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2 MARCO CONCEITUAL

4.1 Fenomenologia e hermenêutica

Por ser este estudo o meu primeiro contato com a fenomenologia, utilizarei como embasamento para a discussão autores que fazem uma interpretação do que Edmund Husserl, precursor desta vertente filosófica, considerou os conceitos centrais de sua fenomenologia, principalmente Dartigues (2008), Depraz (2008), Zilles (2007) e Bosi (2009).

A fenomenologia surge, no início do Século XX, como um estudo descritivo dos fenômenos que se oferecem à experiência do sujeito. Segundo Depraz (2008), os traços fundamentais que caracterizam a fenomenologia de Husserl são: o retorno à experiência do

sujeito e o método de descrição detalhada dos fenômenos. O autor afirma que, através desses traços, ela possibilita um pensar a realidade de forma rigorosa, tendo como base o retorno à própria realidade, às coisas mesmas, ao fenômeno tal qual como se apresenta à consciência.

Um dos conceitos centrais na fenomenologia husserliana é o de intencionalidade, o qual se refere à concepção de consciência no pensamento do autor. Para ele, a consciência é sempre uma “consciência de alguma coisa”, essa está sempre dirigida a um objeto. O objeto é sempre um objeto-para-uma-consciência, não sendo jamais um objeto em si. Assim, consciência e objeto não constituem duas entidades separadas na natureza, e sim se definem respectivamente a partir de uma correlação, sendo inconcebível o rompimento dessa correlação (DARTIGUES, 2008). Tendo em vista o caráter intencional da consciência desenvolvido por Husserl, Bosi (2009) afirma que a abordagem fenomenológica na pesquisa qualitativa possibilita uma radicalidade da presença do sujeito epistêmico no decorrer da construção do trabalho científico.

Dartigues (2008) afirma que a atitude fenomenológica, para Husserl, corresponderia a uma postura na qual a consciência suspenderia sua crença na realidade do mundo, colocando-se ela mesma como condição de aparição desse mundo, doando sentido a ele. Desse modo é que a intencionalidade conduz à redução fenomenológica, a epoché. A epoché coloca entre parênteses a realidade tal como é percebida pelo senso comum, toda verdade percebida a priori. A epoché instala uma atitude de questionamento que tem como objetivo o desvelamento do sentido original do fenômeno, renunciando a uma maneira ingênua de considerar o mundo (DEPRAZ, 2008). Fenômeno colocado aqui como tudo aquilo que se apresenta à consciência (ZILLES, 2007).

Dartigues (2008, p.26) contribui com uma metáfora que pode ilustrar a tarefa da fenomenologia:

Trata-se de distender [...] o tecido da consciência e do mundo para fazer aparecer os seus fios, que são de uma extraordinária complexidade e de uma arânea fineza. Tão finos que não apareceriam na atitude natural, a qual se contentava em conceber a consciência como contida no mundo [...].

Corroborando a metáfora do autor, Zilles (2007) afirma que a fenomenologia é uma descrição da estrutura específica do fenômeno, desvelando a essência da correlação entre consciência-objeto. O autor destaca que Husserl, buscando uma evidência que implicasse numa ausência completa de dúvidas, exercita a epoché em graus sucessivamente mais elevados.

Carvalho (2006), desenvolvendo uma reflexão sobre a fenomenologia, assinala que só torna-se possível desvelar a essência dos fenômenos através da análise descritiva das essências da consciência e dos seus atos, a qual possibilita a investigação em profundidade do sentido atribuído ao fenômeno investigado pelos informantes.

Deste modo, considero que os conceitos presentes na fenomenologia constituem- se elementos importantes para a adoção de uma postura permanentemente crítica de meus próprios pressupostos em relação a esta pesquisa, uma vez que o objeto a que ela se refere tem íntima relação com experiências vivenciadas anteriormente por mim. A investigação em profundidade do sentido atribuído ao fenômeno em estudo pelos informantes, possibilitada pela fenomenologia, é coerente com esta pesquisa, uma vez que trata de acessar produções subjetivas de nutricionistas acerca de sua inserção em determinado lócus da área da saúde.

A hermenêutica representa o fundamento epistemológico da análise das informações da presente pesquisa. Para a breve discussão empreendida aqui, tendo em vista este estudo representar minha primeira aproximação com a hermenêutica, referencio Minayo (2010), Ayres (2005), Gadamer (2011), entre outros.

Minayo (2010) cita Gadamer (1999) para afirmar que a hermenêutica busca a compreensão de sentido que se dá na comunicação entre seres humanos, tendo a linguagem como núcleo central. Ainda segunda a autora, essa perspectiva trabalha com a comunicação da vida cotidiana e do senso comum, dentro de alguns pressupostos: o ser humano como ser histórico e finito complementa-se por meio da comunicação; sua linguagem também é limitada, sendo histórica e socialmente condicionada; e, por isso, faz-se necessário compreender também seu contexto e sua cultura.

