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Empoderamento e processos educativos

Apesar da educação ser um direito constitucional, nem todas as pessoas possuem a garantia do acesso, dentre elas, as pessoas jovens, adultas e idosas, e de fazer valer esse direito. Ao defender esses direitos aos processos de escolarização, nos apoiamos em Giroux (1990, p. 9, grifo do autor), ao situar que:

[...] a escolarização ocupa-se regularmente do tempo, do espaço, da textualidade, da experiência, do conhecimento e do poder entre interesses e histórias conflitantes, que não pode ser enquadrada em simples teorias de reprodução e de resistência. As escolas devem ser vistas em seus contextos históricos e relacionais. Como ins-tituições, apresentam posições contrárias dentro da cultura mais ampla e representam, também, um terreno de combate complexo relativo ao que significa ser alfabetizado e empowered, de modo tal que permite que professores e alunos pensem e ajam de maneira condizente com os imperativos e a realidade de uma democracia radical.

Compreende-se que uma ação pedagógica para emancipação se concretiza numa educação libertadora na perspectiva Freireana, pois desse modo o sujeito

[...] é consciente que a luta política para mudar a sociedade não acontece só dentro da escola, apesar de a escola ser parte da luta pela mudança. Assim, em última análise, a educação libertado-ra deve ser compreendida como um momento, ou um processo, ou uma prática onde estimulamos as pessoas a se mobilizar ou a se organizar para adquirir poder. (FREIRE; SHOR, 1986, p. 47)

As contribuições freireanas na compreensão dos processos... 197 Freire (1996, p.124) frisa que a politicidade da educação se encon-tra enraizada na própria educabilidade do ser humano, “[...] que se fun-da na sua natureza inacabafun-da e fun-da qual se tornou consciente [...]”, em que a qualidade de ser política vem de sua própria natureza, não sendo possível pensar em neutralidade da educação, pois para

[...] que a educação fosse neutra era preciso que não houvesse dis-cordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a serem encarnados. Era preciso que não houvesse [...] nenhuma divergência em face da fome e da miséria no Brasil e no mundo; era necessário que toda população nacional aceitasse mesmo que elas, miséria e a fome, aqui e fora daqui, são uma fatalidade do fim do século. Era preciso também que houves-se unanimidade na forma de enfrentá-las para superá-las. Para que a educação não fosse uma forma política de intervenção no mun-do era indispensável que o munmun-do em que ela se desse não fosse humano. Há uma incompatibilidade total entre o mundo humano da fala, da percepção, da inteligibilidade, de comunicabilidade, de ação, de observação, da comparação, [...], da escolha, da decisão, da ruptura, da ética e da possibilidade de sua transgressão e a neutra-lidade não importa de quê (FREIRE, 1996, p. 125)

Desse modo, na impossibilidade de neutralidade da educação, en-tende-se que toda educação é “sempre diretiva”, por isso “[...] ‘lavar as mãos’ em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é optar por ele [...]” (FREIRE, 1996, p.126), contribuindo assim, com a desigualda-de social.

Por isso, Freire (2002) salienta que o saber escolar só fará senti-do na vida senti-dos estudantes das camadas populares se ele for conduzi-do8 para trazer a “clareza” da opressão, pois só assim eles(as) terão a

8 Acrescenta-se aqui, a importância do papel do professor no fazer pedagógico, de modo que ele é o mediador no processo de construção do conhecimento dos estudantes. Freire, em seu livro Pedagogia da autonomia (1996), aponta os elementos constitutivos da prática docente, reforçando a dimensão social da formação humana, bem como alerta para a necessidade de uma postura vigilante contra as práticas de desumanização (discurso da globalização). Para ele (FREIRE, 1996, p. 126-127), um professor democrático não pode pensar que conseguirá transformar um país, mas pode demonstrar

“consciência de classe” essencial ao empenho da libertação. Em vista disso, reitera que

Por isto mesmo é que se impõe a necessidade de um conhecimento tanto do possível cada vez mais crítico do momento histórico em que se dá a ação, da visão do mundo que tenham ou estejam tendo as massas populares, da percepção clara de qual seja a contradição principal e o principal aspecto da contradição que vive a sociedade, para se determinar o que e como do testemunho.9 (FREIRE, 2002, p. 175)

Entende-se que quanto mais as pessoas das camadas populares forem capazes de desvelar a realidade objetiva e desafiadora (da qual incide a sua ação transformadora), mais condições terão de agir criti-camente nela.

