• Nenhum resultado encontrado

É sabido que, no Brasil, a legislação voltada para a garantia de di-reitos fundamentais, especialmente ao direito à educação, não foi facil-mente conquistada pela sua população. A história nos mostra que as leis que dispõem sobre os direitos fundamentais de caráter universal, são frutos de incontáveis movimentos de luta e resistência da população.

Apesar das dificuldades enfrentadas para garantir direitos mais elementares, devemos considerar que legislações de caráter garanti-dor/protetivo são essenciais em uma sociedade que se pense justa e aja de forma democrática.

Dito isto, podemos inferir que a observância do direito à edu-cação a ser prestada a jovens e adultos, que, por situações diversas (e adversas), não tiveram condições de se inserir ou de dar

continuida-O desafio do educador frente à juvenilização na sala da EJA a partir do olhar freireano 167 de ao processo educacional de forma regular, não pode ser uma opção do Estado, e sim um direito e uma obrigação assegurada na Constitui-ção Federal de 1988 e nas leis complementares. Constitui-se, assim, em um dever dos governantes e um direito de todo e qualquer cidadão(a) brasileiro(a). A busca por uma educação pública de qualidade para o cidadão em geral e, especificamente, para o jovem e o adulto, torna-se, desse modo, uma busca legítima e constitucionalmente determinada.

O Art. 6º da Constituição Federal de 1988 determina que “São di-reitos sociais a educação [...]”, mais adiante, já no Capítulo III, Seção I, sobre o direito à educação, a norma federal não deixa dúvidas,

Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da famí-lia, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [...]

Mais adiante, o Art. 208 é explícito quanto à obrigatoriedade da educação:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a ga-rantia de [...] I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (qua-tro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada, inclusive sua oferta gratuita para todos aqueles que a ela não tiverem acesso na idade própria. (grifo nosso)

A legislação de proteção à criança e ao adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei no 8069/90, por sua vez, re-força os termos constitucionais, Haddad, pautado em Arroyo, afir-ma que (ARROYO, 2005 apud HADDAD, 2015, p. 3)

O Estatuto da Criança e Adolescente representou um avanço no re-conhecimento desses tempos como idades de direito e não de mero preparo para o mercado competitivo. A denúncia do trabalho da infância e da adolescência tem esse sentido, respeitar esses tempos - ciclos da vida como tempos de direitos. “Toda criança na escola”, pensamos ser para garantir seus direitos de criança, de ser humano, não para torná-la mais excelente para o mercado.

A garantia da educação, devida pelo Estado, é retomada no referido estatuto, no seu artigo 53, especialmente no seu inciso primeiro:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se lhes:

I - Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

O Art. 54, por sua vez, trata do dever do Estado em garantir a edu-cação regular e gratuita à criança e ao adolescente. O inciso primeiro deste artigo não nos deixa dúvidas: “Art. 54. I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria.”, assim como assegura a continuidade desses estudos a fim de concluir a educação básica: “II- progressiva extensão da obriga-toriedade e gratuidade ao ensino médio”.

A Lei no 9394, de 20 de dezembro de 1996, que trata das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), dentre outras obrigatoriedades no contexto educacional, assegura a educação no ensino fundamental e médio, o direito ao acesso público e gratuito para todas as pessoas que, por diversos motivos, não tiveram acesso em idade própria, oferecen-do o ensino no turno noturno regular com atenção às necessidades oferecen-do educando, a oferta da educação escolar regular para jovens e adultos, garantindo condições necessárias de acesso e permanência na escola.

Com efeito, o ECA e a LDB são importantes dispositivos legais que propõem uma educação pública e gratuita, inclusive, para uma popula-ção historicamente posta à margem de todo o processo educativo, ou seja, os jovens e adultos das camadas populares,

Como destaca professora Ivanilde Apoluceno (2015), o direito à educação está assegurado na Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996.