O interesse da hermenêutica de Gadamer não corresponde a uma busca por uma verdade objetivada, e sim à desocultacão, à revelação dos sentidos através da linguagem. O autor entende que a linguagem possibilita uma síntese entre o horizonte do passado e do presente. Portanto, afirma que a linguagem possui sua própria historicidade, sendo assim, a verdade como desocultação possui também sua própria historicidade e temporalidade. O autor defende a idéia de que o momento histórico em que vivemos continua sendo atuante em toda

compreensão, “compreender é um processo histórico-efeitual, e se poderia demonstrar que é

na linguagem própria a toda compreensão que o acontecimento hermenêutico traça seu

caminho” (GADAMER, 2011, p.81).

Todavia, a compreensão, segundo Gadamer (1999), implica fundir horizontes. A fusão de horizonte do intérprete com o horizonte daquele que é interpretado, bem como a relação do horizonte próprio do intérprete com o outro horizonte possibilita o nascimento de

um novo horizonte. Assim, há o entendimento de que a verdade do texto não está somente na opinião do autor, nem apenas nas concepções prévias do leitor, mas na fusão de horizontes de ambos. Deste modo, o intérprete não pode impor ao texto sua pré-compreensão, devendo sempre confrontá-la com as possibilidades do contexto (RIBEIRO; BRAGA, 2008).

Tendo em vista esta noção de fusão de horizontes, Gadamer (2011, p.78) afirma

que “compreender significa primeiramente entender-se na coisa e, só em segundo lugar, apartar e compreender a opinião do outro como tal”. O autor diz que as opiniões prévias

acerca do texto são o ponto de partida da hermenêutica, entretanto, o intérprete não deve entregar-se à sua pré-compreensão cegamente, sob o risco de não abrir-se a ouvir a opinião do

texto. “[...] uma consciência formada hermeneuticamente deve ser de antemão receptiva a alteridade do texto”, portanto, pressupõe “[...] tomar consciência das próprias opiniões prévias

e preconceitos e realizar a compreensão guiada pela consciência histórica” (GADAMER, 2011, p.76-77).

Nesta perspectiva, a experiência é um dos fundamentos da hermenêutica. A experimentação em contato com novos espaços de compreensão vai desdobrando o sentido das coisas, num processo infinito de alagar os horizontes, construindo e reconstruindo o sentido de estar no mundo. Isto se constitui no chamado círculo hermenêutico de Gadamer, no qual o horizonte do intérprete envolve pré-conceitos e esses se defrontam continuamente com novas possibilidades no contexto. A partir disso, os pré-conceitos retornam ao intérprete já modificado (NUNES; PELIZZOLI, 2011).

Minayo (2010), numa tentativa de sintetizar o pensamento de Gadamer acerca da compreensão, afirma que compreender implica a possibilidade de interpretar, estabelecer relações e extrair conclusões. Porém, este compreender acaba sendo sempre um compreender- se, pois apresenta uma finitude. Esta finitude inerente ao compreender se dá pelas limitações da consciência histórica do investigador. Portanto, a leitura que ele fará será sempre a possível, tendo em vista que se dará sob o olhar do presente, e guiar-se-á por interesses, pressupostos e questões. A autora diz ainda que a intersubjetividade é proposta pela hermenêutica como o chão da ação humana e do processo científico.

Carvalho (2006) contribui, a partir de um diálogo que estabelece com a hermenêutica gadameriana, afirmando que a tarefa da hermenêutica consiste em compreender o sentido, ou sentidos, do texto a partir da realidade em que este foi produzido. Desse modo, Gadamer (2011) destaca que a essência do pesquisador consiste na capacidade de estabelecer rupturas que possibilita ver novas perguntas e novas respostas.

Neste sentido, o texto referido acima corresponde, na presente pesquisa, aos discursos dos participantes, aos textos construídos a partir das falas dos sujeitos da pesquisa. A partir dos quais, eu, intérprete-pesquisadora, irei, num exercício interpretativo, realizar a construção negociada de sentido, da qual Deslandes e Gomes (2007) discorrem.

Ciente de que minha pré-compreensão do mundo, em particular aquela envolvida na minha relação com o objeto desse trabalho, bem como de que os pressupostos trazidos pela literatura são ponto de partida para o exercício hermenêutico, não se trata mais de uma tentativa de anulá-los, mas sim de pô-los em suspenso. Para que deste modo, eu possa entrar em contato com a alteridade dos discursos dos informantes, no caso os nutricionistas, e através desta fusão de horizontes, ambicionar a compreensão a que me proponho no objetivo dessa pesquisa.