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O princípio da legalidade no direito penal internacional

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Mônica Aparecida Canato

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Porto Alegre 2009

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O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO DIREITO PENAL INTERNACIONAL

Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial à obtenção do título de doutor em direito, Programa de Pós-Graduação em Direito – Área de Concentração: Direito do Estado e Teoria do Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Martha Lucía Olivar Jimenez

Porto Alegre 2009

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C213p Canato, Mônica Aparecida.

O princípio da legalidade no direito penal internacional / Mônica Aparecida Canato. – Porto Alegre: UFRGS, 2009.

401f.

Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, Porto Alegre, BR-RS, 2009.

1. Direito penal internacional. 2. Direito internacional público. 3. Tribunais internacionais penais. 4. Princípios penais. I. Título. II. Olivar Jimenez, Martha L., orientadora.

CDU 341.4

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DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, a Coordenação do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e a Orientadora, de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Porto Alegre, setembro de 2009.

Mônica Aparecida Canato Doutoranda em Direito

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RESUMO

CANATO, M. A. O Princípio da Legalidade no Direito Penal Internacional. 2009. 270f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

O princípio da legalidade penal surge nos sistemas penais nacionais, em especial nos sistemas de common e civil law, histórica e doutrinariamente de formas bastante diferenciadas, consubstanciando-se em inúmeras garantias de que vão ganhando o status de princípios gerais de direito penal. O princípio e as demais garantias se internacionalizam e surgem como padrão nos direitos humanos internacionais e no direito humanitário internacional. Aparecem na prática internacional nos tribunais militares internacionais de Nuremberg e Tóquio, nos tribunais internacionais de direitos humanos, nos tribunais penais internacionais ad hoc, para a ex-Iugoslávia e para Ruanda, sendo finalmente consagrados no Tratado de Roma, constitutivo do Tribunal Penal Internacional. Através dos parâmetros estabelecidos histórica e doutrinariamente, conforme a origem e fundamentação do princípio nos sistemas nacionais, passamos a examinar a migração do princípio da legalidade e consectários ao direito penal internacional: o nascimento do ius puniendi e as limitações impostas à jurisdição penal, bem como à prática dos tribunais penais internacionais. Os tribunais são analisados quanto à sua constituição, jurisdição e poderes, fontes, princípios de direito penal e casos exemplificando os fatores de instabilidade dos princípios e sua evolução. Concluímos que o princípio da legalidade e os princípios correlatos se comportam diferentemente nas jurisdições penais internacionais porque inseridos na lógica própria do direito internacional público e sujeitos a fatores peculiares a este sistema jurídico.

Palavras-chave: Direito penal internacional. Direito internacional público. Tribunais penais internacionais. Princípios penais.

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ABSTRACT

CANATO, M. A. The Principle of Legality in International Criminal Law. 2009. 270p. Thesis (Doctoral) – Law School, Federal University of Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

The principle of criminal legality arises in national criminal law systems, especially common law and civil law systems, which are historically and doctrinally quite different, consolidating countless guarantees that evolve into general criminal law principles. Such principle and other guarantees become international and emerge as standards in international human rights and international humanitarian rights. They appear in the international practice in international military courts, in Nuremberg and Tokyo, in international human rights courts, in ad hoc international criminal courts, for the former Yugoslavia and Rwanda, being finally consolidated in the Treaty of Rome, which belongs to the International Criminal Court. By means of historically and doctrinally established parameters, according to the origin and substantiation of the principle on national systems, we begin to examine the migration of the legality principle and consequences thereof to international criminal law: the emergence of the punitive claim and the constraints imposed on criminal jurisdiction, as well as the practice of international criminal laws. The courts are analyzed in terms of their constitution, jurisdiction and powers, sources, principles and cases of criminal law, providing examples of the principles' unstableness factors and their evolution. We conclude that the principle of legality and associated principles behave differently in international criminal jurisdictions because they are inserted in public international law's own logic and therefore subject to factors peculiar to this legal system.

Keywords: International criminal law. Public international law. International criminal courts.Criminal law principles.

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RÉSUMÉ

CANATO, M. A. Le principe de la légalité en droit pénal international. 2009. 270f. Thèse (doctorat) – Faculté de Droit, Université Fédérale de l’état du Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brésil, 2009.

Le principe de la légalité pénale surgit dans les systèmes pénaux nationaux, plus particulièrement dans les systèmes de common et civil law, de manière historique et doctrinaire, mais de façons assez différentes, puisqu’il consiste en d’innombrables garanties qui acquièrent le statut de principes généraux de droit pénal. En s’internationalisant, ce principe et ces garanties surgissent comme des normes dans les droits de l’homme internationaux et dans le droit international humanitaire. Ils se retrouvent dans la pratique internationale des tribunaux militaires internationaux de Nuremberg et de Tokyo, dans les cours internationales des droits de l’homme, dans les tribunaux pénaux internationaux ad hoc pour l’ex-Yougoslavie et le Rwanda, avant d’être finalement consacrés par le Traité de Rome, qui crée la Cour pénale internationale. Au travers de paramètres établis de manière historique et doctrinaire, selon l’origine et le fondement de ce principe dans des systèmes nationaux, nous examinons cette migration du principe de la légalité et ses conséquences sur le droit pénal international : la naissance du ius puniendi et les limitations imposées à la juridiction pénale ainsi qu’à la pratique des tribunaux pénaux internationaux. Pour illustrer les facteurs d’instabilité de ces principes et leur évolution, toutes ces cours sont analysées en fonction de leur constitution et juridiction, de leurs pouvoirs, sources et principes de droit pénal ainsi que des cas qui leur sont soumis. Nous en concluons que le principe de la légalité et les principes corrélatifs se comportent différemment dans les juridictions pénales internationales parce qu’ils sont insérés dans la logique propre du droit international public et sujets à des facteurs particuliers à ce système juridique.

Mots-clefs : Droit pénal international. Droit international public. Tribunaux pénaux internationaux. Principes pénaux.

