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Direito à Informação e Alimentos Transgênicos

No documento Direito à alimentação e sustentabilidade (páginas 135-140)

4 CONSUMO E SUSTENTABILIDADE

4.2 A AÇÃO POLÍTICA POR MEIO DO CONSUMO ALIMENTAR

4.2.1 Direito à Informação e Alimentos Transgênicos

Conforme já observado, a ação política através do consumo alimentar é fortemente exemplificada no caso dos alimentos transgênicos. Nessa seara a informação é essencial para a legítima liberdade de escolha do consumidor. A legislação brasileira é clara quando define que a oferta e apresentação dos produtos devem assegurar informações corretas (verdadeiras), claras (de fácil entendimento), precisas (sem prolixidades), ostensivas (de fácil percepção) e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores 322. Quando pensamos nessa disposição legal aplicada aos alimentos transgênicos há que se destacar duas vertentes do direito à informação: aquela que se dá em virtude dos eventuais riscos que a transgenia pode oferecer à saúde humana323; e o puro direito à informação sobre as características do alimento (independentemente de riscos), de forma a permitir o direito de livre escolha. Ou seja, independentemente de haver riscos comprovados, independentemente de ser um produto de comercialização legalmente aprovada, independentemente do percentual de transgênicos no alimento, persiste a necessidade de informação ao consumidor sobre as características essenciais do alimento.

Sobre isso Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti salienta a regra de que produto seguro não quer dizer produto livre de risco, dado que na ciência inexiste o risco 321CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. A Rotulagem dos Alimentos Geneticamente

Modificados e o Direito à Informação do Consumidor . In: PAESANI, Liliana Minardi. (coordenadora). O direito na sociedade de informação. São Paulo: Atlas, 2007, p. 145.

322BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 31. 323Com base também nos seguintes dispositivos do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 8ºOs produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou

segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Art. 9ºO fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

zero. Nesse sentido, a rotulagem não tem o intuito de afirmar a total segurança do produto, mas sim demonstrar o seu conteúdo para que o consumidor possa escolher se vai consumir ou não 324.

Tendo em vista os direitos e princípios do Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005) reforçou o dever de assegurar a informação nos rótulos dos produtos alimentícios transgênicos, determinando que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento 325. Andrea Lazzarini Salazar observa que a referida disposição legal somente delega à norma inferior o detalhamento de como deve ser apresentada a informação, não havendo margem para qualquer redução do comando legal 326.

O detalhamento normativo sobre a rotulagem de OGMs era inicialmente disposto pelo Decreto nº 3.871/2001, e obrigava a informação nos rótulos dos alimentos embalados destinados ao consumo quando houvesse mais de 4% de ingrediente transgênico. Essa restrição percentual representava uma afronta ao direito à informação previsto em Lei, o que acabou fundamentando ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) que exige a informação quanto a presença de organismo transgênico independentemente do percentual.

O referido decreto foi revogado e substituído pelo Decreto nº 4.680 de 2003 que dispõe que todos os alimentos transgênicos ou contendo ingredientes transgênicos destinados ao consumo humano e animal, processados ou in natura, devem ser rotulados, quando houver acima de 1% de transgênico. Suas disposições também se aplicam aos alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração transgênica, ou seja, que caracterizam um consumo indireto de transgênicos. Conforme esse decreto, o rótulo deve designar o produto transgênico (ou ingrediente, ou se o produto é produzido a partir de um produto transgênico), informando a espécie doadora do gene, com o símbolo T 327. O decreto ainda prevê a rastreabilidade da cadeia produtiva328. Tal 324CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Op. cit., 2007, p. 153.

325BRASIL. Lei de Biossegurança. Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005. Art. 40.

326SALAZAR, Andrea Lazzarini. A informação sobre alimentos transgênicos no Brasil . In: ZANONI,

Magda; FERMENT, Gilles (orgs.). Transgênicos para quem? Agricultura, Ciência e Sociedade. Brasília: MDA, 2011, p. 294.

327De acordo com a Portaria 2.685, de 2003 do Ministério da Justiça, o símbolo escolhido foi um triângulo

mecanismo tem a função de garantir a informação independentemente dos meios técnicos de detecção da presença de OGMs no alimento. Assim, deve constar no documento fiscal as informações sobre presença de organismos geneticamente modificados, de modo que tal informação acompanhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva.

