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Direito Humano à Alimentação Adequada: conceitos e história

2 MARCO CONCEITUAL

2.2 SAN e DHAA: conceitos, princípios e articulação com a saúde

2.2.3 Direito Humano à Alimentação Adequada: conceitos e história

O conceito de DHAA é resgatado aqui tal como foi definido pelo Relator Especial da ONU para o direito à alimentação no ano de 2002. Segundo o mesmo, o DHAA é:

[...] um direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente, ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais do seu povo e que garantam uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual ou coletiva (VALENTE et al., 2007, p. 9)

Por ser um direito humano, o DHAA tem vigência universal e existe independentemente de seu reconhecimento pela Constituição de um país, tendo como único requisito para sua titularidade a condição de pessoa humana. Esse direito é reconhecido pelas normas internacionais como um requisito indispensável para a realização de outros direitos humanos. Contudo, faz-se importante destacar o caráter de indivisibilidade e interdependência que os direitos humanos possuem (CONTI, 2007).

O Brasil, como Estado-membro das Nações Unidas, participa de acordos, tratados, pactos e declarações referentes aos direitos humanos. Entre estes, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A Declaração prevê no artigo 25 que “todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação[...]” (ONU, 1948, p. 4). Essa Declaração consistiu-se num marco referencial e num paradigma ético para a ordem internacional, uma vez que trouxe uma contribuição histórica para a humanidade ao instituir uma ordem internacional no respeito à dignidade da pessoa humana, consagrando valores básicos essenciais (CONTI, 2007).

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC reconhece no seu artigo 11 o “direito de todos a um padrão de vida adequado [...] inclusive à

alimentação adequada” e o “direito fundamental de todos de estar livre da fome” (ONU, 1966,

p.5). A partir desses dois documentos, o DHAA tornou-se um direito humano fundamental, devendo os Estados membros envidar esforços para a sua realização progressiva, tendo em vista a abrangência e extensão desse direito.

No Brasil, os direitos humanos ganham relevo a partir da promulgação da Constituição de 1988, sendo o direito à alimentação implícito nos seus princípios e artigos. Esta tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, no qual o ser humano é fundamento e fim da sociedade e Estado (PIOVESAN, 2010).

A partir de 2010, através de emenda constitucional, o direito à alimentação é incorporado ao rol dos direitos sociais na Constituição Brasileira. O artigo 6º passa a ter a seguinte redação:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição [grifo meu] (BRASIL, 2010c, p.1).

Rodriguez (2007) afirma que os direitos sociais são os que mais se aproximam do princípio da dignidade humana e da cidadania, pois estes visam reduzir desigualdades sociais,

sendo fundamentalmente destinados a melhorar a qualidade de vida dos mais vulneráveis. Assim, o DHAA como direito social confere maior força ao compromisso assumido pelo Estado em concretizar progressivamente o direito à alimentação no território brasileiro. Uma

vez que, segundo Rodriguez (2007, p.115), os direitos sociais “se convertem em paradigma

para a ação do Estado e, por isso, são conhecidos como direitos de prestação, ou seja, direitos que pressupõem um protagonismo ativo-presencial por parte dos poderes públicos”.

O DHAA, segundo a ONU (1999), possui duas dimensões indivisíveis. São elas: o direito de estar livre da fome e o direito à alimentação adequada. Portanto, a luta contra a fome é parte da concretização desse direito, porém a realização plena do DHAA não se limita a isso. Dessa forma, a ONU (1999) enfatiza que esse direito não pode e não deve ser reduzido a um pacote de calorias e nutrientes, numa concepção restrita que se torna incongruente com a definição do DHAA já referida acima.

Tendo em vista as duas dimensões indivisíveis do DHAA e a necessidade de discutir aspectos estratégicos ligados à construção da promoção da alimentação saudável e adequada no Brasil, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA formou um Grupo de Trabalho o qual elaborou um documento que, dentre outras coisas, descreveu os princípios conceituais e estratégicos relacionados a essa proposta. Segundo o documento:

A alimentação adequada e saudável é a realização de um direito humano básico, com a garantia do acesso permanente e regular, de forma socialmente justa, a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais dos indivíduos, de acordo com o ciclo de vida e as necessidades alimentares especiais, pautada no referencial tradicional local. Deve atender aos princípios de variedade, equilíbrio, moderação, prazer (sabor), as dimensões de gênero e etnia, e às formas de produção, ambientalmente sustentáveis, livre de contaminantes físicos, químicos, biológicos e de organismos geneticamente modificados (CONSEA, 2007, p.9).

Tendo como base este documento, Leão e Recine (2011) resumiram em uma representação gráfica as oito dimensões presentes no conceito de alimentação saudável e adequada, são elas: adequação nutricional; acesso físico e financeiro; qualidade sanitária; realização de outros direitos; respeito à valorização da cultura alimentar e regional; acesso à informação; respeito às diversidades; e a ausência de agrotóxicos e organismos geneticamente modificados. Tais autoras defendem que estas dimensões remetem a questões mais amplas de justiça social e econômica de um país, a exemplo da reforma agrária e de uma política agrícola que valorize a agricultura familiar e práticas ecológicas sustentáveis.

Este conceito considera que “o alimento tem funções transcendentes ao suprimento das necessidades biológicas, pois agrega significados culturais, comportamentais e

afetivos singulares que não podem ser desprezados” (BRASIL, 2012, p. 34).