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Dedico este estudo: ao meu esposo (in memorian) e aos filhos amados que contribuíram com inestimáveis

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“Porque até ao regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei.” (Romanos 5:13, ARA)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

2 FUNDAMENTOS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE... 16

2.1 ORIGEM NOS DIREITOS NACIONAIS... 17

2.1.1 Origem Histórica... 18

2.1.2 Doutrina... 24

2.1.3 Sistemas Penais Nacionais... 35

2.1.4 Legalidade Totalitária... 48

3 CONSAGRAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL... 56

3.1 DIREITO PENAL INTERNACIONAL... 57

3.2 FONTES DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL... 61

3.2.1 Direito Costumeiro... 63 3.2.2 Jus Cogens... 71 3.2.3 Tratados... 78 3.2.3.1 Direitos Humanos... 79 3.2.3.2 Direito Humanitário... 96 3.2.4 Princípios Gerais... 102 3.2.5 Decisões Judiciais... 110 3.3 CRIMES INTERNACIONAIS... 114

4 MANIFESTAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL. TRIBUNAIS MILITARES 118 4.1 TRIBUNAL DE NUREMBERG... 120

4.1.1 Constituição... 120

4.1.2 Jurisdição e Poderes... 123

4.1.3 Princípios de Direito Penal... 125

4.1.4 Princípio do Nullum Crimen Sine Lege... 127

4.1.4.1 Crimes Contra a Paz... 132

4.1.4.2 Crimes de Guerra... 134

4.1.4.3 Crimes Contra a Humanidade... 137

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4.2 TRIBUNAL DE TÓQUIO... 141

4.2.1 Constituição... 142

4.2.2 Jurisdição e Poderes... 147

4.2.3 Princípios de Direito Penal... 155

4.2.4 Princípio do Nullum Crimen Sine Lege... 157

4.2.5 Princípio da Nulla Poena Sine Lege... 163

5 MANIFESTAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL. TRIBUNAIS AD HOC... 168

5.1 TRIBUNAL PARA EX-IUGOSLÁVIA... 169

5.1.1 Constituição... 170

5.1.2 Jurisdição e Poderes... 180

5.1.2.1 Poderes Implícitos... 182

5.1.2.2 Regras de Procedimento e Prova... 185

5.1.3 Fontes... 191

5.1.3.1 Direito Penal Costumeiro... 194

5.1.3.2 Precedentes... 198

5.1.3.3 Referência aos Direitos Nacionais... 201

5.1.4 Princípios de Direito Penal... 204

5.1.4.1 Princípio do Nullum Crimen Sine Lege... 207

5.1.4.1.1 Princípio da construção estrita, interpretação literal e teleológica... 213

5.1.4.1.2 Interpretação de tratados multilíngües... 221

5.1.4.2 Princípio do Nulla Poena Sine Lege... 221

5.2 TRIBUNAL PARA RUANDA... 228

5.2.1 Constituição... 229

5.2.2 Jurisdição e Poderes... 233

5.2.2.1 Princípio do Ne Bis in Idem... 238

5.2.2.2 Regras de Procedimento e Prova... 239

5.2.3 Fontes... 240

5.2.3.1 Direito Penal Costumeiro... 241

5.2.3.2 Precedentes... 243

5.2.3.3 Referência aos Direitos Nacionais... 244

5.2.4 Princípio do Nullum Crimen Sine Lege... 246

5.2.4.1 Princípio da Construção Estrita, Interpretação Literal e Teleológica... 248

5.2.4.2 Interpretação de Tratados Multilíngües... 252

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5.3 DESCUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO NOS TRIBUNAIS AD HOC... 259

6 CONSAGRAÇÃO NO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL... 267

6.1 CONSTITUIÇÃO... 269

6.1.1 Legalidade e Legitimidade... 269

6.2 JURISDIÇÃO E PODERES... 271

6.2.1 Princípio do Ne Bis in Idem... 277

6.3 FONTES... 278

6.3.1 Direito Penal Costumeiro... 287

6.3.2 Precedentes... 293

6.3.3 Referência aos Direitos Nacionais... 297

6.4 PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL... 299

6.4.1 Princípio do Nullum Crimen Sine Lege... 307

6.4.1.1 Lex Scripta... 313

6.4.1.2 Lex Certa... 315

6.4.1.2.1 Lex certa e linguagem... 318

6.4.1.2.2 Definição dos crimes de guerra... 322

6.4.1.2.3 Lex certa e determinação da sentença... 326

6.4.1.3 Lex Stricta... 326

6.4.1.4 Lex Praevia... 332

6.4.2 Princípio do Nulla Poena Sine Lege... 340

6.4.3 Descumprimento do Princípio ... 346

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS...350

REFERÊNCIAS...357

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca conhecer o conteúdo e a aplicação do princípio da legalidade e dos princípios penais correlatos no direito penal internacional. Foram estabelecidos alguns pressupostos para a condução da pesquisa, a seguir enumerados em ordem de generalidade decrescente: a) as normas internacionais constituem um verdadeiro corpo de direito e não, uma mera moralidade positiva; b) o direito penal internacional, bem como os tribunais internacionais, estão contidos dentro do sistema de direito do direito internacional público e, portanto, sujeitos às peculiaridades deste sistema; c) no contexto histórico atual, vivemos um direito internacional de soberanias estatais limitadas, com ênfase e valorização dos direitos humanos internacionais, cujo princípio fundamental consiste no respeito à dignidade da pessoa humana: decorrem como ilegais, portanto, a criação de tipos penais ou a imposição e execução de penas que afrontem a dignidade da pessoa humana, bem como são ilegais a tipificação de condutas não importantes e não lesivas, a imposição de ideologias políticas, culturais, morais ou religiosas, ou a punição de atitudes internas; d) o princípio da legalidade apresenta um caráter dúplice: autoriza o nascimento, exercício e execução do ius puniendi, mas, por outro lado, representa garantia para o acusado contra o uso arbitrário do poder; e, e) a efetividade do princípio da legalidade depende do respeito aos princípios basilares correlatos de direito penal em todas as etapas da persecução penal democrática (devido processo penal).

O tema é de atualidade e importância. Não são poucos os fracassos da justiça internacional: nenhum órgão internacional jamais se pronunciou sobre a legalidade do bombardeio atômico sobre Hiroshima e Nagasaki. Inúmeros conflitos armados têm ocorrido após a IIª Guerra Mundial, deixando um rastro de violência e impunidade pelas vidas de milhões de seres humanos assassinados. Nem as Nações Unidas, nem seus diversos órgãos, nem outras organizações internacionais mais especializadas têm obtido sucesso necessário para prevenir e conter as ameaças e quebras da paz internacional. Os Estados tendem a reagir apenas se diretamente afetados ou se ocorrer quebra de obrigações recíprocas, envolvendo seus interesses diretos. Permanecem, via de regra, indiferentes quando valores mais

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abstratos como a paz, ou valores humanitários como a dignidade humana sofrem violentas agressões.