Mesmo com uma legislação explícita em relação ao dever de informação (ainda que restrito a porcentagem de 1%), constata-se na prática o descumprimento recorrente desse dever. O consumidor brasileiro ainda está longe de ter seu direito à informação assegurado. Diversos exemplos contribuem para essa constatação. Em 18 de junho de 2009, 86 organizações da sociedade civil enviaram uma Carta Aberta à então Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, presidente do Conselho Nacional de Biossegurança, denunciando o não cumprimento por parte do governo brasileiro da promessa de controlar os transgênicos, cobrando a suspensão do plantio do milho modificado329. Nessa mesma carta, aponta-se que em 10 de maio de 2009, o Jornal Folha de S. Paulo, em matéria intitulada O Brasil perde o controle dos transgênicos , denunciou o descontrole verificado no campo e na cadeia alimentar com relação ao uso de sementes transgênicas. Os produtores afirmaram não haver fiscalização pelo Ministério da Agricultura; não haver rastreabilidade (identificação na nota fiscal que acompanha o OGM), nem segregação dos grãos ao longo da cadeia produtiva (separação das produções), e com isso a rotulagem de alimentos não se concretiza. Segundo a carta, a própria Comissão Técnica Nacional de Biossegurança afirmou que a lei de rotulagem não é plenamente respeitada.

Na esfera internacional, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança330disciplina a identificação das cargas para importação e exportação de transgênicos. De acordo com o artigo 18 do Protocolo, quando se tratar de OGM cujo destino é a exportação para introdução intencional no meio ambiente (art. 18, c), as cargas devem ser identificadas 328A obrigação legal de rotulagem independe da possibilidade técnica de detecção ou não da presença de

organismo geneticamente modificado, já que é exigido que a informação deverá constar do documento fiscal, de modo que essa informação acompanhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva (art. 2., parágrafo 3.do Decreto n.4.680 de 2003).

329Disponível em: <http://antigo.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/campanhas/carta-aberta-a-

ministra-dilma-roussef/>. Último acessoem: 20 set. 2013.

330O Protocolo de Biossegurança tem suas origens na Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD), que

apontou a necessidade de disciplina de um protocolo de transporte, manuseio e uso seguro dos OGMs, tendo como pressuposto o princípio da precaução, de forma a possibilitar aos países a recusa na importação de OGMs em razão dos riscos a eles associados. O Protocolo foi celebrado em 29 de janeiro de 2000, aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro pelo Decreto Legislativo n. 908, de 21 de novembro de 2003. Por sua vez o instrumento de adesão foi depositado pelo governo brasileiro junto à Secretaria-Geral da ONU em 24 de novembro de 2003, passando a vigorar no País em 22 de fevereiro de 2004 e sendo promulgado pelo Decreto n. 5.705, de 16 de fevereiro de 2006.

com a informação contém transgênicos , assim como a designação do OGM, seus riscos e características. No entanto, há uma alarmante imprecisão quanto aos grãos transgênicos destinados ao uso direto como alimento humano ou animal, ou para processamento pelo país importador (art. 18, 2, a ): a obrigação se refere apenas à identificação destas cargas com a sigla pode conter organismo vivo modificado . A decisão definitiva sobre este ponto ficou postergada para o sétimo encontro das partes do Protocolo de Cartagena (COP- MOP 7), a ser realizado no ano de 2014.

Apesar das disposições legais de ordem nacional e internacional preverem a priorização do princípio da precaução e do direito à informação, diversos especialistas e organizações da sociedade civil apontam a negligência das autoridades competentes para a concretização dos ditames legais. Essa negligência foi formalizada em denúncia331 de organizações não governamentais brasileiras (AAO Associação de Agricultura Orgânica , Anpa Associação Nacional dos Pequenos Agricultores , AS-PTA Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa , Greenpeace, Idec Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e Terra de Direitos), encaminhada ao Comitê de Cumprimento do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, durante a MOP 4, em Bonn, na Alemanha.

Em junho de 2013, o Idec publicou pesquisa332 que avaliava se o direito à informação ao consumidor está sendo cumprido em relação à presença de OGMs nos alimentos, principalmente em relação ao acesso à informação correta nos rótulos e se os estabelecimentos comerciais cumprem a legislação estadual333 de São Paulo sobre a disposição de alimentos transgênicos. Concluiu-se que a legislação referente à informação da presença de OGMs nos alimentos não está sendo cumprida por todas as empresas de produtos derivados de milho. Os problemas encontrados foram: a ausência da declaração

331Disponível em: <http://antigo.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/protocolo-de-

cartagena/organizacoes-da-sociedade-civil-denunciam-brasil-por-descumprimento-de-legislacao- internacional-sobre-biosseguranca>. Acesso em: 21 set. 2013.

332A pesquisa analisou 5 categorias de produtos alimentícios que continham milho: farinha de milho

amarela; fubá; milho para pipoca tradicional; milho para pipoca de microondas e canjica de milho branca. Foi realizada análise do rótulo e contato com os Serviços de Atendimento ao Consumidor das empresas para confirmar a ausência de transgênicos. Realizou-se visita a sete supermercados de São Paulo para observar se os produtos alimentícios com OGM são segregados. Disponível em:

<http://www.idec.org.br/consultas/testes-e-pesquisas/festa-junina-transgenica>. Último acesso em: 21 set. 2013.