Freire e Shör (1986, p. 146) destacam que a educação

[...] é, simultaneamente, uma determinada teoria do conhecimento posta em prática, um ato político e um ato estético. Portanto essas três dimensões estão sempre juntas – momentos simultâneos da teoria e da prática, da arte e da política, o ato de conhecer a um só

que é possível mudar ao testemunhar o seu gosto de vida, sua esperança no mundo melhor, na sua capacidade de luta, no seu respeito às diferenças, isto é, na maneira consciente com que vive sua presença no mundo, “[...] de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante que precisa ser autenticamente vivido”. (FREIRE, 1996, p. 127) De modo geral, pode-se compreender que a formação do professor é uma demanda constante, pois sua formação inicial não será suficiente diante dos diferentes desafios que enfrentará em seu cotidiano. Portanto, se “[...]

a educação tem a ver com um processo de formação permanente” (FREIRE; SHÖR, 1986, p. 145), acredita-se que todo e qualquer campo profissional precisa de formação continuada, como nesse caso o professor.

9 O testemunho, para Freire (2002), volta-se para o exterior (de si), para denúncia da crueldade do mundo e para o anúncio da possibilidade de lutar contra ela. O autor salienta que os elementos constitutivos do testemunho não variam historicamente, tratando-se de coerência entre a palavra e o ato de quem testemunha, a radicalização – leva não só o que testemunha, mas aqueles a quem dá o testemunho, cada vez mais à ação –, a valentia de amar – transformar esse mundo injusto para a crescente libertação de homens e mulheres oprimidas – e a crença nas massas populares – uma vez que é a elas que o testemunho se dá, dentro da totalidade em que estão (classe oprimida). (FREIRE, 2002, p. 175-176)

As contribuições freireanas na compreensão dos processos... 199 tempo criando e recriando, enquanto forma os alunos que estão conhecendo.

Por isso que Freire e Shör (1986, p. 146) acreditam que quanto mais o(a) professor(a) tiver clareza a respeito da natureza necessariamente política e artística10 da educação, mais ele(a) pode melhorar a eficiên-cia pedagógica, tendo em vista que ao estar ajudando na formação dos estudantes já está fazendo arte e política, percebendo ou não, claro que se perceber será muito melhor.

Lisboa (2003) compreende que a consciência política é a condição básica para o processo de “empoderamento”. Portanto, para analisar o processo de conscientização em sua tese de doutorado, ela buscou fundamentação teórica em Paulo Freire, situando assim três passos:

[...] o primeiro é ‘ver´, ou seja, perceber a realidade em sua dinâ-mica, em suas contradições, em sua plenitude. Na segunda etapa, deve-se ´refletir’ ou ‘analisar’ de forma crítica, compreendendo a mesma realidade dinâmica, e contraditória como um processo de produção social. A terceira etapa é a do ‘agir’, ou seja, intervir sobre a realidade para transformá-la. (LISBOA, 2003, p. 131)

Assim, conforme a autora, a última etapa do processo de conscien-tização se consolida pela constituição de atores políticos e, por conse-guinte ao seu “empoderamento”. (LISBOA, 2003, p. 131) Lembrando que, para Lisboa, o empoderamento é um processo que se inicia no

“despertar de consciências”. (LISBOA, 2003)

Freire e Shör (1986) e Freire e Macedo (1990) trazem para o em-powerment o significado de “libertação do oprimido”, que, necessaria-mente, exige o reconhecimento enquanto classe social, uma vez que se trata de um poder que vem de baixo, um poder que não é dado, e sim conquistado pela classe oprimida. Portanto, o empowerment defendido por Paulo Freire é um processo político de conquista de

10 Para Freire “[...] o que faz da educação é um momento artístico é exatamente quando ela é, também, um ato de conhecimento. Conhecer [...] é algo de belo! Na medida em que conhecer é desvendar um objeto, o desvendamento dá ‘vida’ ao objeto, chama-o para a ‘vida’, e até mesmo lhe confere uma nova

‘vida’”. (FREIRE; SHOR, 1986, p. 145)

liberdade das próprias classes subordinadas às quais sofrem com o poder da dominação.

A partir desse entendimento em suas lutas, estudantes e profes-sores têm buscado superar a situação opressora, ou seja, buscam uma ação transformadora capaz de superar essa condição desumanizadora – que gera a condição de “ser menos” – para buscar o “ser mais” (pela humanização)11 de todos(as). (FREIRE, 2002, p. 34)

Cabe lembrar que Freire acreditava que a educação tinha como de-ver direcionar a libertação, despertar o sentido crítico das pessoas a respeito do mundo e das coisas no mundo. Para isso, é preciso começar pela libertação do opressor que reside em cada um, para, depois, seguir a marcha popular de luta pela libertação de homens e mulheres que também sofrem.