Em resposta aos desafios, no âmbito dos direitos nacionais, ocorreu o alargamento das competências jurisdicionais (jurisdição universal) e a ratificação e internalização de inúmeras convenções penais internacionais. Historicamente, os tribunais nacionais têm falhado na sua missão de processar os crimes internacionais. Falta legitimidade aos tribunais nacionais em representar a comunidade internacional, em persecuções penais de crimes internacionais que envolvem a humanidade como um todo, compreendida enquanto gênero humano. Vários Estados não têm conseguido exercer a jurisdição universal, apesar de seus esforços. A aplicação de tratados que impõem aos Estados o exercício de jurisdição universal ocorre esporadicamente; as comissões de reconciliação e verdade têm sido incapazes de realizar a verdadeira composição do conflito, na medida em que, após serem apurados os fatos, normalmente, seguem-se leis de anistia, prevalecendo a impunidade. Um outro tipo de reação da comunidade internacional tem sido a consideração de que os Estados estão obrigados a respeitar os direitos humanos, não apenas quando seus oficiais agem em seu próprio território, mas também quando agem no exterior. 1

Como resposta, no plano internacional surgiram os tribunais militares de Nuremberg e Tóquio, os tribunais ad hoc, para a ex-Iugoslávia e Ruanda e, em 1998, o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, com caráter permanente. Neste contexto, os princípios penais exercem papel estruturante, através da organização do sistema penal internacional. Destacam os pontos de convergência entre os diversos sistemas de direito do mundo, funcionam como auxiliares na interpretação das normas penais, no preenchimento de lacunas e na elucidação de ambigüidades e imprecisões, normalmente ínsitas ao direito internacional. O princípio da legalidade e o princípio da dignidade humana nos seus aspectos formais e substanciais constituem-se na pedra de toque de um sistema mais centralizado da aplicação da sanção penal, bem como das reconhecidas vantagens desta centralização (generalidade, impessoalidade e imparcialidade).

A pesquisa baseou-se em ampla busca bibliográfica. Nos direitos nacionais, a literatura está voltada principalmente para as garantias penais previstas no direito

1 CASSESE, Antonio. International Criminal Law. New York, USA: Oxford University Press, 2003.

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constitucional e para princípios penais de interesse local, fazendo breves comentários sobre as convenções internacionais de direitos humanos ou aos julgamentos internacionais. Na literatura internacional, há pouquíssimas obras completas que se dedicam específicamente ao estudo do princípio da legalidade no direito comparado ou no direito internacional e aquelas que o fazem exprimem enfoques bastante diferenciados entre si. O volume de informação é imenso e a linguagem jurídica nem sempre é uniforme nas diversas línguas. As informações necessárias constavam das mais variadas fontes de referência que, na esmagadora maioria prima facie, não teriam pertinência direta ao tema, exigindo grande esforço no levantamento de livros e artigos, praticamente indisponíveis no Brasil.

Analisamos os documentos históricos legais onde o princípio da legalidade e princípios correlatos se originaram nos respectivos Estados nacionais, fazendo uma breve revisão dos autores clássicos e da doutrina penal. Os clássicos devem ser retomados e enriquecidos pela experiência histórica para iluminar novas soluções. Estabelecemos as diferenças e semelhanças entre os sistemas jurídicos de common law e civil law, onde as origens dos princípios se assentam. Finalmente consideramos a experiência histórica da legalidade totalitária, tentando compreender suas limitações.

Passamos ao estudo do direito penal internacional, buscando sempre informações e embasamento doutrinário quanto: à origem do princípio da legalidade e demais garantias afins; ao nascimento do ius puniendi internacional; às limitações impostas à jurisdição penal internacional e quais seriam os fatores de instabilidade deste princípio no direito penal internacional. Finalmente verificamos a aplicação prática do princípio pelos tribunais penais internacionais, que foram analisados segundo sua constituição, jurisdição e poderes, fontes e princípios de direito penal e sua própria concepção de legalidade, ilustrando com exemplos de jurisprudência e ressaltando, em cada situação, os fatores de instabilidade dos princípios penais, os riscos de arbitrariedades e as possíveis conseqüências, caso haja desrespeito aos princípios.

Através da análise da pesquisa, pretendemos responder aos seguintes questionamentos: a) os tribunais internacionais podem ser considerados como tribunais regularmente constituídos ou são tribunais de exceção?; b) como surgiu o princípio da legalidade e princípios penais correlatos (princípios penais) no direito internacional?; c) os princípios penais nos sistemas domésticos e no sistema de

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direito penal internacional têm a mesma finalidade e se aplicam da mesma forma?; d) como ocorre o processo de tipificação dos crimes internacionais?; e) quais os valores subjacentes ao sistema penal internacional que lhe conferem conteúdo material?; f) é possível afirmar que o sistema de direito penal internacional está caminhando da justiça substantiva para a estrita legalidade?; g) quais são os fatores de instabilidade da aplicação dos princípios penais nos tribunais penais internacionais?; h) pode-se falar de um princípio da legalidade internacional e princípios correlatos com pressupostos e requisitos próprios, independentes de suas origens? ; i) aos princípios da legalidade internacional podemos aplicar a mesma lógica que embasa os princípios da legalidade do direito nacional? ; j) quais as conseqüências do descumprimento do devido processo penal no âmbito internacional?

Cumpre à doutrina organizar o conhecimento, proporcionando sínteses de coerência e estabelecendo modelos para administrar o sistema jurídico penal. Devem os aplicadores do direito fundamentar-se em conceitos normativos úteis para o raciocínio jurídico, gerando precisão técnica e segurança para decidir com justiça. O acesso à informação é amplo, irrestrito, em tempo real e em qualquer parte do mundo. O problema reside na seleção, na consistência e na organização desses dados em massa, transformando-os em informação útil à administração da justiça penal. Cabe à doutrina interpretar a informação disponível, sugerir novos caminhos, novos paradigmas e lançar luzes sobre os problemas do presente.

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2 FUNDAMENTOS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O Direito representa a grande obra civilizadora da humanidade. A lei foi dada para resgatar o estado de perdição e de guerra, institucionalizando e monopolizando a aplicação do poder. A violência ora surge como autorizada pela lei, ora surge em desrespeito à lei. Bouzon narra que a fixação de normas jurídicas por escrito já gozava de longa tradição entre os escribas babilônicos. Observa, no entanto, que o famoso Código de Hamurabi, na verdade, uma coletânea do direito vigente, não é o corpo legal mais antigo da humanidade, embora seja o mais extenso (o corpo de leis mais antigo até hoje conhecido é atribuído ao fundador da terceira dinastia Ur, Ur-Nammu (2111-2094 AC)). O material legal de Hamurabi espelha em parte a atividade do rei como Juiz. Há interessantes dispositivos de normas de direito penal, em especial quanto à imposição de penas: §§1-5 determinam as penas a serem impostas em alguns delitos praticados durante um processo judicial; §§196-214 determinam as penas para lesões corporais. 2 Lloyd admite que instituição de normas jurídicas é inevitável à condição humana e ao desenvolvimento da civilização. “Uma única lei, reforçada pela imposição de severas penalidades, vale mais para a manutenção da ordem do que todas as palavras de todos os sábios”, conforme aduz uma máxima chinesa antiga do século III a.C.”. 3

Ante a necessidade de normatização das relações sociais conforme exposto, passaremos a examinar com mais detalhe o fenômeno da legalidade, enfim a gênese do princípio da legalidade, sua construção histórica e doutrinária, sua aplicação nos sistemas penais nacionais mais importantes do mundo, extraindo-se a evolução do princípio, seu conteúdo e dimensões. No segundo bloco, observamos como surge o princípio no direito internacional, suas peculiaridades, similitudes e dessemelhanças com os princípios correlatos nos sistemas penais nacionais, para então verificar a prática internacional de aplicação do princípio nos diversos tribunais penais internacionais.

