Estrutura organizativa do documento
1.1. Filamentos metropolitanos: uma síntese multidimensional
1.1.1. Dimensão morfológica e funcional
O termo filamento metropolitano surge associado a uma dimensão morfológica, que se prende com a sua configuração física, para a qual contribuem o conjunto complexo de elementos e de relações entre as partes que a formam.
De acordo com as escolas de pensamento da Morfologia urbana – Italiana, Francesa e Inglesa42 – a abordagem à leitura da forma urbana realiza‐se através de uma abstração da realidade existente, estruturada em três pilares: a forma, a resolução e o tempo (MOUDON, 1997; PINZON CORTES, 2009). A forma, entendida como o conjunto e a interação das partes que compõem a espaço urbano, lida através de uma aproximação elementarista (VIGANÒ, 1999) – o edificado e a sua relação com o espaço desocupado, as parcelas e as vias de circulação. A resolução referindo‐se ao deslizamento entre as escalas da paisagem construída a diferentes aproximações: ao nível do edifício/lote, ao nível da cidade e ao nível da região. Finalmente, a dimensão temporal, como essencial para a identificação das transformações e das permanências.
Através do estudo dos elementos‐base que constituem a realidade metropolitana, em diferentes períodos temporais, será possível reconstruir o seu processo de ocupação urbana. Identifica‐se tipologia de configuração urbana para os diferentes momentos, enquanto resultado da relação entre a matriz biofísica, a ação humana e o tempo, de forma a explicitar os processos e descobrir as suas lógicas e factores determinantes, assumindo‐se que a soma destas partes constitui as variadas camadas do sistema urbano.
O recurso a estas técnicas de interpretação / representação e a sua exportação para um contexto físico mais alargado – o território metropolitano – surgiu, então, da necessidade de leitura de fenómenos urbanos exteriores ao centro consolidado da cidade. Como tem vindo a ser defendido por variados autores (DEMATTEIS, 1995, DOMINGUES, 2009, PORTAS, [et al.], 2003, SECCHI, 2005[2009]), o estudo da metrópole e a compreensão territorial dos fenómenos que transformam o
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Moudon sistematizou as origens da Morfologia urbana em três grupos principais – a escola italiana (associada a autores como Muratori e Caniggia), a escola inglesa (associada a Conzen) e a escola francesa (associada a Castex e Panerai) – com raízes no campo da arquitetura e geografia. In MOUDON, A.‐ Urban morphology as an emerging interdisciplinary field.
Urban Morphology. ISSN 10274278. Vol. 1 (1997), P.3‐10. Pinzon Cortes junta a estas três escolas a abordagem Holandesa,
associada a autores como Rein Geurtsen. In PINZON CORTES, C. ‐ Mapping Urban Form: Morphology studies in the
contemporary urban landscape. Delft: Technische Universiteit Delft, 2009. ISBN 9789081408820. Tese de doutoramento.P.
FILAMENTOS METROPOLITANOS. A emergência de morfologias especializadas no território metropolitano de Lisboa | 45 espaço urbano contemporâneo agrega tecidos urbanos de base erudita, assim como um conjunto de situações territoriais diferenciadas distribuídas pela periferia43 do centro da cidade.
Desta forma, uma vez que a natureza dos filamentos metropolitanos se encontra profundamente relacionada com a sua localização no território metropolitano, apoiada nestes princípios base e ajustada à realidade periférica, a dimensão morfológica centra‐se na escala de leitura e interpretação das formações urbanísticas na sua materialidade e nas transformações sofridas ao longo do tempo. A identificação dos filamentos metropolitanos parte do diálogo e confronto entre a escala local, a escala metropolitana e a escala suprametropolitana44 (nacional e transnacional) e da leitura do fenómeno como processo, num contexto temporal e espacial alargado. No âmbito da sua leitura morfológica, a identificação dos limites físicos e temporais constitui‐se como uma ação dinâmica, ajustada diretamente à realidade territorial e às relações estabelecidas com o suporte biofísico, antrópico e de governança.
