• Nenhum resultado encontrado

Para qual público nos preparamos quando investimos em nossa formação docente?

A cultura que envolve a educação no país esteve, durante um bom tempo, atrelada aos grandes centros de construção de saberes: escolas, creches, associações e universidades. Houve época, inclusive, que es-tudar fazia parte de um restrito grupo social. Com o passar dos anos, verificou-se a necessidade de se educar e alfabetizar a todos e todas.

A figura do professor sempre esteve em destaque; inicialmente, era o que passava os conteúdos, e os estudantes tinham a obrigação de memorizar sem direito a questionamentos. Entretanto, dentre as mais diversas definições e atribuições à sua figura, concordamos quando Li-bâneo (1998, p. 29) nos diz que, atualmente, o professor é o responsá-vel por mediar a relação do aluno com a matéria sem desconsiderar o conhecimento, a experiência e os significados trazidos pelo educando para a sala de aula.

Definidos alguns dos personagens que compõem o cenário da educação em nosso país, concordamos que, neste instante, cabe um questionamento fundante a este estudo: quem são os educandos e educandas protagonistas da EJA? Trazendo a luz da nossa experiência como docentes nesse contexto, temos um público caracterizado não somente pelas condições naturais de vida que lhe são impostas, talvez, pela própria realidade de vida ou pela necessidade de alguns que in-sistem em deixar cada qual – usando uma expressão popular – em seu quadrado.

Longe de qualquer tipo de caracterização que possa de alguma for-ma desmerecer o nosso público, queremos trazer à baila que nossos alunos e alunas da EJA são os que enfrentam, diariamente, a ausência de professores das mais diversas áreas do saber, por razões de logística,

por falta de políticas públicas que designem profissionais para atuar no chão das inúmeras salas de aula espalhadas por todo território na-cional.

O público supracitado é aquele que lutou muito por seu lugar de fala, para ter pertencimento e direitos na educação desde seus primór-dios na história desse país. São os que lutaram para abrir escolas e que hoje são surpreendidos pelo fechamento dessas mesmas escolas sem explicações prévias e convincentes que justifiquem tal ato.

As pessoas jovens, adultas e idosas às quais nos referimos aqui são aquelas que carecem, principalmente, de acolhimento da sociedade, que os marginalizam e os classificam como sendo “perda de tempo”.

São os que, em sua grande maioria, correm de trabalho em trabalho para defender seu sustento, passam o dia nas suas atividades laborais e à noite disputam acento para terem o direito de sentar em cadei-ras sujas, quebradas, nas salas escucadei-ras e sem ventilação e, ainda assim, constroem e desconstroem conhecimentos.

Este mesmo público trata daqueles que frequentemente são sub-metidos às práticas docentes onde os conteúdos são descontextualiza-dos, sem razão de ser, e condenados a uma política do menor esforço, que, em sua grande maioria, jamais fora pretendida ou desejada por eles próprios, mas, impostas por profissionais que desmerecem e des-respeitam seus direitos enquanto indivíduos que buscam, todavia, co-nhecimento, mas, não os que estejam longe de sua realidade e que não os ajudam em seu crescimento pessoal e profissional.

Por outro lado, sentimos necessidade também de descrever os es-tudantes da EJA através da caracterização explicitada por Faria (2012, p. 7):

Os sujeitos da EJA são: negros, brancos, indígenas, amarelos, mes-tiços; mulheres, homens, jovens, adultos, idosos; quilombolas, pantaneiros, ribeirinhos, pescadores, agricultores, trabalhadores, desempregados; origem rural ou urbana; vivendo em metrópoles cidade pequena ou campo; livre ou privado de liberdade por estar em conflito com a lei; pessoas com necessidades educacionais es-peciais, todas elas constituem as singularidades do povo brasileiro,

Formação docente 119 e necessariamente precisam permear os encaminhamentos, os pla-nejamentos e implementações de políticas para a EJA.

Nessa descrição, podemos inferir, portanto, que o sujeito estudan-te da EJA no Brasil nada mais é do que o reflexo da população que for-ma as for-mais diversas classes sociais. A autora deixa subentendido que esses alunos e alunas necessitam dos seus direitos, não somente ga-rantidos nos documentos que regram esse contexto educacional, mas nas ações governamentais que possam lhes assegurar com dignidade e verdade tais direitos.