2 BOUZON, Emanuel. O Código de Hamurabi. 4ª ed. Petrópolis RJ: Vozes, 1987, p. 21-29.

3 LLOYD, Dennis. A Idéia de Lei. Tradução de Álvaro Cabral. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

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2.1 ORIGEM NOS DIREITOS NACIONAIS

A sociedade humana não pode existir sem lei, governo e coerção. As normas jurídicas surgem de modo costumeiro nos grupamentos sociais humanos. A lei é uma necessidade natural para o homem, no pensamento de Hume. Santo Tomás de Aquino sustentou que o Estado não era um mal necessário, mas um alicerce natural ao desenvolvimento do bem-estar humano, fornecendo importante base para a concepção secular ulterior da lei como força benéfica, segundo Lloyd. 4 A lei escrita alcançou entre os judeus uma posição sagrada. Moisés o grande legislador recebeu os mandamentos gravados em pedra diretamente de Deus. A lei foi escrita em vários detalhes e pormenores, consolidada em rolos normalmente lidos ao povo. A lei deveria ser ensinada. Houve época chamada de “governo dos Juízes”, entre os quais Sansão e Débora. Samuel era profeta, sacerdote e Juiz. Saulo de Tarso, posteriormente chamado Paulo, era doutor da lei. Comparato descreve, na Grécia, em Atenas, a preeminência da lei tornou-se, pela primeira vez, o fundamento da sociedade política. Ao lado da lei escrita, também havia outra noção de igual importância, a lei não escrita, inicialmente de caráter divino, regras muito gerais e absolutas, que não necessitavam promulgação. O caráter religioso das leis não escritas foi gradualmente eliminado, falando, Aristóteles, nas chamadas leis comuns, reconhecidas pelo consenso universal, por oposição às leis particulares, próprias de cada povo. Com a eliminação do fundamento religioso para as leis universais, foi necessário encontrar outra justificativa. 5

Bobbio indica que, desde a Antigüidade o problema da relação entre direito e poder foi apresentado pela pergunta: “É melhor o governo das leis ou o governo dos homens?”. Aristóteles foi quem colocou primeiramente esta questão. A lei apresenta vantagens porque a sua supremacia genérica e constante não está submetida à mudança das paixões humanas. O contraste entre as paixões dos homens e a frieza das leis conduzirá à identificação da lei com a razão. Na Idade Média a política fundou-se igualmente na subordinação do príncipe à lei. Na tradição jurídica inglesa, o princípio da subordinação do rei à lei deu origem à doutrina do rule of law. O

4 LLOYD, 1998, p. 6-10.

5 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª ed. rev. e ampl.

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conceito de lei sofre alterações conforme o contexto histórico. Desde a Antigüidade constata-se a existência de outras leis que não dependiam da vontade dos governantes, sejam com fundamento em Deus, na natureza, na razão ou com fundamento na tradição. 6

2.1.1 Origem Histórica

O direito representa a garantia do mais fraco contra a violência e onipotência dos mais fortes. O elemento de garantia é intrínseco e imanente ao próprio direito enquanto inseparável de sua essência. Com base em Reale Júnior afirmamos que o direito é fruto da história, da situação de valores predominantes no presente e das opções políticas e culturais que condicionam sua função e aplicação. “O direito institucionaliza, envia comandos normativos, o proibido e o permitido, que inconscientemente em latência já atuavam de certo modo no seio social.”. 7 O autor

exprime com propriedade que os direitos fundamentais residem não em alguma ética ontológica ou em uma racionalidade abstrata, senão em valores e necessidades vitais que se têm afirmado historicamente através das lutas e revoluções promovidas pelas diversas gerações de sujeitos excluídos ou oprimidos. Fala-se da história de uma progressiva expansão das leis do mais débil, da história de uma larga luta contra o absolutismo, contra a liberdade selvagem, fonte de guerra, desigualdade e onipotência do mais forte. 8

Luisi assinala que a criação e o desenvolvimento do Estado democrático moderno estão intimamente atrelados à importância dada às leis durante este processo, sua ascensão e papel na centralização do poder, o seu papel na contenção do poder do soberano. 9 Bobbio vislumbra, na história dos Estados europeus, um contínuo processo de decomposição e recomposição, de vinculações

6 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: por uma teoria geral da política. Tradução de

Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 95-97.

7 REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do Delito. 2ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2000. (RT Didáticos), p.19.

8 FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno: nascimento e crise do Estado Nacional.

Tradução de Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Justiça e direito), p. 372-374.

9 LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2ª ed. revista e aumentada. Porto Alegre:

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e desvinculações de limites jurídicos. 10 Souza Júnior infere que existe uma relação

biunívoca entre o poder e o direito. “O Estado (a unidade política mais evoluída) nasce quando o Poder é institucionalizado (pelo direito)” e o direito é indispensável para a fundação ou institucionalização do poder estatal. É o direito que tece a ordem política estatal e atribui ao Estado sua personalidade jurídica. O direito é o instrumento básico para limitar o poder e, na modernidade, funciona como um meio de legitimação da ordem política. 11

O princípio da legalidade nada mais é que a aplicação da norma a um fato considerado relevante pelo direito, vigente em determinado momento histórico: estão presentes os fatos juridicamente relevantes, as normas jurídicas entendidas como aplicáveis e o contexto valorativo subjacente fornecendo as opções ideológicas adequadas ao caso sob análise. O princípio da legalidade não se circunscreve apenas ao direito penal. Todos os institutos jurídicos são fruto de um processo de tipificação. Para Reale Júnior, assim, a teoria da tipicidade, ainda que venha a ser a elaboração científica e técnica do princípio da legalidade, não é um privilégio do direito penal. De fato, o processo de tipificação é inseparável da esquematização própria a todos os conceitos jurídicos. 12 Brandão conceitua a tipicidade como a

relação de adequação entre a ação ou omissão e o modelo abstrato de conduta proibido e previsto na lei. Assim, fora do âmbito da lei, não se pode falar em tipicidade. “Em síntese: a tipicidade é o cumprimento do próprio princípio da legalidade porque ela tem uma função de garantia.”. 13

