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Paulo Freire e a formação do educador da EJA

Com o propósito de contribuir para o debate e os estudos acerca da formação de educadores na EJA, tomamos como aporte a concepção dialogicidade defendida por Freire, e a partir dele apontar outros olha-res ao cenário das pesquisas em Formação do Educador da EJA. Faria (2009), em estudo denominado “O percurso formativo dos professo-res/pesquisadores da EJA na contemporaneidade” sinaliza este cenário de desafios ao anunciar que:

A educação de Jovens e Adultos (EJA), como campo político de for-mação e investigação, necessita comprometer-se com a educação das camadas populares e com a superação das diferentes formas de preconceitos, exclusão e discriminação existentes em nossa socie-dade, as quais se fazem presentes tanto nos processos educativos dentro do contexto escolar quanto para além dele. (FARIA, 2009, p. 152)

A partir dessa citação, podemos inferir que a formação de educa-dores da EJA deve comprometer-se com a transformação da realidade dos sujeitos diversos que constituem essas classes, enquanto questio-namento primeiro desse processo de formação. Chamando para si a responsabilidade do diálogo indissociável com os seus sujeitos, a partir dos movimentos sociais, coletivos, organizações não governamentais, associações, sindicatos, cooperativas de trabalhadores e outros sujei-tos que a reivindicam.

Formação docente na EJA e as questões étnico-raciais 131 O percurso formativo de educadores da EJA, atrelados ao diálogo com os sujeitos, permite a descolonização das práticas pedagógicas.

Essa possibilidade é apontada por Gomes (2017), baseado em Santos (2004), sobre a sociologia das ausências, reafirmando assim, o papel dos sujeitos no diálogo para a transformação das ausências em presen-ça, visto que estas ausências operam uma lógica da não existência, que, na realidade, é uma produção dos processos desumanizantes.

A formação de professores, dialogada com as demandas dos sujei-tos da EJA, constitui-se então em um desafio contemporâneo, inter-pretado na visão de Costa (2009) como um novo desafio de velhos pro-blemas presente na modalidade. Farias e Nascimento (2017) ampliam a responsabilidade pelo diálogo para as universidades, apontando ex-periências existentes, no campo de formação de professores. Contudo, observamos serem tímidas essas tais experiências, carecendo de mais interconexões entre a academia e os sujeitos implicados. Trazemos para a baila o Parecer nº 11/2000, do Conselho Nacional de Educação/

Câmara de Educação Básica, publicado no Diário Oficial da União em 19 julho de 2000, que destaca a necessidade da formação de professo-res para EJA:

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente vol-tado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade dife-rencial desta modalidade de ensino. Assim, esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo.

Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa von-tade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nu-tra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer. (BRASIL, 2000, p. 56)

Ao pensar as políticas de formação de educadores da EJA, como a pontuada pelo Parecer CNE/CEB nº 11/2000, é preciso atentar-se para as especificidades desta modalidade, por sua vez, não podemos perder de vista a concepção de homem, imbrincada numa relação dialógica,

pois, Paulo Freire, em suas obras, Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Esperança, afirma que homens e mulheres possuem existência his-tórica e como ser da práxis, ele não está isolado na sociedade, é um sujeito histórico, o que o diferencia dos outros animais é a capacidade de refletir e agir sobre a realidade e transformar a natureza através do trabalho, desta maneira transforma a si e ao seu meio.

Nesta ação consciente sobre o mundo real, o ser humano enfren-ta obstáculos e estes são históricos, posto que são produzidos pelos próprios homens e, portanto, também serão superados pelos mesmos.

Consideramos estes desafios como situações-limites apoiando-se nos estudos de Zitkoski e demais autores (2010), pois estas dimensões são desafiadoras, dimensões concretas e históricas de uma realidade.

Assim, a formação docente, juvenilização, fechamentos de escolas de EJA, invisibilização das questões étnico-raciais, gênero e sexualidade, são categorias que podem ser consideradas como situações- limites na EJA.

No nosso caso, a situação-limite que se coloca como desafio tra-ta-se da formação de professores da EJA para o trato com as questões étnico-raciais tão presentes no seu cotidiano, nas múltiplas salas de aulas brasileiras, um espaço demarcadamente negro, e que foi cons-truído historicamente a partir da negação do direito à escolarização, e quando permitido o acesso, este apresenta um silenciamento da histó-ria de vida dos seus protagonistas.

Este legado de exclusão ideologicamente interessada é a situação--limite a ser superada pela sociologia das ausências, uma crítica lúcida e categórica à razão indolente e resistente às mudanças. A sociologia das ausências propõe uma pedagogia das ausências, ou seja, propõe mudança nas práticas pedagógicas em uma perspectiva descoloniza-dora.