Conclusões

Ao aprofundarmos no percurso sobre a formação docente em nos-so país, compreendemos tratar de um momento permeado por difi-culdades, anseios, evolução, retrocesso, descompromisso e até mesmo perseguição. Isto porque, em determinado momento de nossa histó-ria como povo inserido em um contexto educacional inspirados nos mais diversos modelos existentes, percebemos que nos falta ainda uma identidade mais promissora e que nos credencie como nação em de-senvolvimento e progresso.

No que se refere à EJA, fica claro que necessitamos de mais espaços de formação. Contudo, não nos deixemos enganar, pois, os espaços aos quais nos referimos precisam existir com uma política de fiscalização que possa garantir que todos que realmente necessitam dessa forma-ção estejam de fato sendo contemplados.

Precisamos, enquanto docentes, dizer “não” ao sistema em alguns aspectos educacionais no qual estamos inseridos. Precisamos dizer

“não” aos programas destinados a EJA e que são arbitrariamente mo-dificados de acordo com a necessidade transitória dos governos, que, até aqui, não nos promoveu uma ação que pudéssemos de fato atestar como primordial e necessária à continuidade do que se é planejado e proposto nesse segmento. Estamos caminhando ainda insatisfeitos nesse sentido.

Valorizamos e destacamos o legado deixado por Paulo Freire para a EJA. Salientamos que não se trata somente de pensamentos inovado-res. Temos plena convicção que, em suas pesquisas, ele nos deixa uma estrada com inúmeras conversões, rotatórias, desvios, deslizes, aclives e declives, que, verdadeiramente, nos proporcionarão satisfação pes-soal e profissional no ato de educar.

Estamos conscientes que permanecemos com muitas amarras em nossa práxis educativa. Porém, em estudar com mais afinco os ideais de Freire, nos colocamos a frente de um tempo, vislumbrando melho-rias educacionais que possam garantir aprendizagem em um contexto de preconceitos desfeitos e conceitos construídos a partir das expe-riências de educandos, educandas, professores e professoras.

Esse interesse por uma formação docente ganha sentido quando nos deparamos com o nosso púbico alvo. Percebemos que as caracte-rísticas nas quais estão imersos esses sujeitos e sujeitas da EJA reflete a necessidade do olhar afetivo do docente para o seu alunado. Isto por-que, uma boa relação entre ambos ajuda não somente na quantidade de educandos nas salas de aulas, mas, em sua permanência nesse espaço, o que é muito difícil.

Permaneçamos imbuídos pelo desejo de lutar mais, querer mais do que já conseguimos em se tratando de benefícios para a EJA. Isto re-presenta a nossa resistência e principalmente a conscientização de que estar nesse espaço é fazer parte da travessia de uma espécie de campo minado, onde a qualquer momento podemos ser surpreendidos por explosões capazes de fechar os espaços de aprendizagens destinados a essa finalidade estudantil.

Percebemos claramente que o legado deixado pelo Professor Paulo Freire pode e auxilia virtuosamente no processo de ensino-aprendiza-gem da EJA. Entretanto, isto só é possível se cada professor e professo-ra espalhados nas instituições de ensino do país tenham o compro-misso de trabalhar o cotidiano do seu aluno, criando meios de levá-lo à percepção de que o que é estudado dentro dos muros da escola está, de alguma forma, ligado aos seus saberes cotidianos. E mais, colaborar para que o seu educando desenvolva uma consciência crítica capaz de

Formação docente 121 promover-lhe uma libertação intelectual provedora do entendimento real da necessidade de estudar.

Referências

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.

São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências educacio-nais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998.

PAZ, J. da S. Formação para os educadores da educação de jovens e adultos.

2015. Disponível em http://sistemas3.sead.ufscar.br/snfee/index.php/snfee/arti-cle/viewFile/168/62. Acesso em: 12 nov. 2018.

SCHÖN, D. A. Formar Professores como Profissionais Reflexivos. In: NÓ-VOA, A. (coord.). Os professores e a sua formação. 3. ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997.

123

7

Formação docente na EJA e