Fazemos uma retomada histórica do princípio da legalidade penal. Os romanos não conheceram o princípio legalidade como atualmente concebido. Giordani descreve o direito romano como expresso na definição de Celso: “o direito é a arte do bom e do eqüitativo”. O pretor, a cada caso, deveria construir a decisão que realizasse a justiça na situação concreta. O direito romano foi, portanto, sobretudo, costumeiro. O autor nota que um dos aspectos mais curiosos do direito penal romano foi a aceitação da retroatividade da lei penal. O princípio que dominava a aplicação penal era a proporcionalidade da pena ao crime, não

10 BOBBIO, 1987, p.103 e 104.

11 SOUZA JÚNIOR, Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrático e seus

Modelos Básicos. Porto Alegre: 2002. (Tese para concurso de professor titular apresentada ao Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo), p. 46-50.

12 REALE JÚNIOR, 2000, p. 171-173.

13 BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao Direito Penal: análise do sistema penal à luz do princípio da

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importando se tratava da pena do tempo do crime ou apenas da pena prevista na lei. De regra, havia a irretroatividade da lei penal quanto à definição do crime, porém a regra poderia ser afastada excepcionalmente quando a própria lei continha cláusula retroativa. Já na repressão extraordinária existia, por parte do funcionário, amplo arbítrio, tanto na incriminação do fato como na aplicação da pena. Ressalte-se, finalmente, que o direito romano admitia a aplicação analógica em matéria penal. 14

As instituições penais durante a Idade Média muito se distanciaram do princípio da legalidade, durante a Baixa Idade Média, quando se promulga a Magna Carta, no ano de 1215, um instrumento limitador do poder real. Brandão menciona, com respeito às origens do princípio da legalidade, a obra de Tiberius Decianus, datada do século XVI. Mas tem-se como consensual o nascimento do princípio da legalidade propriamente dito na Idade Moderna, em 1764, através da obra de Beccaria. Na Idade Contemporânea, o princípio foi acolhido na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). 15 A sistematização dogmática do princípio da legalidade, no entanto, somente ocorreu em 1801, com a obra de Anselm von Feuerbach que formulou o adágio nullun crimen, nulla poena sine praevia lege poenali. 16

Vários foram os documentos históricos nos sistemas nacionais que refletiram a gênese das garantias do direito penal e do processo penal atuais. Nem todas as garantias e direitos visavam exclusivamente ao direito penal, mas tiveram reflexos direta ou indiretamente no desenvolvimento conceitual do princípio. Na Magna Carta (1215), ressaltamos alguns excertos. As cláusulas 20 e 21 lançam as bases da proporcionalidade entre delitos e penas, penas graves reservadas para delitos graves, impedindo penas criminais arbitrárias ou desproporcionais. A cláusula 39 estabelece o princípio do devido processo legal, impedindo a privação de liberdade somente mediante um juízo legal. Na Declaração de Direitos inglesa (1689), há a menção à proibição de cauções e multas excessivas, além de penas inusitadas ou

14 GIORDANI, Mário Curtis. Direito Penal Romano. 3ª ed. revista e atual. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 1997, p. 61-63.

15 BRANDÃO, 2002, p.18-41. Como relação ao desenvolvimento histórico dos direitos humanos

SOARES, faz um interessante resumo (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. v.1, p. 338-343.).

16 BRANDÃO, 2002, p. 35-36. Ver também: BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal

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cruéis; também, a referida declaração menciona a proibição da aplicação ou cominação de multas e penas sem culpa, tornando-as ilegais e nulas. 17

A Declaração de Independência Americana (1776), com o objetivo de assegurar vários direitos, institui governos e Juízes independentes. Na Declaração de Direitos de Virginia (1787) destacam-se os dispositivos: item 7, o princípio da continuidade de vigência das leis; item 8, o devido processo legal; item 9, a proibição de fianças e multas excessivas, bem como penas cruéis ou aberrantes e no item 10, prevê-se a impossibilidade de buscas sem prova do fato cometido, proibindo-se a prisão quando o delito não estiver específicamente descrito e provado. No Bill of Rights norte-americano (1791) merecem destaque vários artigos: o artigo primeiro prevê o direito de petição para correção de injustiças; no artigo quarto, proíbem-se buscas e apreensões arbitrárias; o artigo quinto garante a instituição do júri de acusação, excetuando fatos das Forças Armadas, da milícia, em serviço efetivo em tempo de guerra ou perigo público, prevendo, também, o princípio do ne bis in idem, a garantia da integridade física do acusado, a garantia de não testemunhar contra si próprio e a garantia do devido processo legal; no artigo sexto, garante-se em todo processo criminal um julgamento célebre e público, por um júri imparcial cuja competência territorial deve ter sido previamente fixada pela lei, o princípio do Juiz natural, além do direito de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação, ao lado de outras garantias processuais; o artigo oitavo repete a garantia de não exigência de fianças ou multas excessivas e a proibição de penas cruéis ou aberrantes. 18

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, francesa (1789), na área penal, fixou claramente o princípio fundamental de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena que não seja fixada em lei, no artigo 8. No artigo 5, está previsto o princípio da reserva legal lato sensu; o artigo 7, proíbe a execução de ordens penais arbitrárias; no artigo 9, está esculpido o princípio da presunção de inocência. A Constituição Francesa (1791) contém vários preceitos fundamentais. Destaca-se, no item terceiro, que os mesmos crimes devem ser punidos com as mesmas penas, proibida a distinção de pessoas. Como direitos naturais e civis estão previstas a liberdade de ir e vir e o direito de petição às autoridades constituídas. Ao Poder Legislativo vedou-se a produção de leis que prejudicassem ou impedissem o

17 Os textos históricos foram extraídos da obra de COMPARATO, 2003. 18 COMPARATO, 2003.

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exercício dos direitos naturais e civis consignados na Constituição, porém a lei poderia estabelecer penas contra os atos que atacassem a segurança pública e os direitos alheios, ou que fossem nocivos à sociedade. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão da Constituição Francesa (1793) também traz dispositivos interessantes. No artigo 10, são proibidas acusação e prisões arbitrárias; o artigo 11 proíbe a execução de atos de vingança, salvo em legítima defesa; no artigo 13, está estabelecido o princípio da presunção de inocência, bem como se proíbem os rigores desnecessários para efetuar detenções, admitidas somente as detenções se indispensáveis; no artigo 14, há previsão de garantias processuais ao lado do princípio da legalidade penal e do seu consectário da irretroatividade; o artigo 15 permite que a lei estabeleça penas evidentemente necessárias, proporcionais ao delito e úteis à sociedade. Na Declaração dos Direitos e Deveres do Homem e do Cidadão da Constituição Francesa (1795) destacam-se os seguintes artigos: artigo 7°(ninguém pode ser constrangido a fazer o que a lei não ordena); artigo 8º (princípio da legalidade); artigo 11 (princípio do devido processo legal); artigo 12 (penas necessárias ou proporcionais); artigo 13 e o artigo 14 (irretroatividade da lei). 19

