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NASF: diretrizes, ferramentas de trabalho e conceitos

2 MARCO CONCEITUAL

2.3 Sistema Único de Saúde

2.3.3 NASF: diretrizes, ferramentas de trabalho e conceitos

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Tendo em vista a larga utilização dessa publicação no contexto do estudo, seu título será resumido ao longo do texto, sendo substituído pela sigla CAB-NASF.

Com a criação do NASF estava colocada a problemática da organização do trabalho desta equipe, a portaria fundante trazia delineações muito genéricas acerca de como os profissionais deveriam organizar-se para concretizar o apoio às equipes de ABS. Assim, visando oferecer subsídios para a estruturação do processo de trabalho do NASF, o MS lançou, em 2009, o CAB-NASF. Cabe pontuar que, o período entre a inserção do NASF e o lançamento do CAB-NASF poderá ter propiciado inúmeras formas de interpretação do modo de organização do processo de trabalho desses profissionais nos municípios brasileiros.

Nesta publicação, os preceitos relativos à ESF são realçados, pelos quais os profissionais deverão guiar sua atuação, quais sejam: desenvolvimento da noção de território; ação interdisciplinar e intersetorial; educação permanente em saúde dos profissionais e da população; integralidade, participação social, educação popular; promoção da saúde e humanização; sendo a integralidade a diretriz principal a ser observada pelo NASF (BRASIL, 2009a).

Ainda segundo o documento, os requisitos elencados acima, além do conhecimento técnico, exigem dos profissionais que o compõe:

[...] o desenvolvimento de habilidades relacionadas ao paradigma da Saúde da Família. Deve estar comprometido, também com a promoção de mudanças na atitude e na atuação dos profissionais da SF e entre sua própria equipe (NASF) [...] (BRASIL, 2009a, p. 10).

O apoio às equipes de saúde da família e de outras formas de ABS é central na proposta NASF, este deverá ser realizado através de um trabalho interdisciplinar que tem como fundamento a concepção de apoio matricial, realizado por profissionais que anteriormente não estavam inseridos no âmbito da ESF (BRASIL, 2009a).

Gastão Wagner Campos, empenhado em discutir a reforma das organizações e do trabalho em saúde, desenvolve os conceitos de apoio matricial e equipes de referência (CAMPOS; DOMITTI, 2007). Segundo os autores, apoio matricial e equipe de referência constituem-se ao mesmo tempo “arranjos organizacionais e uma metodologia para a gestão de trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se clínica ampliada e

integração dialógica entre distintas especialidades e profissões” (CAMPOS; DOMITTI, 2007,

p.400).

Segundo os autores, esta concepção de organização do trabalho em saúde parte do pressuposto de que nenhum profissional de maneira isolada consegue assegurar, por si só, uma abordagem integral dos problemas que se apresentam ao sistema de saúde. Assim, o apoio matricial é realizado por profissionais que não compõem as equipes de referência, com

o objetivo de agregar saberes a estas, bem como colaborar com intervenções que resultem em uma maior resolutividade dos problemas de saúde sob a responsabilidade desta equipe. Assim, a incorporação dos apoiadores matriciais visa dois tipos de suporte à equipe de referência: retaguarda especializada e suporte técnico-pedagógico.

Como pode ser inferido do parágrafo acima, a tecnologia do apoio matricial é complementada pela concepção de equipe de referência. Segundo Campos (1999), esta equipe configura-se como a estrutura nuclear dos serviços de saúde, responsabilizando-se pela atenção longitudinal à saúde de uma clientela definida, sendo formada por profissionais considerados essenciais na condução de problemas de saúde, constituindo-se na referência do cuidado em saúde para os sujeitos. O autor enfatiza que a vinculação da equipe a uma clientela definida objetiva a construção de uma responsabilidade não por atividades ou procedimentos, e sim uma responsabilidade de pessoas por pessoas. No caso da ESF, a equipe de referência corresponde à equipe de saúde da família, na qual há o pressuposto de que existe uma interdependência entre os profissionais (BRASIL, 2009a).