Inspirado nas reflexões do sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2004), acerca da sociologia das ausências e das emergências, po-demos dizer que o campo da formação de professores (as) tam-bém precisa ser indagados por uma concepção crítica de ciências e de formação. Uma crítica que compreenda e torne credíveis os

Formação docente na EJA e as questões étnico-raciais 133 saberes produzidos pelos movimentos sociais e as ações educati-vas por eles desencadeadas, os quais foram ativamente produzidos como ausências nos currículos, nas pesquisas e nas políticas edu-cacionais. Trata-se portanto, da construção de uma pedagogia das ausências e das emergências. (GOMES, 2017, p. 45-46)

Dessa forma, a autora propõe uma ampliação simbólica dos sabe-res, a partir das narrativas, práticas e vivências dos seus sujeitos (edu-candos e educadores) da EJA, ou seja, dialogar com estes pressupostos, buscando entender a EJA a partir desta ampliação simbólica, para isto faz-se mister uma mudança no olhar sobre os saberes que constitui os seus protagonistas.

Nesse sentido, reside a importância de se atentar para o diálogo constante entre educadores e educandos da EJA, que, por sua vez, Soa-res (2011) assegura ser uma estratégia na busca por caminhos e esta dialogicidade é uma marca que confere a esta modalidade educativa uma identidade singular, quando comparadas com outras demandas educativas específicas. Entendemos que não basta a garantia do acesso, o diálogo é o caminho para a permanência, mas também não qualquer permanência, pois, ao perceber e sentir-se parte de um todo (escola), os educandos da EJA se sentem valorizados pelo reconhecimento dos seus saberes coletivamente construídos e destes construir novos e também significativos saberes.

O professor Soares (2011), em seus estudos, nos leva a refletir so-bre os educandos jovens, adultos e idosos que estão na EJA, e assegura que não se trata de qualquer sujeito vivenciando as diferentes etapas da vida, e sim a um público particular, daí a necessidade da dialogicida-de das ações na prática educativa em EJA. Como afirma Arroyo (2017), os alunos são oriundos do grupo social que normalmente é chamado de “classes populares”, eles são trabalhadores, pobres, na sua maioria negros(as), subempregados(as) e excluídos(as).

Se imbricarmos os construtos teóricos citados, frutos de consultas e análises nossas para construção deste texto, asseguramos que o seu sentido se dá na materialidade das palavras, na práxis, na provocação do compromisso da universidade, envolvendo-a na superação dessa

situação-limite, contribuindo com a formação de professores, trazen-do para o campo das disputas o objetivo da sociologia das ausências que, para Santos (2004, p. 246):

[...] é transformar os objectos impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças”. Assim, inferir dire-tamente na relação entre a EJA com a questão racial invisibilizada e negadas historicamente, a partir da formação dos educadores é de vital importância para a formação do educador em EJA.

Gomes (2007) nos auxilia a compreender a sociologia das ausên-cias e anuncia um procedimento teórico-epistemológico que denomina de “Pedagogia das ausências e das emergências”. Uma estratégia apon-tada na construção deste inédito-viável que é a superação do fosso da formação de professores de EJA na perspectiva étnico-racial. Trata-se, então, de uma situação limite para diversos sujeitos, escolas, professo-res, alunos, fóruns, coletivos e sindicatos, todos aqueles que assinam de modo tácito o compromisso com a defesa da EJA, os protagonistas deste fenômeno.

O desafio reforça outras preocupações já tencionadas pelo pro-fessor Santos (2004), pois, ao pautar a formação de propro-fessores com o olhar contra hegemônico, trata, antes de mais nada, de uma crítica a negligência epistêmica e ideológica. Nesses estudos, além da críti-ca ao que chama de “razão indolente”, apontam para a construção de um outro fazer nas ciências sociais, não apenas basiladas nos valores e concepções preconizadas pela modernidade ocidental, o que aqui en-tendemos como descolonização dos saberes, do pensar.

Pensar a formação de professores da EJA na perspectiva étnico-ra-cial, a partir deste contexto, é assumir uma postura de enfrentamento ao neoliberalismo e ao desmonte da própria política de EJA. É mais que necessário, nos cursos de formação docente, refletir os itinerários da população negra brasileira, seja ela do campo ou cidade. Estamos fa-lando daqueles que acordam às cinco da manhã, seguem para as roças, para as indústrias, para as cozinhas, entre outros, almoçam de marmi-tas e não retornam para casa após o trabalho, creditam à escola três ou

Formação docente na EJA e as questões étnico-raciais 135 quatro horas de sua dura e árdua rotina, acreditando no seu direito a uma vida mais justa. (SILVA, 2010)

Desvelar estas sinuosidades e colocá-las no cerne da questão é o desafio posto. Tirar as questões afrodescendentes do campo da inexis-tência, da ausência e do silenciamento a partir da pedagogia das emer-gências é um ato político necessário.” Portanto, trata-se de uma prática descolonizadora que tem seu início na formação do educador da EJA e consolida-se em um constante devir próprio das relações dialógicas, assim, superando as práticas desumanizadoras de construção do co-nhecimento.