Castilho constata que o princípio da legalidade foi pela primeira vez, expresso em texto legal nas Constituições Americanas de Filadélfia, Virgínia e Maryland, com especial ênfase à proibição de retroatividade. Em 1798, foi reconhecido que a proibição de leis ex post facto do artigo 1.9.3 da Constituição Americana (1783), que em sua literalidade restringia o Poder Legislativo, referia-se a leis penais, estendendo-se ao sistema judicial, através da incorporação da regra ex post facto, à cláusula do devido processo. Saliente-se que o princípio da legalidade apareceu pela primeira vez em texto legal nos Estados Unidos, país pertencente ao sistema

19 COMPARATO, 2003. Ambos cita outros antecedentes históricos, com ênfase no princípio da

legalidade das penas, no continente europeu: AMBOS, Kai. Princípios e Imputación en el Derecho Penal Internacional. Barcelona: Atelier Libros Juridicos, 2008. (b), p. 35-45: “[...] La famosa Constitutio Criminalis Carolina de Carlos V (1532) contenía una regla general para penas imprecisas y, mientras el artigo 126 de la Bambergische Halsgerichtordnung (1507) limitaba la discreción del juez o – Schöppen – obligándole a recurrir a consultores legales en caso de penas imprecisas, el artigo 105 CCC dejaba la determinación de la pena a la total discreción del juez. […] Por su parte, el aca-démico italiano Cesare Beccaria […] (1764) défendió que la certeza, la previsibilidad y la seguridad jurídica estuvieran garantizadas por la estricta letra de la ley frente a la interpretación arbitraria e ilimitada de los jueces. La revolución francesa recogió estas ideas en la Déclaration des droits de l’homme et du citoyen (1789) […] Mientras el Allgemeine Landrecht für die PreuBischen Staaten (Derecho general de la tierra para los Estados Prusianos, 1794) aún dejaba a los jueces discreción en la determinación de la pena sometiéndoles solo a un límite máximo”.

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jurídico do common law, oriundo da Grã Bretanha, onde a lei escrita não constitui a fonte de direito por excelência. 20

Para Boot, as diferentes origens históricas do princípio da legalidade nos Estados Unidos e na Europa continental se justificam primeiramente porque a criação dos crimes na Alemanha nazista e na URSS através do uso da analogia teria chocado a comunidade legal americana. Em segundo lugar, houve a crescente identificação do princípio da legalidade como uma necessidade lógica para o uso vigoroso da modern constitutional vagueness doctrine, como um meio de proteger as liberdades civis. Não há uma previsão específica na Constituição americana, porém há várias previsões relevantes. Primeiramente, a Constituição proíbe bills of attainders e ex post facto clauses. Em segundo lugar, a Constituição incluiu o devido processo (due process) na 5ª e na 14ª emendas respectivamente. 21

Ambos observou que as fontes históricas não distinguem entre nullum crimen e nulla poena, embora, doutrinariamente haja a distinção entre crimen e poena, o primeiro referindo-se à punibilidade de uma determinada conduta e o segundo a seu castigo concreto. Em segundo lugar, a regra original referia quase exclusivamente à proibição de leis penais retroativas, ou ex post facto law, assim, além do elemento lex praevia não se vislumbrava os demais elementos que hoje se atribuem usualmente ao princípio (lex certa, lex stricta e lex scripta).Na Declaração Francesa (1789), referências ao princípio da lex scripta podem ser inferidas dos artigos 7 e 8: qu'elle a préscrites (artigo 7) e loi établi et promulguée (artigo 8). O autor observa que este requisito não está reconhecido nos sistemas de common law, oriundos do sistema do Reino Unido: um ato mala in se é reconhecido por todo mundo, em todo momento e de acordo com o puro sentido comum, resultando desnecessária sua codificação explícita como infração penal, enquanto um ato malum prohibitum deve ser proibido pela lei para ser considerado como crime, na medida em que não reúne per se esta condição. 22

20 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Controle da Legalidade na Execução Penal (reflexões em torno

da jurisdicionalização). Porto Alegre: Fabris, 1988, p.16-18. Ver também outros resumos históricos quanto à origem do princípio da legalidade: JAPIASSÚ, Carlos E. A.. O Tribunal Penal Internacional: A Internacionalização do Direito Penal. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2004, p. 144-150; e SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Princípio da Legalidade Penal no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 136-144.

21 BOOT, Machteld. Genocide, Crimes against Humanity, War Crimes: nullum crimen sine lege and

the subject matter jurisdiction of the International Criminal Court. Belgium: Intersentia Publishers, 2002. (School of Human Rights Research Series, Volume 12), p. 118.

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O princípio da legalidade tem raízes imemoriais. Sua origem está ligada à institucionalização do poder, portanto, contém em sua essência o garantir contra arbitrariedades. Vários documentos legais e históricos de sistemas jurídicos diferentes fizeram alusão ao princípio e seus consectários. Os documentos e a História revelam a preocupação em deter arbitrariedades na administração da jurisdição penal como um todo. As garantias, no entanto, não foram todas reconhecidas num único documento ou época, nem de uma forma sistemática ou organizada, nem com todos os possíveis elementos que seriam desejáveis e muitas não se referiam exclusivamente ao direito penal. Algumas se referem ao procedimento, outras ao direito material, mas apenas o conjunto completo conseguiria oferecer alguma efetividade contra o exercício do poder arbitrário; a ausência ou desrespeito de uma única garantia coloca todo o sistema penal em risco. Assim, compreendemos que sob o princípio da legalidade penal devem constar todas as garantias indispensáveis à persecução penal democrática, sejam de direito material ou processual. Podemos classificar as garantias históricas, de um modo geral, nas seguintes categorias: proibição de leis penais retroativas (ex post facto law); proibição de penas cruéis ou desproporcionais; devido processo legal célere e público; princípio do ne bis in idem; Juízes competentes e independentes; e direitos do acusado.

