• Nenhum resultado encontrado

A indeterminação própria do direito penal internacional 118 e a necessidade de estabelecer seus fundamentos recomendam uma maior atenção da doutrina para o campo dos princípios gerais e fundamentais, principalmente para o princípio da legalidade que é um princípio basilar e estruturante do direito penal moderno, atendendo-se às peculiaridades deste ramo do direito frente aos direitos penais internos, sendo tarefa da mais alta importância, a sua elaboração no direito penal internacional.

O direito penal internacional refere-se às manifestações penais no direito internacional e a amplitude do termo penal está a abranger tanto os aspectos substanciais, quanto os aspectos procedimentais e garantias do direito penal. Envolve direito penal prescrito e autorizado internacionalmente, por normas de direito costumeiro e direito dos tratados. Acompanhamos o conceito de Ambos:

Se entiende por derecho penal internacional (Völkerstrafrecht), tradicionalmente, el conjunto de todas las normas de derecho internacional que establecen consecuencias jurídico-penales. Se trata de una combinación de princípios de derecho penal y de derecho internacional. La idea central de la responsabilidad individual y de la reprochabilidad de una determinada conducta (macrocriminal) proviene del derecho penal, mientras que las clásicas figuras penales (de Núremberg), en su calidad de normas internacionales, se deben clasificar formalmente como derecho inter- nacional, sometiendo de este modo la conducta en cuestión a una punibilidad autónoma de derecho internacional (princípio de la responsabilidad penal directa del individuo según el derecho internacional). Nos encontramos no solo frente a un ordenamiento jurídico-penal internacional nuevo y autónomo, sino también frente a uno amplio, del cual la parte general constituye solamente un pequeño fragmento, si bien desde el punto de vista dogmático probablemente el más importante. 119 [grifo no original]

118 Embora no direito internacional, tem-se preferido a expressão direito criminal, ao invés de direito

penal, preferimos a expressão direito penal porque a pena constitui-se na condição de existência jurídica do crime (BATISTA, 2002, p.48). Direito penal internacional ou direito internacional penal? Preferimos a terminologia direito penal internacional porquanto a substância deste ramo do direito internacional consiste nas suas normas incriminadoras e sancionadoras que se estabelecem num âmbito geográfico de aplicação internacional.

A principal questão é como obter no direito internacional, onde não há uma pluralidade de fontes, normas escritas e costumeiras, com diferentes graus de cogência, com âmbito de aplicações territoriais variados, a garantia de aplicação do princípio da legalidade, combinado com um mínimo de justiça substancial, em um cenário eminentemente político. Observamos que a pura aplicação da teoria da justiça substantiva pode levar a arbitrariedades. Igualmente, a pura aplicação do princípio da legalidade sob o ponto de vista formal, não realiza os objetivos de garantia e de justiça material a que se propõe, pois a legitimidade do direito no direito penal internacional está ligada a dois conceitos: a legitimidade procedimental e a legitimidade material. 120 As dificuldades residem tanto na descoberta das normas aplicáveis ao caso concreto, como na interpretação destas normas conforme o princípio da legalidade. Somadas a estas dificuldades, ressalte-se que o objetivo principal da criação de tribunais internacionais é dar um basta à impunidade de crimes e atrocidades que chocam a consciência universal. Os tribunais têm ab initio tendência de serem pro societate, tribunais mais vulneráveis à influência política, tornando frágil a posição do indivíduo, se comparada à realidade de um processo penal perante um Tribunal nacional, em um país democrático. Requer-se o estabelecimento de um contexto de aplicação da norma minimamente estável, com base no jus cogens, no direito humanitário e no direito internacional dos direitos humanos.

No direito internacional distinguem-se dois tipos de valores fundamentais: os valores protegidos pela tipificação dos crimes internacionais, que são valores subjacentes ao direito internacional humanitário e os valores fundamentais ligados ao processo penal internacional, que são valores protegidos pelas convenções internacionais de proteção aos direitos humanos. O ponto comum destes valores é a dignidade de todo ser humano. 121

As peculiaridades políticas do direito internacional jamais podem ser esquecidas na aplicação dos princípios de direito penal, assim, como a mera transposição de institutos de direito interno ao direito internacional, sem as necessárias ressalvas, apresenta-se totalmente inviável. Os princípios gerais podem

120 NOLLKAEMPER, André. the legitimacy of international law in the case law of the International

Criminal Tribunal for the former Yugoslavia. In: Ambiguity in the Rule of Law: the interface between national and international legal systems. Edited by Thomas A.J.A. Vandamme and Jan-Herman Reestman. Groningen: Europa Law Publishing, 2001, p.14 e 15.

apenas ser aplicados no âmbito internacional se forem compatíveis com as características essenciais e as instituições legais da comunidade internacional 122,

sendo impróprio importar-se mecanicamente à ordem internacional construções legais que não são adequadas às relações internacionais e que não se ajustam ao corpo de direito internacional. 123

