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4 CAPÍTULO 3 A EXPRESSÃO REFLEXIVA DA COMUNIDADE

5.4 Forma singular: sociedade ética

5.4.1 Dignidade da vida humana

A categoria da Dignidade humana situando-se no momento da singularidade do movimento lógico-dialético da vida ética intersubjetiva, objetiva expressar a singularidade da vida humana no universo e a sua capacidade de conviver comunitariamente, por meio do progresso da liberdade e pelo aprofundamento da consciência moral, na forma de consciência moral social. A consciência moral social como identidade na diferença, como já foi afirmado, expressa a igualdade compartilhada na sociedade, como uma igualdade entre iguais, apresenta-se, por conseguinte, a reflexão vaziana sobre a categoria da Dignidade humana

enfatizando, primeiramente, a singularidade da vida humana no universo e, em seguida, a Dignidade humana como valor ético e político.

Lima Vaz considera a vida em geral e, particularmente, a vida humana como um bem ou um valor objetivo e subjetivo. Diferentemente dos outros seres viventes, a vida humana caracteriza-se pela busca de um sentido ou pela busca de razões que justifiquem a sua existência. Essa especificidade da vida humana manifesta a experiência que o sujeito faz de ouvir a voz da sua consciência e de reconhecer a necessidade do cumprimento da lei que normatizam o seu comportamento na sociedade como uma obrigação interior:

A vida torna-se um valor ético (objetivamente), que vem a ser reconhecido como tal pela comunidade dos homens, e um valor moral (subjetivamente), devendo, pois, ser respeitado pelos membros da comunidade497.

Lima Vaz rememora os parâmetros em que o tema da dignidade da vida humana foi refletido ao longo da história ocidental. Ele afirma que esse tema já estava presente nas cosmogonias míticas e nos arquétipos coletivos mais antigos da cultura, e foi interpretado sob vários ângulos significativos. Do ponto de vista espacial, a filosofia clássica considerava o homem o centro do mundo, já a filosofia moderna relativiza o espaço e reflete sobre o homem em si mesmo e a filosofia contemporânea considera o espaço como um domínio ilimitado de exploração.

Do ponto de vista da natureza, o mundo antigo defendia a “lei da mútua reflexão” em que o homem se via como um microcosmo; na modernidade, o homem se naturaliza e abdica de seus predicados espirituais, e na contemporaneidade, a ciência recupera a centralidade do homem no universo pelo “princípio antrópico que, nas suas formulações distintas, postula uma relação intrínseca entre a estrutura do universo, a possibilidade da aparição do homem e a inteligibilidade do mesmo universo correlativa à inteligência do homem”498.

Do ponto de vista antropológico, a vida humana foi sempre considerada “uma forma superior de vida”. Na antropologia clássica seguia-se o esquema “cosmobiológico” que estendia a vida a todo o universo e buscava a correspondência entre os ritmos da vida universal e os ritmos da vida humana. Nos tempos modernos com o advento da ciência mecanicista, a vida passa a ser tratada como um fenômeno de natureza físicoquímica. Na contemporaneidade, “a vida é

497

H.C.de LIMA VAZ, O ser humano no universo e a dignidade da vida, p. 27.

498

definitivamente explicada a partir das leis gerais de estrutura e interação da matéria organizada”499.

Como ser histórico, o homem é o único ser capaz de definir o seu lugar na natureza e de transformar a natureza em cultura. A sua vida é indiscutivelmente um bem, porém, para que ela seja considerada um valor, isto é, para que a vida receba o qualificativo de dignidade ela necessita do reconhecimento de uma determinada tradição cultural:

A dignidade da vida e, particularmente, da vida humana, embora fundamentada no bem em si que é a vida, é uma conquista histórica de algumas civilizações como a nossa, e não se impõe com a mesma evidência com que se impõe a nós, a outras tradições culturais, nem mesmo à nossa tradição no passado500.

A dignidade da vida precisa ser vivida a fim de que o seu valor seja reconhecido. Ora, apesar de o Filósofo considerar a vida humana como um padrão valorativo da vida natural e sobrenatural, ele chama a atenção para as características naturais da vida em geral, por exemplo, a seleção natural, a autofagia e a degeneração da espécie que dificilmente poderiam justificar o seu valor. O valor da dignidade da vida humana necessita, em consequência, uma justificação racional. Ele enumera algumas características expressivas dessa justificação.