2.1.2 Doutrina

Direito e poder se relacionam dentro de um contexto histórico permeado por ideologias e valores que se alternam com o passar do tempo. O direito enquanto institucionalizador do poder transforma-se em instrumento de organização da vida social. Dentro de um contexto totalitário, a manipulação política do direito frustra o ideal de justiça, torna-se instrumento de controle e dominação. Valores democráticos favorecem a concepção de proteção do poder arbitrário, procurando amparar os desfavorecidos contra os fortes. Resumindo o pensamento de Brandão, o princípio da legalidade tem como missão proteger a pessoa do uso arbitrário do direito penal

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pelos detentores do poder político: a pena deve ser impedida de ser utilizada na luta política contra os adversários, porquanto este objetivo é estranho à sua finalidade. 23

Bobbio, ao discorrer sobre o pensamento de Hobbes, o Estado e suas leis e a passagem do estado da natureza para o estado civil, observou que o poder não cede diante da qualidade de lei natural e não existe qualquer garantia ao seu respeito. 24 Schmidt demonstra que, no século XVII, diante do modelo de Estado absolutista, Hobbes admitia que um dano infligido por um ato, antes da existência de uma lei que o proibisse, não se caracterizava como um castigo, mas como uma hostilidade. 25

Na Europa continental, desde o século XVII, o exercício arbitrário do poder soberano do antigo regime encontrou resistência na obra célebre de Montesquieu, O Espírito das Leis (1748), ao passo que Beccaria, na obra Dos Delitos e Das Penas (1764), faria aplicação das idéias iluministas ao direito penal. Beccaria além de enunciar o princípio da estrita legalidade do direito penal: somente as leis podem decretar penas sobre os delitos e esta autoridade só pode residir junto ao legislador, discorre sobre outros inúmeros problemas da persecução penal, sendo de especial interesse os parágrafos: §III (o princípio da legalidade penal); §IV (interpretação das leis); §V (obscuridade das leis); § XII (da tortura); § XV (a moderação das penas); § XVI (da pena de morte) e o §XXIII (proporcionalidade das penas). 26 Rousseau, no Contrato Social (1762) também considera as excelências da lei. Nas palavras de Chevalier:

23 BRANDÃO, 2002, p. 68 e 69.

24 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. Compiladas por Nello

Morra, tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 32-37.

25 SCHMIDT, 2001, p. 207.

26 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo:

Hemus Editora, 1983, p. 15 e 16: “A primeira conseqüência que se tira desses princípios é que apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis penais não pode ser senão da pessoa do legislador, que representa toda a sociedade ligada por um contrato social. Ora, o magistrado, que é parte dessa sociedade, não pode com justiça aplicar ao outro partícipe dessa sociedade uma pena que não esteja estabelecida em lei; e, a partir do momento em que o Juiz se faz mais severo do que a lei, ele se torna injusto, pois aumenta um novo castigo ao que já está prefixado. Deprereende-se que nenhum magistrado pode, ainda sob pretexto do bem público, acrescer a pena pronunciada contra o crime de um cidadão. A segunda conseqüência é a de que o soberano, representando a sociedade mesma, apenas pode fazer leis gerais, às quais todos devem obediência; não é de sua competência, contudo, julgar se alguém violou tais leis. Efetivamente, em caso de delito, existem duas partes: o soberano, que diz ter sido violado o contrato social; e o acusado, que nega essa violação. É necessário, portanto, que exista entre ambos um terceiro que venha a decidir a contestação. Essa terceira pessoa é o magistrado, cujas decisões são sem apelo e que deve, apenasmente, esclarecer se há delito ou não.”. Ver também: BOBBIO, 1995, p. 37-41.

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É na lei, expressão da vontade geral, que termina enfim essa construção maravilhosa, ou desesperadamente sábia. A lei: que elevado, que emocionante conceito dela não faz ROUSSEAU? A seus olhos, participa verdadeiramente do caráter sagrado; tem por ele religioso respeito. Sabe-se que nela, na sua generalidade e impessoalidade, vê o seu coração ferido o único remédio ao capricho, à arbitrariedade dos homens particulares, detentores do poder. Só à lei se devem a justiça e a liberdade. Só a ela permitiu subjugar os indivíduos para torná-los livres, encandear-lhes a vontade com a sua própria autorização, fazer valer o seu consentimento contra a sua recusa. Graças a ela, servem e não “tem senhor”. Ela é a mais sublime de todas as instituições humanas. 27

Neste contexto, o princípio da legalidade significou proteger os cidadãos das arbitrariedades do Estado soberano. Nas palavras de Montesquieu:

[...] Nos Estados despóticos, não há lei: o Juiz é ele mesmo sua própria regra. Nos Estados monárquicos, existe uma lei: e onde a lei é precisa o Juiz segue-a; onde ela não o é, ele procura seu espírito. No governo republicano é da natureza da constituição que os Juízes sigam a letra da lei. [...]. 28

Bobbio comentando o pensamento de Bentham, na sua obra Introduction to the Principles of Morals and Legislation (1798), recomenda que a punição de um mal é justificável apenas se for capaz de prevenir um mal maior, ou seja, o dano causado pelo crime. Pela natureza das coisas, uma punição criada após o cometimento de um ato, seja com base em lei retroativa ou através de lei feita pelo próprio Juiz, não pode prevenir o dano oriundo do crime. Montesquieu igualmente considera o problema das penas quanto ao aspecto da proporcionalidade do dano social relativamente ao dano causado pelo crime: “é essencial que as penas se harmonizem, porque é essencial que se evite um grande crime do que um crime menor, aquilo que agride mais a sociedade do que aquilo que a fere menos.”. 29

Ambos considera que o princípio da legalidade tal qual formulado pelo penalista alemão Johann Paul Anselm von Feuerbach, no seu Tratado de Direito Penal (1801), segundo o qual nenhuma conduta deve ser penalizada se não constituir crime no momento de sua comissão, empregando a expressão latina nullum crimen, nulla poena sine praevia lege poenali, não pensava tão efetivamente na pena, mas na punibilidade de certa conduta, pois a lex poena indeterminata não

27 CHEVALIER, Jean-Jacques. As Grandes Obras Políticas de Maquiavel a Nossos Dias. Prefácio

de André Siegfried, tradução de Lydia Christina. 4ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1989, p. 171.

28 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. Apresentação de Renato

Janine Ribeiro, tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 87.

