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Na continuidade da implementação e promoção dos direitos humanos, é adotada pela Assembleia geral da ONU, em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança, sendo ratificada por Portugal a 21 de Setembro de 1990. De acordo com os princípios consagrados nesta convenção, a criança (todo o ser menor de 18 anos, salvo legislação específica) deverá ser protegida contra a discriminação, maus tratos, negligência, privação da identidade e da liberdade; devendo-se garantir-lhe a sobrevivência, cuidados de saúde, educação, desenvolvimento físico e psicossocial, liberdade de pensamento, de consciência e de religião, liberdade de associação, e proteção da vida privada. Um dos marcos deste documento é o direito da criança à liberdade de expressão e de opinião na tomada de decisões e nos contextos que lhe dizem respeito.

Se no passado as preocupações sociais e políticas pelos direitos da criança passavam por garantir as suas necessidades básicas (Ruck, Abramovitch, & Keating, 1998), as mudanças ocorridas na história mais recente trouxeram para o centro dessas mesmas

preocupações o direito à autodeterminação, liberdade de expressão e de participação, “em relação à sua idade e ao seu grau de maturidade”, acrescenta o artigo 12.º da Convenção sobre os direitos da Criança. A participação dos jovens nas decisões que as afetam, bem como à comunidade em que vivem é um dos mais importantes princípios desta Convenção, implicando a existência de relações baseadas na semelhança e no respeito entre gerações (Pavlovic & Leban, 2009; Tomanovic, 2003). Estas relações associam-se a uma mudança na forma como crianças e jovens são perspetivados e tratados, adotando-se medidas políticas capazes de promover o seu desenvolvimento na esfera pública e privada (Cherney & Shing, 2008; Cutler, 2003; Timmerman, 2009, cit. por Ben-Arieh & Attar-Schwartz, 2013; Ruck & Horn, 2008). O compromisso com a promoção desses direitos, outrora reservados aos adultos, é visível no exercício de profissões cujas funções implicam o contacto direto com os jovens (médicos, psicólogos, psiquiatras, professores), bem como nas instituições cujos serviços se dirigem a esta população (serviços de ação social, hospitais, clínicas, tribunais, escolas) (Ruck & Horn, 2008). O equilíbrio entre os direitos de cuidado e de apoio e os referentes à autodeterminação não é porém fácil - reflexo da prolongada “crise da adolescência”, segundo a qual o adolescente já se perspetiva como um ser capaz e autónomo, esperando reconhecimento da sua identidade, mas é tendencialmente contrariado pelos adultos que continuam a vê-los como crianças (Pavlovic & Leban, 2009).

Os direitos dos jovens tem constituído objeto de investigação nas últimas três décadas, focalizando-se essencialmente em direitos que asseguram o cuidado e a proteção das crianças e dos adolescentes. O interesse sobre direitos relacionados com a sua autodeterminação é relativamente recente, registando-se a necessidade de ampliar a investigação neste domínio, principalmente no respeita ao conhecimento que os jovens têm sobre os seus direitos, à importância desses direitos na vida dos jovens, bem às implicações que a perceção desses direitos representam nos níveis de participação, decisão e bem-estar dos jovens (Ruck & Horn, 2008); concluindo-se que os direitos são essenciais ao seu desenvolvimento psicossocial (Ben-Arieh & Attar-Schwartz, 2013).

Segundo a literatura havida nesta matéria, sublinha-se a noção de que a consagração de direitos é condição necessária, mas não suficiente para o exercício dos mesmos (Ruck & Horn, 2008; Veiga, 1999, 2001, 2007). Neste sentido, a forma como os adolescentes percebem os seus direitos depende, não apenas do desenvolvimento e maturação das suas competências cognitivas, como também dos contextos que os ativam (Ruck, Peterson- Badali, & Day, 2002). Parece assim importante que se proceda à contextualização

sociocultural dos direitos, uma vez que a sua existência, tal como percebida pelos jovens, encontra-se condicionada pelos contextos em que se inserem (Ben-Arieth & Attar- Schwartz, 2013; Ruck & Horn, 2008). Alguns estudos afirmam, neste âmbito, que os pais com níveis mais elevados de habilitações literárias são mais propensos a promover o sentido da importância dos direitos junto dos seus filhos, ao passo que os adolescentes cujas famílias apresentam níveis socioculturais mais baixos, têm menor perceção de direitos, fenómeno por vezes justificado pela delimitação da sua participação a tarefas consideradas mais importantes no contexto da vivência familiar, como tomar conta dos irmãos (Flanagan & Tucker, 1999; Sherrod, 2008, cit. por Ben-Arieh & Attar-Schartz, 2013).