No que respeita à fundamentação histórico‐temporal, os filamentos metropolitanos surgem de uma leitura de enquadramento das diferentes relações e das lógicas que se estabelecem entre as camadas que determinam a sua configuração e comportamento, ao longo do período de tempo que se estende desde a sua origem ao presente. Associado às transformações metropolitanas e, especificamente, ao papel que as atividades económicas desempenham neste processo, variados autores estabelecem uma relação temporal entre as mudanças no campo económico e as consequentes dinâmicas territoriais sentidas no espaço metropolitano (CONZEN, 1994[1990], HALL,
[et al.], 2000, SASSEN, 2008, SHANE, 2005). Com vista à abordagem ao tema em questão, o período
de tempo que serve de pano de fundo enquadra‐se nas dinâmicas globais do mundo ocidental, sendo inúmeras vezes designado como o período pós‐fordista ou pós‐industrial. Este espaço de tempo sucedeu a fase inaugural da produção em massa da revolução industrial no século XIX e a fase da introdução modelo Ford‐Taylorista nos sistemas produtivos, e coincide com a fase contemporânea de construção de redes globais, com a dispersão dos padrões de produção – primeiro regionalmente, depois nacional e globalmente.
A nível mundial, o período pós‐industrial45 tem origem nos anos 70 (apesar de ter assumido os seus contornos em Portugal num momento mais tardio), com a transformação dos métodos produtivos, através da separação da fases de produção e com a introdução de tecnologia de ponta, dando origem a um novo tipo de paisagem produtiva, no qual se enquadram as formações urbanísticas
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Solá‐Morales clarifica que periferia é tudo aquilo que não tem continuidade, nem repetição, nem sistema. No entanto, projetar a periferia não significa colocá‐la em ordem, ou ajudar a completá‐la ou a redimi‐la, não sendo as atitudes
recuperadoras ou redentoras das periferias um ponto de partida do qual se possa arrancar para um projeto. In VAN WELLIE,
E. (ed.)‐ De cosas urbanas ‐ Manuel Solá‐Morales. Barcelona: Gustavo Gili, SL, 2008. ISBN 9788425222603. P.193.
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As escalas de referência para a análise e registo gráfico foram a escala 1:2 000 (escala local), escala 1:10 000 (escala intermédia) e 1:25 000 (escala metropolitana). A escala suprametropolitana é relevante do ponto de vista do enquadramento e de leitura das dinâmicas históricas, políticas e económicas.
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A abordagem ao período pós‐industrial é transversal a diversas temáticas e a investigações de diversos autores, como está presente por exemplo em ECKARDT, F.; MORGADO, S. (eds.)‐ Understanding the Post‐industrial City. Würzburg: Köenigshausen & Neumann, 2011. ISBN 9783826047787.
46 | FILAMENTOS METROPOLITANOS. A emergência de morfologias especializadas no território metropolitano de Lisboa especializadas em questão – os filamentos metropolitanos. A designação desta época como pós‐
industrial não significa que a produção industrial ou a produção induzida pela alteração de uso do
solo industrial tenha terminado, mas significa que emergiu uma nova condição, que transfere a produção industrial para o campo da tecnologia, afastando‐se da mecânica e deixando as áreas de indústria pesada vagas e contaminadas após o seu abandono (BERGER, 2006).
Se à primeira vista, os filamentos metropolitanos originam uma paisagem indistinta de unidades construídas, de escala e linguagem dissonante entre si e com a envolvente onde se inserem, uma aproximação analítica permite identificar padrões de ocupação comuns e recurso a mecanismos de organização interna e de comunicação visual semelhantes. Do ponto de vista material, a questão prende‐se com a relação entre os elementos que constituem o conjunto, sistematizados para a escala metropolitana em: formação urbanística especializada, tecido urbano consolidado, rede de mobilidade e espaços abertos; e para a escala local em: parcela, sistema viário e edificado. No entanto, para além das características materiais, também contribuem para a constituição destas formações urbanísticas o enquadramento económico, administrativo e político, que define os princípios e cria as condições para a forma física.
A estrutura de parcelamento rústico do território constitui‐se como uma camada determinante para a configuração da ocupação edificada que resulta da sua urbanização posterior. A matriz geométrica definida pelos limites exteriores e pela dimensão da parcela concentram as características de determinada localização geográfica, no que respeita às condições biofísicas e de infraestruturação46 (acessibilidade, abastecimento energético ou hídrico, etc.), que foi transportada na transposição da sua função rural para urbana. Da mesma forma, a matriz original definida pelos caminhos rurais, desenhados entre as propriedades rústicas, forma o primeiro traçado do sistema viário, constituído posteriormente pelas estradas nacionais que asseguram a acessibilidade às parcelas, que foi depois complementado posteriormente pelas camadas definidas pela rede ferroviária e pela rede de autoestradas e vias‐rápidas.