Ele afirma, em primeiro lugar, a dignidade da vida do ponto de vista biológico, como “um bem extremamente raro no universo e, portanto, precioso”501. Lima Vaz concorda com a pesquisa de Teilhard de Chardin, na obra O Fenômeno Humano, que reconstitui a história da vida até a vida inteligente humana: “Pensada macro- evolutivamente, a vida desemboca na vida inteligente e nesta a evolução, tornada consciente, pode ser tomada como testemunha da dignidade da vida ou do seu valor”502.

Lima Vaz enfatiza, do ponto de vista histórico, o “ser histórico” humano, ou seja, a capacidade que homem tem de ser construtor do “mundo vivido”, dos símbolos, da linguagem, da ética, da política enfim, de todas as expressões significativas que formam o sentido da vida e que orientam o seu viver. Todas essas criações históricas são fundamentais expressões da sua dignidade.

499

H.C.de LIMA VAZ, O ser humano no universo e a dignidade da vida, p. 32.

500 Ibid., p. 34. 501 Ibid., p. 35. 502 Ibid.

Lima Vaz enfatiza, do ponto de vista sociológico, a origem do conceito de dignidade associado à ideia dos Direitos Humanos. A universalização dos direitos do homem na modernidade defendia a dignidade como inerente à natureza humana e suscitava a participação dos indivíduos na vida política. A vida digna estava irrevocavelmente ligada à vida política. Lima Vaz aponta para a gradação no conceito de dignidade no campo político:

Há uma gradação no nível da dignidade do homem na esfera político-social, começando pelo nível social propriamente dito, em que a dignidade exige a satisfação razoável das necessidades da vida (conceito de nível ‘digno’ de vida), passando pelo nível político em sentido estrito, em que a dignidade exige a igualdade perante a lei e a reciprocidade entre deveres e direitos (conceito de dignidade cívica), culminando no nível democrático (forma mais elevada da sociedade política), no qual a dignidade exige a participação do cidadão na vida política como compromisso ético (conceito de virtude cívica)503.

O Filósofo enfatiza, do ponto de vista ético-jurídico, o fundamento, ou seja, o núcleo conceptual mais profundo do conceito de dignidade que é a ação moral. O ato moral expressa o valor absoluto humano pela sua capacidade em conhecer o bem e o mal, e pela sua liberdade de escolher entre um e outro. A sua consciência moral é a norma interior pela qual o homem julga a sua escolha e o seu agir e pode assumir-se como um ser de direitos e deveres. Lima Vaz enfatiza a intrínseca relação entre Moral e Direito conquistada ao longo da história ocidental a partir da reflexão socrática da natureza racional e livre do homem e continuada pela reflexão antropológica cristã. Hoje essa relação é uma conquista definitiva da civilização ocidental:

É como ser moral que o homem pode instituir essa forma superior de vida, associada que é a comunidade humana (sobretudo quando se eleva ao nível político) como consenso em torno de fins, aceitação de valores comuns, igualdade perante as leis que, em princípio, são tidas como leis justas, responsabilidade comunitária ou social504.

Logo, para Lima Vaz, a dignidade jurídica decorre da dignidade moral. A vida é digna, ou um valor precioso “desde que ela seja vivida de acordo com aquelas razões que a tornam digna de ser vivida. Não basta viver, é preciso ter razões para viver compatíveis com a ideia que fazemos da dignidade da vida”505.

Essas características que fundamentam a dignidade da vida estão estreitamente ligadas entre si e, portanto, Lima Vaz critica a postura dos teóricos

503

H.C.de LIMA VAZ, O ser humano no universo e a dignidade da vida, p. 36.

504

Ibid., p. 37.

505

contemporâneos que enfatizam apenas o aspecto biológico da vida humana expressivo do princípio de prazer, por meio da dialética da satisfação das necessidades e da produção dos bens que as satisfaçam. O frenesi sem limites do uso das coisas obscurece a visão dos fins e dos valores que tornam digna a vida humana e dificulta o reconhecimento da Dignidade humana como a experiência da igualdade entre iguais. Daí a necessidade urgente da reflexão ética sobre o conceito de Dignidade humana.