É também possível detetar na literatura a relação entre os direitos dos jovens e os estilos de autoridade (Day, Peterson-Badali, Shea, & Barb, 2002; Stattin, & Kerr, 2004; Veiga, 1999). Com efeito, definido o exercício do poder parental como um dos aspetos da autoridade parental, a existência de direitos na família encontra paralelos com a forma como é exercido esse poder. Considerando a tipologia dos estilos de autoridade, caberá identificar o democrático (compreensivo) como aquele que melhor operacionaliza os direitos dos jovens, em virtude de nele se congregarem atitudes e comportamentos promotores de autodeterminação, em simultâneo com o cuidado, desenvolvimento do sentido de justiça e exercício responsável da liberdade (Assor, 2012; Baumrind, 1966, 1971; Day, Peterson-Badali, Musitu & García, 2001, 2004; Shea, & Barb, 2002; Stattin, & Kerr, 2004; Veiga, 1999). Sublinha-se o facto de a operacionalização dos princípios de matriz democrática, como a inclusão da participação dos jovens na tomada de decisões a respeito da sua vida e do contexto familiar, dever ser contextualizada como resposta às atitudes e comportamentos dos jovens (Persson, Sattin, & Kerr, 2004; Steinberg et al., 2006). Compreender-se-á, neste âmbito, que a perceção de direitos possa sofrer alterações em função da dinâmica das relações estabelecidas em contexto familiar.

No presente estudo, os direitos percebidos na família pelos adolescentes são analisados de acordo com os seguintes indicadores: (1) influência que os adolescentes têm sobre as suas decisões (autodeterminação); (2) possibilidade de desenvolver as suas capacidades e talentos (instrução educacional); (3) atenção e orientação recebida dos adultos que os estimam (reconhecimento-estima); (4) oportunidade de estar com os amigos (relação socioemocional); (5) tratamento justo (proteção-segurança); e (6) privacidade (provisão básica) (Veiga, 1999).

Salienta-se a falta de estudos específicos sobre os direitos percebidos pelos jovens. Esta ausência é ainda mais notória na procura de estudos sobre a relação entre a perceção de direitos na família e o envolvimento dos alunos na escola. Apesar deste vazio na investigação, num estudo com adolescentes, realizado em Portugal, e integrado no âmbito de uma investigação patrocionada pela UNESCO (Veiga, 1999), observou-se a existência de relações significativas entre as perceções de existência e da importância dos direitos dos adolescentes e um conjunto de variáveis independentes, entre as quais se sublinham: o nível de instrução dos pais, o apoio dos pais, a autoridade parental, a coesão familiar, os comportamentos violentos na escola, e o desempenho escolar. Verificou-se no referido estudo (Veiga, 1999), a diferenciação da perceção de direitos em função: (1) do número de reprovações, surgindo os alunos mais fracos como os que menos percecionam a existência de direitos psicossociais; (2) do nível de instrução familiar, com menor existência de direitos nos adolescentes com pais de baixa escolarização; (3) do estilo de autoridade dos pais, observando-se que o grupo de adolescentes com pais autoritários têm menor perceção de direitos, quando comparados com o grupo de adolescentes com pais compreensivos; (4) da coesão familiar, verificando-se que os adolescentes com pais separados ou divorciados têm menor perceção de direitos relacionados com a proteção e autodeterminação, quando comparados com alunos com estruturas familiares coesas. Observou-se, também, que os direitos percecionados como menos existentes na família, referem-se a conteúdos ligados à autodeterminação e à proteção-segurança; como mais existentes, os relativos à provisão básica e instrução educacional. Quanto à importância percecionada, verificou-se que os adolescentes dão mais importância a conteúdos ligados à provisão básica, proteção- segurança e relação socioemocional; e menos importância, aos conteúdos que se ligam à autodeterminação e à proteção-segurança. Os resultados indicam, ainda, que os adolescentes mais velhos percecionam a existência de menos direitos em casa, ocorrência justificada pela maior importância atribuída aos direitos (Veiga, 1999). Um outro dado importante deste estudo, consiste na perceção de menos direitos na escola, mas sobretudo em casa, nos adolescentes com pior rendimento escolar. Cabe ainda destacar os resultados obtidos quanto à relação entre a perceção de direitos e o apoio familiar, revelando-se esta a variável mais importante, pela associação nela encontrada com todas as dimensões dos direitos psicossociais dos adolescentes.

As expectativas relativas à relação entre perceção de direitos e o EAE, podem antecipar-se pelos resultados obtidos num estudo de natureza quase-experimental, no qual se procurou avaliar os efeitos de um programa de intervenção com o modelo

comunicacional eclético (Veiga, 2007) junto de alunos do 7º e 9º anos de escolaridade de quatro turmas (Veiga, García, Neto & Almeida, 2009). Realizada a intervenção com o modelo comunicacional eclético, verificaram-se melhorias na perceção de direitos, com efeitos positivos em diversos aspetos, tais como: comportamentos de falta de atenção; clima na sala de aula; satisfação dos alunos com os professores; abertura, reflexão e orientação para as tarefas; sentimento de pertença à escola; e sentimento de alegria – aspectos identificados no presente estudo como indicadores de envolvimento.

C

APÍTULO

IV

M

ETODOLOGIA

Feita a fundamentação teórica, essencial para efeitos de enquadramento teórico e contextualização da problemática em estudo, procede-se neste capítulo à apresentação e fundamentação das opções metodológicas havidas, bem como à caracterização da amostra. São ainda descritos os instrumentos e procedimentos adotados para a recolha dos dados e apresentadas as variáveis de estudo utilizadas.