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2.1.   Envolvimento: motivos para a sua crescente presença na investigação 9

2.2.3. Evolução do construto: da unidimensionalidade à multidimensionalidade 24

2.2.3.1. Dimensões do envolvimento 30

2.2.3.1.4.   Dimensão agenciativa 38

Registando-se consenso quanto à tridimensionalidade do EAE (dimensão cognitiva, afetiva e comportamental) (Fredricks et al., 2004; Jimerson et al., 2003; Lam et al., 2012;

Veiga et al., 2012b), verificam-se contributos recentes que vão no sentido de acrescentar o envolvimento agenciativo como quarta componente do construto, resultando este passo da constatação da incompletude da conceptualização tripartida do EAE (Reeve, 2012; Reeve, 2013; Reeve & Tseng, 2011; Veiga, 2013). Mais recentemente, Veiga (2013) apresenta uma nova escala do EAE denominada “Envolvimento dos alunos na escola: uma escala quadri-dimensional (EAE-4D)”. Segundo o investigador, a escala incorpora componentes afetivas, comportamentais, cognitivas e agenciativas, apresentando boas qualidades psicométricas (Veiga, 2013).

Em termos gerais, o envolvimento agenciativo (agentic engagement) refere-se às contribuições construtivas dos alunos no decorrer da instrução que recebem (Reeve & Tseng, 2011). Esta nova componente do envolvimento assume raízes nas teorias da motivação de Bandura (1997, cit. por Reeve, 2013) e de Ryan e Deci (2000, cit. por Reeve, 2013). Com vista à compreensão das características e funções implícitas da componente agenciativa do envolvimento, procede-se, num primeiro momento, à breve contextualização do conceito de agência pessoal de Albert Bandura (1989, 2001).

O enfoque cognitivista da aprendizagem (Bandura, 1989) pressupõe que o ser humano participa ativa e intencionalmente no processo da sua própria aprendizagem e desenvolvimento. A agência pessoal envolve aspetos como a intencionalidade da ação, perspetiva temporal de futuro e autorregulação, e é identificada o traço essencial e caracterizador da natureza humana que permite que o indivíduo assuma o comando da sua qualidade de vida. O sujeito, enquanto ser social que é, assume uma dupla posição: ele é produto dos sistemas sociais e simultaneamente seu produtor (Bandura, 2001).

A condição de agente implica a realização intencional de algo mediante a ação. As intenções e ações colocam-se como aspetos diferentes de uma relação funcional separada pelo tempo (Bandura, 2001). Dito de outro modo, a intenção reporta-se à representação futura da ação desejada, independentemente dos efeitos benéficos ou perniciosos dela resultantes, e implica um compromisso proativo do sujeito para a ocorrência da ação cognitiva representada. Importa acrescentar que a intencionalidade é sustentada por motivações de ordem pessoal (expectativas em relação aos resultados da ação projetada, propósitos, valores, significado pessoal), e que a probabilidade da ação ocorrer efetivamente no futuro depende, não só dos contextos em que é ativada, como também da gestão e orientação dos comportamentos mais imediatos e necessários à concretização da ação intencionada. A agência pessoal envolve pois mecanismos como a autorregulação, autoorientação da motivação e dos afetos, adaptação regular a novas informações e

conhecimentos, bem como aspetos relativos ao governo da ação. Estes mecanismos permitem o ajustamento e adopção de comportamentos consistentes com as expectativas do indivíduo (Bandura, 1986, 1991, cit. por Bandura, 2001) e sugerem o exercício de competências metacognitivas, através das quais o sujeito reflete sobre si próprio; avalia a adequabilidade entre as suas intenções e os resultados esperados das suas ações; avalia as suas capacidades de auto orientação e autoavaliação; e analisa os efeitos das ações e crenças dos outros sobre si próprio. Ao conceito de agência pessoal associa-se, ainda, a noção de envolvimento de outros agentes participativos que, sob intenções e objetivos comuns, se congregam numa atividade colaborativa (Bandura, 2001).

Daqui se depreende que a agência pessoal implica não apenas a atividade intencional e deliberada de escolha entre opções e planos de ação, como também a escolha dos meios apropriados para motivar e regular a sua prossecução. O sujeito assume assim, simultaneamente, o papel de arquiteto, motivador e regulador das suas ações (Bandura, 2001).

Do exposto, sublinha-se a superação da dicotomia entre liberdade e determinismo (Bandura, 2001). Neste enquadramento, a liberdade não se reduz à sua aceção negativa (ausência de coação externa), referindo-se antes à influência que o indivíduo exerce sobre si próprio. Por conseguinte, cabe também ao indivíduo, a par das condicionantes ambientais, a escolha dos meios de determinação da sua agência pessoal, que por sua vez possibilita a adaptação dos contextos aos seus interesses, valores e objetivos. A agência pessoal é reveladora da capacidade de transcendência do indivíduo, tanto em relação a si próprio como em relação ao ambiente em que se encontra inserido (Bandura, 2001).