Os filamentos metropolitanos emergem desta relação entre o parcelamento e as vias, caracterizando‐se pela ocupação desconcertada das parcelas marginais que se alinham ao longo da via que lhes permite o acesso. A primeira etapa caracteriza‐se pela ocupação pontual ou nuclear ao longo da via, nas áreas de maior conectividade (na confluência ou intercepção com outras estradas, linhas ferroviárias ou estruturas portuárias; ou na proximidade dos pontos de acesso à rede de mobilidade de alta velocidade). Posteriormente, estende‐se ao longo da estrada, ocupando as parcelas disponíveis comunicantes com a via (e parcelas adjacentes, através do recurso a mecanismos espaciais como parques, bolsas ou extensões47), originando uma ocupação linear estruturada pela estrada e de grande intensidade no que respeita à diversidade, composição e recursos visuais e publicitários. 46 A história, forma de organização, estrutura familiar, tradição e cultura de uma determinada sociedade poderão também ser considerados como informação imaterial que faz parte da herança da estrutura de parcelamento do terreno rústico. 47 Este aspecto encontra‐se desenvolvido no capítulo 4.2.1. Continuidade, ruptura e introdução de novas leituras territoriais
FILAMENTOS METROPOLITANOS. A emergência de morfologias especializadas no território metropolitano de Lisboa | 47 Por outro lado, a construção da rede de infraestruturas de mobilidade de alta velocidade introduziu uma nova escala de leitura do fenómeno, associada à sua abrangência e à emergência de espaços de acessos privilegiados – as autoestradas e as vias‐rápidas constituem‐se como uma nova camada material que atravessa o território, de forma a estabelecer ligações físicas eficientes e com ligações pontuais ao espaço atravessado, funcionando como um túnel. Da sua construção resultou um vasto conjunto de parcelas atravessadas que foram divididas, perdendo a área necessária para a exploração agrícola e de interesse reduzido para a ocupação residencial, mas que apresentam a capacidade de comunicação visual com os utilizadores da rede de mobilidade e, por outro lado, um potencial de deslocação metropolitana (e nacional) concentrada na proximidade dos seus nós de acesso. A leitura alargada do território metropolitano permite identificar a existência de núcleos densos associados à entrada na rede de autoestradas, mas, a nível local, a acessibilidade às parcelas estrutura‐se a partir das estradas nacionais, permanecendo na sua estrutura e na organização, como uma característica determinante para a configuração e funcionamento.
A rede rodoviária constitui‐se, então, como mais do que um canal de distribuição e de passagem, mas como um sistema com a capacidade de suportar os movimentos locais, metropolitanos e nacionais, assim como a capacidade de diálogo com os espaços atravessados. A forma de acesso a cada uma das parcelas e a sua relação de proximidade com a via indicam igualmente o seu carácter, a função, a dimensão e âmbito (local, metropolitano ou nacional), e o seu grau de capacidade de comunicação com a envolvente – se, por um lado, as indústrias e as atividades logísticas não estabelecem um diálogo com a envolvente, o comércio e os parques empresariais procuram fazê‐lo, através de localizações de grande conectividade e de qualidade ambiental, comunicando visualmente com os potenciais utilizadores da rede viária, seja através de marketing de autoestrada ou através da sua composição e estrutura, em que procuram destacar‐se da envolvente imediata.
No que respeita ao edificado, os filamentos metropolitanos caracterizam‐se pela agregação desconcertada de tipologias e linguagens diversas, compostas por edifícios únicos ou de conjuntos organizados isoladamente ou em parques empresariais ou logísticos. Resultam, então, em áreas de baixa densidade, de composição linear de edifícios que se desenvolvem horizontalmente em parcelas de grandes dimensões. A espontaneidade das ações e a falta de desenho de conjunto revela‐se na inexistência de alinhamentos ou de diálogo com a envolvente, dando origem a áreas segregadas de grande quantidade de estímulos, resultante da intensa circulação motorizada durante o horário útil e do recurso à utilização de mecanismos de comunicação visual e publicidade.
A designação de filamento metropolitano apresenta‐se, igualmente, associada a um conjunto de formações urbanísticas caracterizadas pela concentração de atividades urbanas específicas, adquirindo, assim, uma dimensão funcional. As principais funções concentradas nestas áreas especializadas relacionam‐se com atividades económicas ligadas aos sectores secundário, terciário e quaternário (ou terciário superior), cuja presença e importância se foi transformando ao longo do tempo, acompanhando o contexto socioeconómico nacional e internacional.
