo nos casos em que o falante consegue perceber as diferenças entre uma variedade e outra, terá dificuldades de abandonar aqueles traços adquiridos em sua infância. Supõe-se que isso seja válido tanto para os falantes ítalo-brasileiros quanto para os luso- brasileiros. No entanto, como o contato com o italiano é maior entre os ítalo-brasileiros, muitos dos quais são ainda bilíngües, espera-se que a difusão de traços do português seja mais intensa entre os luso-brasileiros.

Outras considerações teóricas e metodológicas a respeito das dimensões diageracional, diagenérica, diazonal, diastrática e dialingual serão feitas adiante, no capítulo 3.

c) Os estilos mais formais favorecem mais a difusão do português do que os estilos informais, o estilo de leitura favorece mais do que o de resposta ao questionário, e a resposta ao questionário favorece mais do que a conversa semidirigida.

Ao associar a difusão do português ao estilo, consideramos que a conversa semidirigida, as respostas a questionário e a leitura representam um continuum que vai de uma forma mais casual (descuidada) de interação a uma forma mais tensa (cuidada), ou de um estilo mais informal a um estilo mais formal. Quanto mais formal for o estilo, maior o grau de atenção e monitoramento da fala e, por conseqüência, maior a difusão de traços do português, língua prescrita pela escola e com valor no mercado.

d) Atitudes negativas em relação às variantes [+ita] favorecem a difusão do português, ou seja, quanto mais estigmatizados forem os traços do português de contato tanto mais sujeitos estão à difusão de traços do português-padrão.

Esta hipótese se baseia na concepção de que atitudes negativas a respeito dos italianos, sua língua e cultura, favorecem a difusão do português. Neste caso, trata-se de associar a variação lingüística que resulta das diferentes posturas com respeito à língua ao comportamento lingüístico. Em sentido inverso, se for constatado que o chamado sotacon representa uma marca de identidade positiva dos ítalo-brasileiros, pode-se pressupor que isso represente um fator inibidor da difusão do português.

e) Os dados levantados nos oito pontos da pesquisa confirmam os resultados apontados pelo ALERS, relativamente às áreas de colonização italiana.

Os dados já cartografados pelo ALERS fornecem indicadores consistentes a respeito da existência das áreas de bilingüismo na Região Sul do Brasil, embora diferenciadas quanto ao grau, haja vista as circunstâncias específicas de cada ponto de pesquisa. Em vista disso, temos a expectativa de que também os dados de nossa pesquisa venham a confirmar, de modo mais consistente e preciso, aquilo que o ALERS aponta. A diferença está no número de dimensões controladas: enquanto no ALERS há somente um informante por ponto (masculino, rural, de baixa escolaridade e de idade superior a trinta anos), em nossa pesquisa há quatro entrevistas (cada uma com, pelo menos, três participantes) por ponto e controle de diversas dimensões (rural e urbano, jovens e adultos, mais escolarizados e menos escolarizados, italianos e não-italianos, entre outras).

f) Os mapas geolingüísticos pluridimensionais permitem visualizar o grau de difusão do português nas áreas da pesquisa, fornecendo argumentos mais consistentes para as conclusões.

Partindo do pressuposto de que as condições sociais de difusão do português nos contextos bilíngües em estudo, envolvendo o contato com o italiano, variam de localidade para localidade, é de se esperar que a análise dessa difusão no espaço pluridimensional permita uma descrição mais ampla da complexidade das relações em jogo e de sua variação tanto no plano geográfico, entre os diferentes pontos e áreas da pesquisa, quanto no plano social, entre os diferentes segmentos e situações sociais dos pontos e áreas pesquisados. Tal intento vem sendo feito com êxito por H. Thun e outros, em diversos estudos do Atlas

Lingüístico Diatópico y Diastrático del Uruguay (ADDU) e do Atlas Lingüístico Guaraní – Románico (ALGR-S). Neste sentido, o presente estudo configura-se como uma contribuição à execução e comprovação da validade dos estudos pluridimensionais em andamento. Mostra, além disso, um caminho para a ampliação dos resultados de estudos mais modestos de atlas monodimensionais, como o ALERS.

O CONTATO ITALIANO-PORTUGUÊS NO SUL DO BRASIL