333A Lei estadual de São Paulo n. 14.274, de 2010, obriga os estabelecimentos que comercializem produtos

transgênicos a possuir local específico para exposição destes produtos e ainda estabelece que os produtos transgênicos não poderão ser expostos de forma a confundir os consumidores em relação a produtos semelhantes não transgênicos .

no rótulo de que o produto é transgênico e a ausência da informação da espécie doadora dos genes. Em relação ao cumprimento da lei paulista sobre disposição dos alimentos transgênicos, todos os estabelecimentos estavam em desacordo.

Conforme aponta Andrea Lazzarini Salazar, outros fatos e pesquisas corroboram para concluir que o direito à informação do consumidor quanto aos alimentos transgênicos tem sido veementemente desrespeitado no Brasil334, e assinala que a falta de fiscalização do Poder Público é um obstáculo para a plena realização desse direito. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) é apontado como o principal responsável por esse desrespeito, uma vez que compete a esse órgão o controle no âmbito federal da documentação fiscal no campo e durante seu transporte, sem a qual se torna impossível a rastreabilidade das etapas posteriores à produção o processamento dos grãos, a industrialização e a venda dos alimentos (a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa e do Ministério da Justiça, respectivamente) 335. Há assim, responsabilidades interdependentes que devem necessariamente estar bem coordenadas para serem efetivas.

Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti também observa que, além do descumprimento da lei, a limitação da rotulagem a um conteúdo alimentício superior a 1% de transgênicos no produto final é um grande óbice à concretização do direito à informação, uma vez que na prática esse percentual praticamente não é alcançado nos produtos à disposição nos mercados atuais (mas sim em apenas algum ou alguns ingredientes que compõem o produto). Como resultado, o consumidor está ingerindo alimentos transgênicos sem saber336. A professora conclui que a referida legislação não atende aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, e nem mesmo à Constituição Federal, quando limita o direito à informação ao referido percentual de presença de 334Salazar cita alguns exemplos como a determinação judicial que obrigou as duas maiores marcas de óleo

de soja do mercado (da Bunge e Cargill) a rotularem os óleos por conterem soja transgênica em ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo (3. Vara Cível de São Paulo processo

583.00.2007.218243-0), a partir de denúncia do Greenpeace feita em outubro de 2005 sobre a utilização de soja transgênica para a produção de óleo; e teste laboratorial realizado pelo Idec em 2008 com 51 alimentos contendo proteína de soja e/ou proteína vegetal. Nesse teste foram detectados 11 produtos (21,5%) contendo transgênico, mas que devido ao elevado grau de processamento da matéria-prima impossibilitou a

quantificação precisa; 37 deles (ou 72,5%) não possuíam soja Roundup Ready em sua composição (incluindo-se nesta categoria os produtos que apresentaram até 0,1% de soja RR); e três produtos tiveram mais que 0,1% (sendo que dois atingiram 0,2% e um deles chegou a 0,7%). Cf. SALAZAR, Andrea Lazzarini. Op. cit., p. 304.

335SALAZAR, Andrea Lazzarini. Op. cit., p. 305.

336CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. A Rotulagem dos Alimentos Geneticamente

Modificados e o Direito à Informação do Consumidor . In: PAESANI, Liliana Minardi (coordenadora). O direito na sociedade de informação. São Paulo: Atlas, 2007, p. 155.

transgênicos no produto final. Isso na prática resulta no impedimento de que o consumidor exerça de forma consciente e coerente seu direito de escolha337. Por fim, a professora também assevera que o não cumprimento do direito à informação e à escolha atinge o consumidor na sua própria pessoa (tanto no aspecto do direito fundamental como no seu direito de personalidade), ferindo assim a dignidade da pessoa humana338.

Feitas essas considerações, concluímos que a ação política do consumidor, tendo em vista a promoção e defesa da sustentabilidade, é uma potencial força motriz às mudanças nas práticas de mercado, mas dependem da efetivação das responsabilidades estatais e do mercado quanto ao direito à informação. Por outro lado, a própria ação política (e não só aquela exercida por meio do consumo) é que impulsionará os órgãos públicos competentes a exercerem adequadamente suas funções fiscalizatórias e de aprimoramento de políticas e legislações que permitam a efetivação do consumo sustentável. Retornamos aqui ao ponto que tem perpassado o presente trabalho de forma transversal, qual seja, o papel da educação e da participação social como instrumento primário para a realização da sustentabilidade no campo alimentar.

No documento Direito à alimentação e sustentabilidade (páginas 135-140)