Nesse sentido, a equipe de referência pensada por esta proposta vai de encontro ao fundamento da ESF acerca da construção de vínculo entre profissionais e usuários do sistema,

uma vez que, segundo Campos (1999, p. 400), “tratar-se-ia [...] de restaurar um processo de

trabalho em que a possibilidade de trabalhar-se o vínculo fosse cotidiana e corriqueira e não apenas resultado do esforço heroico de alguns”.

Campos e Domitti (2007) destacam ainda os dois principais conceitos envolvidos no termo apoio matricial. Segundo os autores, a opção pela palavra matricial na expressão agrega a ideia de horizontalidade nas relações entre profissionais-referência e apoiadores matriciais, no intuito de romper a hierarquia e verticalidade estabelecida em sistemas de saúde engessados. Complementarmente, o termo apoio sugere que as relações construam-se com base em processos dialógicos entre os profissionais, por meio do compartilhamento de responsabilidades entre estes. A proposta é que a gestão do trabalho migre de uma perspectiva de corporações profissionais e se estabeleça a partir de uma lógica interdisciplinar

Nesse sentido, o apoio matricial demanda que na organização do serviço de saúde sejam previstos espaços de comunicação ativa entre os profissionais, possibilitando assim o compartilhamento de conhecimentos e colaborando no estabelecimento de relações mais democráticas entre estes, promovendo a condução dos conhecimentos disciplinares em prol de intervenções que valorizem as singularidades dos sujeitos e de um equilíbrio dinâmico entre esses diferentes conhecimentos presentes nas equipes (CAMPOS; DOMITTI, 2008).

Segundo Cunha e Campos (2011), para a realização do apoio matricial faz-se imprescindível que as relações entre apoiadores e equipe de referência sejam personalizadas, bem como haja a construção e consolidação de rotinas que ampliem as possibilidades de realizar a atenção especializada, tais como atendimento compartilhado, discussão de casos, apoio por telefone, entre outros. Além disso, o estabelecimento de diretrizes que embasem o acionamento dos apoiadores, tornando evidentes as responsabilidades de cada profissional envolvido, é uma prática que organiza e propicia uma melhor estruturação dessa ferramenta.

O CAB-NASF faz referência aos profissionais do NASF como apoiadores matriciais, responsáveis simultaneamente por duas dimensões de suporte na ESF: assistencial e técnico-pedagógico. O suporte assistencial é referido como a atuação clínica dos apoiadores em contato direto com os usuários e o técnico-pedagógico refere-se à realização de ações que tenham como alvo a equipe de saúde da família, no intuito de instrumentalizá-la com saberes diferentes propiciando uma maior resolutividade das ações. Portanto, a responsabilidade da equipe NASF não incide apenas no usuário do sistema de saúde, mas também sobre a equipe de saúde da família (BRASIL, 2009a).

Dessa forma, a publicação enfatiza que o fluxo dos diversos saberes disciplinares existente na proposta de apoio matricial demanda o discernimento entre o que é conhecimento específico do especialista e conhecimento compartilhável e comum entre equipe de saúde da família e apoiadores, este deve acontecer de maneira sempre dinâmica e mutável conforme as situações vivenciadas pelas equipes. A ideia é que estes saberes estejam a serviço das necessidades de saúde existentes nos territórios e não apenas em busca de demarcação de espaços de corporações profissionais.

Campos e Domitti (2007) antecipam algumas questões-limite que podem surgir durante a estruturação dos serviços de saúde a partir da lógica do apoio matricial. Uma delas refere-se à fragmentação histórica presente nos modos de organização dos serviços de saúde, dificultando a construção da responsabilidade compartilhada e do diálogo entre os profissionais. Outra questão versa sobre a concentração do poder dentro dos serviços de saúde nas mãos de chefes e diretores, não sendo comum a existência de espaços de cogestão, inibindo assim o estabelecimento de relações democráticas. A pouca disponibilidade dos profissionais em construir um trabalho interativo e interdisciplinar devido a obstáculos subjetivos e culturais advindos de sua formação técnica e humana pode também apresentar-se. Além da dificuldade de construção de uma clínica que privilegia e tem como centro o sujeito. Esses limites mostram-se de formas diversas durante a organização do processo de trabalho nos CSF brasileiros.