Reeve (2012, 2013) considera que o envolvimento comportamental, o envolvimento cognitivo e envolvimento afetivo permitem avaliar e compreender o nível de reação dos alunos às atividades escolares providenciadas pelos professores, mas não o papel desempenhado pela agência pessoal do aluno. A dimensão agenciativa indicia, por sua vez, a contribuição unilateral do aluno para o processo de aprendizagem. Num recente artigo (Reeve & Tseng, 2011) afirma-se, a título de exemplo, que um professor pode apresentar como proposta de trabalho um problema matemático, e confrontados com a proposta, os alunos poderão reagir de diversos modos: prestar ou não atenção; sentir prazer ou ansiedade em relação à tarefa; recorrer a estratégias de aprendizagem mais superficiais ou mais sofisticadas. Dos comportamentos observados, depreender-se-á o maior ou menor envolvimento dos alunos. Porém, se se questionar sobre o papel do aluno neste modelo linear, conclui-se que o envolvimento ativo do aluno no processo da sua aprendizagem é

subestimado. Torna-se pois necessário equacionar na tarefa de conceptualização do EAE a natureza, funções e influência da dimensão agenciativa (Reeve, 2012; Reeve, 2013; Reeve & Tseng, 2011; Veiga, 2013), tendo em conta que o aluno é detentor de agência pessoal (Bandura, 2001) e, portanto, não só produto, mas também produtor das suas aprendizagens.

O envolvimento agenciativo envolve: expressão de preferências, opiniões e pensamentos; apresentação de sugestões; contribuições ativas; comunicação de interesses e necessidades; solicitação de recursos e de oportunidades de aprendizagem; recomendação de metas ou objetivos a alcançar; comunicação do nível de interesse; solicitação de apoio no processo de aprendizagem; levantamento de questões (Reeve, 2012; Reeve & Tseng, 2011). Em suma, o envolvimento agenciativo refere-se à forma como o aluno procura enriquecer a sua aprendizagem (por oposição à atitude passiva com pode experienciá-la), contribuindo desse modo para o fluir da instrução que recebe (Reeve, 2012; Reeve & Tseng, 2011). Na mesma linha reflexiva de Bandura (2001), os alunos constituem-se como indivíduos autónomos e ativos, capazes não só de reagir a estímulos externos de aprendizagem, como também de agir proativamente sobre os mesmos, contribuindo desse modo para o enriquecimento das suas aprendizagens.

À semelhança das restantes dimensões, o envolvimento agenciativo é reflexo do caminho construído pelo aluno com vista ao progresso académico. A diferença entre as dimensões cognitiva, afetiva e comportamental e a dimensão agenciativa reside no facto desta espelhar a contribuição proativa dos alunos.

O envolvimento implica uma dinâmica transacional (Sameroff, 2009, cit. por Reeve, 2013) e uma dinâmica dialética (Reeve, Deci, & Ryan, cit. por Reeve, 2013). A primeira refere-se aos resultados das interações entre professores (instrução) e alunos (envolvimento). Não é uma função do aluno, ou seja, não é indiciadora de envolvimento agenciativo. Por sua vez, a dinâmica dialética inclui nesses resultados a contribuição ativa do aluno através da apresentação de questões e tomada de iniciativa na comunicação, potenciando mudanças e transformações nos processos instrucionais. Estas mudanças iniciadas pelo aluno contribuem igualmente para alterações no seu envolvimento. O envolvimento agenciativo envolve, nessa medida, tanto a contribuição ativa do aluno no processo de aprendizagem como as transações dialéticas despoletadas por essa contribuição. Trata-se de uma dinâmica que, gerada pelo aluno, influencia e alimenta igualmente os seus processos motivacionais e, por acréscimo, o seu envolvimento (Reeve, 2013).

Contrariamente a um modelo linear, de acordo com o qual, os estímulos do contexto de aprendizagem despoletam estados de envolvimento, deles resultando níveis de aprendizagem proporcionais ao investimento feito, a introdução da dimensão agenciativa reflete a ideia fundamental de que os alunos não se limitam a reagir (com maior ou menor persistência, maior ou menor prazer, maior ou menor pensamento estratégico) às tarefas de aprendizagem. O que a dimensão agenciativa acrescenta à conceptualização e operacionalização do EAE, é a noção de que os alunos são agentes ativos que determinam a liberdade do seu agir e que, por isso, podem contribuir para o aumento da sua motivação (autonomia, autoeficácia) e para uma aprendizagem significativa (e.g. internalização, compreensão conceptual) (Reeve, 2013).

A somar à importância deste aspeto do envolvimento para a consubstanciação da multidimensionalidade do EAE, observa-se a existência de investigações que, embora não avaliem especificamente a dimensão em foco, confirmam a sua pertinência. Num estudo conduzido por Wylie e Hodgen (2012), concluiu-se que os alunos contribuem para a modelação das suas aprendizagens e das oportunidades de aprendizagem através do esforço que nelas empreendem e das respostas que obtêm dos outros (e.g. professores). Apesar deste estudo não operacionalizar a dimensão agenciativa do envolvimento, os resultados apresentados apontam para o papel ativo do aluno na construção de uma dinâmica dialética do envolvimento.

Reeve (2012) verificou também que apenas a dimensão agenciativa permitiu explicar algumas das variações na motivação, no desenvolvimento de competências e no desempenho académico (Reeve & Cheon, 2011; Reeve & Tseng; Reeve, Lee, Kim, & Ahn, 2011, cit. por Reeve, 2012; Reeve, 2013).

O reconhecimento de que os alunos podem de forma proativa, intencional e construtiva, contribuir para contexto de aprendizagem (pela apresentação de novos estímulos, personalização e enriquecimento das aulas, ou modificação e adaptação das mesmas no sentido de construção de oportunidades), possibilita a perceção de uma dinâmica diferente do EAE, reposicionando o olhar sobre o papel do aluno na construção do seu processo de envolvimento e de aprendizagem.

No presente estudo, o envolvimento agenciativo refere-se à conceptualização do aluno visto como agente da ação, materializando-se nos seguintes indicadores: iniciativas dos alunos; diálogos iniciados pelo aluno com o professor; questões levantadas e sugestões feitas ao professor; intervenções nas aulas (Reeve, 2012; Reeve, 2013; Reeve & Tseng, 2011; Veiga, 2013).