Nesta lei, mais precisamente no seu título III, do direito à educação é destacada a garantia do acesso e permanência à educação escolar de trabalhadores. O Art. 4º, inciso VII, determina:

VII – oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e

O desafio do educador frente à juvenilização na sala da EJA a partir do olhar freireano 169 disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola. (CÂMARA DOS DE-PUTADOS, 2001)

A LDB, no Art. 37, aponta a necessidade de acesso e continuida-de do processo continuida-de escolarização para aqueles que não tiveram opor-tunidade na idade apropriada. Segundo as determinações das Diretri-zes Curriculares de Educação e a Câmara de Educação Básica (CEB nº 11/2000), a EJA tem uma função “reparadora, qualificadora e equali-zadora”. (NASCIMENTO, 2013, p. 9)

Na perspectiva de sanar as deficiências da educação escolar de na-tureza pública e de resgatarmos o direito à educação estabelecidos nas normas legais é que podemos trazer a ideia de Nascimento (2013, p.

10), particularmente no que diz respeito ao professor da EJA. Vejamos o que diz a autora:

O papel do professor na EJA - educação de jovens e adultos, é de grande importância no processo de reingresso do aluno às turmas, é de suma importância o perfil do docente no sucesso de apren-dizagem do aluno adulto, para muitos o professor é um modelo a seguir.

Mais adiante, a autora ressalta, sob as bases da EJA pensada a partir de Paulo Freire, ressaltando o poder do conhecimento modificar a vida da pessoa, que

O conhecimento modifica o homem, assim considera-se que a EJA--educação de jovens e adultos, é capaz de mudar significativamente a vida de uma pessoa, traz oportunidades para conviver em uma sociedade democrática, justa e igualitária com direitos e também deveres. (NASCIMENTO, 2013, p. 10)

Vale lembrar que a EJA tinha como objetivo inicial a erradicação do analfabetismo entre os adultos que não tiveram acesso à educação formal no período regular, embora reconheçamos que existam expe-riências significativas que alcançaram tal proposta, mas o que temos

hoje é um cenário em que adultos e jovens se encontram em espaços de aprendizagem de superação das adversidades encontradas em seu percurso educacional, e, por isso, estes espaços demandam saberes es-pecíficos e compromisso claro com os direitos estabelecidos nas legis-lações brasileiras.

A legislação é uma normativa que registra direitos e obrigações.

Entendemos, no entanto, que a força da lei não tem sido suficiente para que se reconheça e se caminhe em direção, como diria o educador Paulo Freire, a uma formação humana, uma educação emancipadora dentro de um contexto capitalista que exclui, discrimina, nega direitos e desumaniza.

Tal desafio pode ser analisado à luz das colocações de Sérgio Ha-ddad (2015, p. 12) no prefácio de livro de Nilda Stecanela, Políticas e práticas de EJA no Rio Grande do Sul: dimensões históricas e culturais:

No entanto, apesar destes avanços legais, a EJA não conseguiu se efetivar nos seus resultados com a quantidade e a qualidade espe-radas nos anos noventa e no início deste milênio. Na década de no-venta a EJA ficou relegada a um segundo plano em função das polí-ticas neoliberais que acabaram por priorizar o Ensino Fundamental regular, numa clara violação do direito universal à educação.

Apesar das determinações legais e do compromisso do educador de EJA, com o tempo ficou comprovado que não bastava ter acesso ao ensino para ter êxito nele, era preciso ter uma educação e uma escola que atendessem aos diferentes de forma diferente, a tão falada equida-de. Nesta perspectiva, é que Bourdieu (2015, p. 59) coloca que,

Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualda-des culturais entre as crianças das diferentes classes sociais.

Em uma nação em que jovens são excluídos do seu processo de for-mação, em que as camadas populares não têm acesso aos bens culturais

O desafio do educador frente à juvenilização na sala da EJA a partir do olhar freireano 171 historicamente produzidos pela sociedade, é urgente que o Estado seja capaz de estabelecer políticas educacionais de caráter universal e de qualidade. A esse respeito, Arroyo destaca a importância do processo de formação, quando diz que:

A Educação Básica, sobretudo a fundamental, foi se configurando e legitimando no avanço dos direitos humanos da infância, da ado-lescência e da juventude enquanto tempo humanos, de vivências, experiências e formação humanas. Desde a década de 80 vínhamos insistindo em vincular educação como direitos e não como sobre-vivência, com igualdade e dignidade, emancipação, inclusão e cida-dania e não como mercado. (ARROYO, 2008, p. 100)

Nos resta afirmar neste momento: que estas efetivem e que, de fato, a garantia de direitos para crianças, adolescentes, jovens e adultos estabelecidos nas legislações federais sejam cumpridas.