A respeito deste último desafio, Campos e Domitti (2007, p.405) afirmam que

“[...] o apoio matricial é um dispositivo importante para a ampliação da clínica [...]”. Cunha (2005) enfatiza que a construção da clínica ampliada demanda a assunção das subjetividades que permeiam o processo de constituição do cuidado em saúde. O autor relembra que a clínica é produzida a partir do encontro de sujeitos e suas subjetividades, profissionais de saúde e usuários, que precisam ser valorizadas durante a construção do cuidado. Assim, a clínica que se propõe ampliada consiste em transformar a atenção individual e coletiva de forma a possibilitar que, além do aspecto biológico, outros aspectos possam ser incorporados nas práticas de saúde.

Cunha (2005) defende que, na Atenção Básica à Saúde, a clínica pensada através do modelo biomédico, na qual o trabalho em saúde é centrado em procedimentos, sofre um abalo, necessitando ser reconfigurada.

Trata-se de reconhecer um compromisso com o sujeito e a sua capacidade de produção da própria vida. É uma Clínica que se abre para perceber e ajudar o sujeito doente a construir sua percepção sobre a vida e o adoecimento (CUNHA, 2005, p. 64).

Em grande parte dos problemas de saúde de uma população sob a responsabilidade de uma equipe de saúde na Atenção Básica, será impossível fazer alguma intervenção efetiva sem conquistar a participação e compreensão das pessoas. A capacidade de diálogo na Atenção Básica é realmente essencial – o que implica disposição (e técnica) para escuta, em aceitação do outro e de seus saberes (CUNHA, 2005, p. 26).

Portanto, não se trata apenas de realizar um cuidado meramente técnico e asséptico às subjetividades envolvidas na sua construção, mas sim de conceber o usuário como um autor de seu itinerário terapêutico e de sua própria vida, ampliando sua capacidade de percepção sobre seu corpo e suas experiências de saúde e adoecimento como parte da condução do cuidado longitudinal.

A partir da influência da concepção de clínica deste autor e de Campos (1999), a clínica ampliada pensada para a proposta do NASF incorpora: a concepção ampliada do processo saúde-doença, construindo sínteses entre os saberes disciplinares a partir das situações reais vivenciadas pelos sujeitos; a construção de diagnósticos e terapêuticas compartilhadas, a partir do reconhecimento da complexidade dos problemas de saúde

apresentados; a ampliação do “objeto de trabalho” dos profissionais, superando a lógica

fragmentada da atuação, reconhecendo que esta destina-se a indivíduos ou grupos; a

transformação dos “meios” ou instrumentos de trabalho, privilegiando arranjos que permitam

compartilhamento da clínica; e o suporte para os profissionais de saúde, de modo que eles possam lidar com as próprias incertezas, dificuldades inerentes ao processo de trabalho (BRASIL, 2009a).

Visando a operacionalização dos princípios e propostas que embasam o processo de trabalho do NASF, a publicação supracitada enfatiza três ações prioritárias a serem desenvolvidas pelos profissionais dessa equipe:

a) Atendimento compartilhado para uma intervenção interdisciplinar [...]; b) Intervenções específicas do profissional do Nasf com os usuários e, ou famílias com discussão e negociação a priori com os profissionais da equipe de SF responsáveis pelo caso, de forma que o atendimento individualizado pelo Nasf se dê apenas em situações extremamente necessárias;

c) Ações comuns nos territórios de sua responsabilidade desenvolvidas de forma articulada com as equipes de SF [...] (BRASIL, 2009a, p. 20-21).

As ações prioritárias parecem ter sido estruturadas de modo a permitir um contato direto e constante dos apoiadores matriciais com a equipe de saúde da família, já que a inserção de outras categorias profissionais na ESF incorria no risco de somente agregar saberes disciplinares de modo fragmentado ao cuidado realizado pela equipe de saúde da família.

A organização do processo de trabalho do NASF prevê ainda a realização de ações de saúde referenciadas por nove áreas estratégicas, entre elas a área de alimentação e nutrição. Em seguida, essa área é discutida visto que o sujeito desta pesquisa corresponde ao profissional nutricionista, o qual, segundo a proposta, deve constituir-se em um profissional- referência na articulação do desenvolvimento dessas ações na ESF.