Em sendo o direito penal internacional um ramo do direito internacional público, suas fontes são as fontes próprias ao direito internacional público e devem ser consideradas na mesma ordem de importância ditada pela ordem internacional. O direito penal internacional pode originar-se através da celebração de tratados e convenções multilaterais ou através do direito consuetudinário e princípios gerais do direito. 124 Isto não exclui, de forma alguma, a influência dos direitos nacionais, mas esta influência ocorre na medida exata da influência que os direitos nacionais normalmente exerceriam sobre as normas internacionais. Para Cassese, há fontes primárias: os tratados e costumes e fontes secundárias, as regras produzidas pelas fontes costumeiras ou pelas previsões dos tratados, princípios gerais do direito penal internacional e princípios gerais de direito penal, reconhecidos nos maiores sistemas jurídicos do mundo. 125 Além do direito costumeiro, como fontes convencionais do

direito penal internacional, de forma geral, temos os instrumentos de direito humanitário, os instrumentos de direitos humanos e, mais específicamente, as convenções de direito penal internacional. 126

122 Sobre a comprovação da existência da comunidade internacional como uma realidade sócio-

político-legal, ver: DANILENKO, G.M. Law-making in the International Community. Nijhoff, 1993, p. 11-13.

123 CASSESE, Antonio. International Law. New York, USA: Oxford University Press, 2001, p. 158-

161.

124 BASSIOUNI, 1999a, p. 9-11: “[…] (a) The basis for international criminal accountability and ratione

personae is established by international law; (b) The special part of ICL, the ratione materiae, is established by international law, although frequently the elements of these crimes are not always sufficiently established to satisfy the principles of legality a recognized in the world's major criminal justice systems; (c) The general part of ICL, the elements of criminal responsibility, are established by international law whenever internationally created judicial body adjudicates criminal responsibility. […](d) The procedural part of ICL, […] With respect to internationally established adjudicating bodies, they are those rules developed by the legislative authority that established that international adjudicating body. […]; (e) The sanctions part of ICL will also depend on whether the proceedings are conducted by an internationally, created adjudicating body or by national criminal proceedings. […] (f) Enforcement of sanctions is subject to the national laws of the enforcing state, even when the sanction has been established by an internationally established adjudicating body. […] (g) Enforcement modalities of ICL, irrespective of whether prosecution and adjudication is by an internationally created body or by a national legal system, derive from the mixed sources of international law and national laws. […]”

125 CASSESE, 2003a, p. 26.

126 BASSIOUNI, M. Cherif. International Criminal Law Conventions and their Penal Provisions.

Resumindo as idéias de Bassiouni, o direito penal internacional tem algumas características que o tornam marcadamente diferente dos sistemas nacionais 127, entre as quais podemos citar a ausência de codificação, a influência do direito dos tratados e do direito costumeiro, a vagueza e generalidade na definição dos crimes, deixando a desejar em termos de especificidade e a ausência de uma parte geral ou especial estruturadas, além do aspecto multidisciplinar. O direito penal internacional não satisfaz os mais rígidos requisitos do princípio da legalidade. 128

Maison observa que, na órbita internacional, não se trata de proteger o indivíduo isoladamente considerado contra o arbítrio da persecução estatal, mas submeter os agentes principaís de um Estado que desenvolvem uma política criminosa segundo os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas, a uma forma de responsabilidade internacional justificada pela gravidade de seus atos. 129

Quanto à estrutura e desenvolvimento, o direito penal internacional apresenta grande semelhança com o direito penal dos sistemas common law. Ratner explica que, ao lado dos crimes previstos em instrumentos escritos, também existem crimes desenvolvidos através dos precedentes judiciais. O contraste entre a relativa indeterminação e maleabilidade das normas penais internacionais em virtude de sua natureza costumeira e o requisito imperioso que as normas penais sejam claras e específicas, coloca grande responsabilidade sobre os tribunais internacionais: dar a

127 Os direitos penais nacionais têm características difereciais em relação ao direito penal

internacional: BASSIOUNI, 1999a, p. 13: “ […] the two legal systems differ in, inter alia, the following aspects: (i) each system has different higher sources of law to which the actual sources of law of that system are subject […]; (ii) each system has a different hierarchy in its sources of law […]; (iii) in each system, the applicability and binding nature of the actual sources of law differ […]; (iv) in each system the identification and determination of the content of the law differ […]; (v) in each system the nature and binding legal effect of judicial decisions differs […]; (vi) in each system the interaction between actual sources of law and their binding legal effect and content differs; (vii) each system is distinguished by the subjects of the actual sources of law; (viii) in each system the reach and extent of their respective sources of law differs as to its subjects and temporal and spatial applications; (ix) in each system different mechanisms exist for the resolution of conflicts between the applicable sources of law; (x) each system has different exemptions and immunities provided by their respective sources of law that are applicable to certain acts or to certain actors […]; (xi) in each system a difference exists as to the degree of specificity of the legal norms which emanate from their respective sources of law […]; and (xii) each system maintains different methods, enforcement, and techniques arising out of their respective sources of law. […]”

128 BASSIOUNI, 1999a, p. 124 e 125.

129 MAISON, Rafaëlle. Le droit international des droits de l'homme et les juridictions internationales

pénales. In: Droit international, droits de l'homme et juridictions internationales: actes de la table ronde du 10 juillet 2003 organisée par l'Institut international des droits de l'homme. Dir. Gérard Cohen- Jonathan et Jean-François Flauss. 2004, p. 132.

precisão legal e diminuir a incerteza, estabelecendo a existência e conteúdo das normas costumeiras, a interpretação de tratados e a elaboração, baseada em princípios gerais, de categorias legais e construções indispensáveis para a aplicação do direito penal internacional. 130