48 | FILAMENTOS METROPOLITANOS. A emergência de morfologias especializadas no território metropolitano de Lisboa O processo iniciou‐se com o movimento de deslocação da indústria pesada para o exterior do centro consolidado, abrindo pistas para a atual leitura alargada do território metropolitano. Posteriormente, acompanhando as transformações introduzidas pelos novos métodos produtivos, novos hábitos de consumo e a construção da rede de mobilidade de alta velocidade, verificou‐se a intensificação da presença das atividades económicas na periferia com o crescimento das atividades de serviços às empresas, logística e comércio. A relação de proximidade e a localização destas atividades alterou‐se na generalidade, desligando‐se da necessidade de proximidade física ao local de abastecimento de matéria‐prima, ou abastecimento energético e hídrico (que se apresentava até então como um dos factores determinantes para a localização da indústria), ou a proximidade ao centro no caso do das grandes superfícies comerciais. Suportado pela criação das redes infraestruturais, foi criado um conjunto complexo de relações sinérgicas entre funções semelhantes e complementares, que exploraram novas localizações que permitiriam a expansão futura e tiraram partido das telecomunicações e da eficiência da deslocação física, alimentando o crescimento das atividades de armazenamento, processamento, distribuição e comércio em pontos distantes do centro consolidado.
Com a viragem do século, as forças do mercado e da tecnologia direcionaram as dinâmicas urbanas globais no sentido da desindustrialização na América do Norte e Europa (e em simultâneo, a industrialização nos países emergentes). Foi levada a cabo uma revolução nos transportes e nas tecnologias, cujas maiores consequências se fizeram sentir sobre os territórios metropolitanos, que reafirmaram o seu papel enquanto motores de crescimento económico (HALL, [et al.], 2000). Lisboa acompanhou estas transformações, e a partir da segunda metade da década de 90 iniciou um processo de realinhamento económico através do crescimento e investimento em atividades de produção de conhecimento, a par com o declínio e abandono da indústria pesada. Surgiram, então, inúmeros espaços especializados neste sector, formalizados em parques empresariais, parques tecnológicos, parques de ciência, núcleos e sedes empresariais, cujas principais características em comum se prendem com a concentração de funções semelhantes; a sua localização periférica (embora na área de influência de centros urbanos com capital humano qualificado); a proximidade e acesso facilitado à rede de mobilidade de alta velocidade para deslocações nacionais e internacionais, e a linguagem corporativa presente no edificado e nos mecanismos publicitários. As condições de mobilidade específicas do território metropolitano de Lisboa, decorrentes da articulação eficaz entre a rede de ferro‐rodoviária e o aeroporto, justificaram por um lado, inexistência de uma cidade aeroportuária48 como é possível encontrar em variadas metrópoles Europeias, e por outro lado, a distribuição de parques empresariais na periferia dos centros urbanos, ao longo da rede de mobilidade, integrados em formações urbanísticas existentes, e constituindo‐se como parte dos filamentos metropolitanos. Simultaneamente, intensificaram‐se as atividades
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A cidade aeroportuária caracteriza‐se pela grande concentração de espaços logísticos, hotéis e centros de congressos e centros comerciais na proximidade do aeroporto. Apesar de inexistente até ao momento, a construção de uma cidade
aeroportuária tem vindo a estar no centro de discussões, associada à construção do novo aeroporto de Lisboa, em
FILAMENTOS METROPOLITANOS. A emergência de morfologias especializadas no território metropolitano de Lisboa | 49 associadas à logística e ao comércio, em continuidade com a tendência iniciada anteriormente, mas revelando de forma inequívoca através da sua localização, a dependência das redes infraestruturais e o alargamento da escala de leitura do território e da sua área de influência. Esta deslocação para a periferia, em particular, do comércio, dos escritórios, das sedes empresariais e das atividades de investigação e desenvolvimento tende a criar um novo leque de relações e a substituir a tradicional proximidade física ao centro urbano. Criam‐se, então, novas relações funcionais e novas geografias
de localização (VECSLIR, 2007), baseadas fundamentalmente na redução dos tempos de deslocação,
suportadas pelas infraestruturas viárias e de transporte e pela possibilidade de comunicação suportada pelas redes de telecomunicações.
Por outro lado, a agregação espontânea funções (ou famílias de funções) conduziu a uma especialização de determinadas áreas, aumentando a complexidade de relações a nível metropolitano. Esta organização física por proximidade reflete as semelhanças entre as partes constituintes e a complementaridade funcional entre atividades de produção / transformação /
distribuição, investigação / produção, e distribuição / comércio, dando origem a uma especialização
funcional à escala local e à territorial, como será explorado na Parte II.