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entrava em contradição com o princípio do nullum crimen. Embora Feuerbach tenha nomeado o princípio nullum crimen, nulla poena, o conteúdo do princípio não foi obra sua. Sob a perspectiva do direito inglês, o princípio tem raízes na Magna Carta (1215), no artigo 39. Em 1628, Edward Coke traduziu o princípio, em suas famosas Institutes, por due process of law, conceito mais amplo que a mera proteção contra a retroatividade das leis penais. John Locke desempenhou um significativo papel na disseminação do princípio nullum crimen, em seu Treatises of Government (1689). 30

A discussão filosófica direito natural e direito positivo exerce influência sobre o conceito e conteúdo do princípio da legalidade com a conseqüente valorização do direito legislado. Historicamente, as relações entre o direito natural e direito positivo como bem resume Bobbio, ocorreram de forma complementar e não propriamente antagônica entre si. Estas duas espécies de direito não se distinguiam quanto à sua qualidade ou qualificação, mas diferenciavam-se apenas quanto ao seu grau, no sentido de que uma espécie de direito podia ser considerada superior à outra. Na época clássica, o direito natural não era considerado superior ao direito positivo; na Idade Média, a relação entre as duas espécies de direito se inverte, reconhecendo-se a superioridade do direito natural, como uma norma fundada pela vontade de Deus e participada à razão humana. Da concepção de que o direito natural é aquele contido na Lei Mosaica e no Evangelho, derivou a tendência permanente do pensamento jus naturalista de considerar tal direito como superior. A diferença de grau, no entanto, não significava uma diferença de qualificação. Diferentemente, o positivismo jurídico nasce quando o direito positivo e o direito natural não são mais considerados direito no mesmo sentido, isto é, todo o direito é reduzido ao direito positivo e o direito natural é excluído da categoria de direito. Quanto às fontes, o Positivismo afirmou a teoria da legislação como a fonte por eminência do direito e quanto à interpretação, sustentou a teoria da interpretação mecanicista fazendo que, na atividade do jurista, prevaleça o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo

30 AMBOS, 2008b, p. 35-45: “[…] Feuerbach sólo aplicaba la regla nulla poena a la ley penal en

sentido estricto, como si, por su parte, la ley penal en sentido amplio no necesitara penas precisas. Como consecuencia de ello, el juez era libre para fijar la pena en el caso de las llamadas absolut unbestimmte Strafen (penas absolutamente indeterminadas) y sólo estaba vinculado por algunos princípios generales. Por regla general, el juez podía imponer cualquier pena en estos casos, incluso la pena de muerte. Estas penas indeterminadas no violaban el princípio nulla poena siempre y cuando la infracción penal previera la imposición de algún castigo. Por otro lado, en el caso de las penas previstas por la ley (las llamadas absolut bestimmte Strafen - penas absolutamente determinadas) el juez tenía que imponer la pena de acuerdo con dicha ley. De forma similar, la posición dominante en la doctrina (alemana) de la primera mitad del siglo XIX no advertía ningún conflicto entre el princípio nulla poena y las penas absolutamente indeterminadas.”

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do direito. Se ao direito natural não for atribuído o status de direito, os crimes e penas somente poderiam estar estabelecidos pelo direito positivo e os julgadores não poderiam fazer mais do que declarar a vontade expressa na lei. 31

Embora o positivismo jurídico venha a valorizar a legalidade formal, despojando do direito todo conteúdo valorativo, ocorre inevitável correlação entre o princípio da legalidade e os ideais de justiça e a subseqüente valorização do direito natural. A legalidade desvinculada dos ideais de justiça constitui-se mero legalismo, do ponto de vista formal, ou legalidade totalitária, do ponto de vista material. Hart leciona que para que o controle social funcione, as normas devem satisfazer certas condições tais como serem inteligíveis, estarem ao alcance da capacidade de obediência da maior parte das pessoas e, em geral não deverem ser retroativas, embora, excepcionalmente possam sê-lo. Oferece-se, portanto, àqueles que vierem a ser punidos pela violação das normas, a capacidade e a oportunidade de obedecê-las. 32

Cassese trata das doutrinas da justiça substantiva e da estrita legalidade. Para a doutrina da justiça substantiva, a ordem legal pode objetivar proibir e punir qualquer conduta que seja socialmente danosa ou que possa causar perigo à sociedade, tenha ou não tenha aquela conduta sido criminalizada num momento em que tenha sido efetuada. O interesse é defender a sociedade dos comportamentos desviados que possam causar prejuízo ou ameaçar o sistema social e legal. Esta doutrina favorece a sociedade sobre o indivíduo. Houve aplicações repreensíveis desta doutrina no direito soviético e no direito criminal nazista, mas podemos encontrar variações desta doutrina na Alemanha democrática moderna, onde os princípios de justiça objetiva foram colocados como reação a governos que tentavam burlar os direitos humanos, sendo que os tribunais recorreram à célebre fórmula de Radbruch. Para a doutrina da estrita legalidade, uma pessoa deve apenas ser criminalmente processada e punida se no momento em que praticou determinado ato, este era considerado como um crime pela ordem legal, ou seja, pela lei aplicável. 33 A aplicação pura e simples da doutrina da estrita legalidade torna-se impraticável pela própria necessidade de interpretação da lei penal, bem como pelas

31 BOBBIO, 1995, p. 22-23 e 131-134.

32 Para Hart os princípios da legalidade estão estreitamente relacionados com as exigências de

justiça: HART, Herbert L.A.. O Conceito de Direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 226 e 227.

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limitações naturais da linguagem através das quais as normas se expressam. Igualmente inviável a aplicação pura da doutrina da justiça substantiva pela ausência de parâmetros seguros de criminalização da conduta e o possível abuso do poder decorrente.

A doutrina indica inúmeras dimensões, funções e características do princípio da legalidade, utilizando diferentes nomenclaturas para significar nos mais das vezes, os mesmos conteúdos. Gomes destaca o desdobramento do princípio em princípio da legalidade criminal; princípio da legalidade penal; princípio da legalidade jurisdicional ou processual e princípio da legalidade execucional. 34 Franco considera o princípio da legalidade como fonte de garantias: garantia criminal, garantia penal, garantia processual e garantia de execução penal. 35 Batista vislumbra como a principal função do princípio da legalidade a criação do crime e constituição da pena legal. 36 Brandão entende que o princípio da legalidade alcança a interpretação da lei penal, consistindo na fundamentação das teorias do crime e da pena. 37 Schmidt enxerga a existência de atribuições substanciais do princípio da legalidade, quais sejam: a integração do ordenamento jurídico, a interpretação do ordenamento jurídico, a limitação da intervenção penal e a da fundamentação da ordem jurídico-penal. 38 Ou ainda, segundo Wessels, com relação à função de garantia da lei penal,

apresenta as seguintes conclusões resumidamente: as leis penais devem acusar, tendo em vista seus tipos penais e conseqüências jurídicas, um mínimo em determinação (os elementos do crime devem ser descritos concretamente na lei, de tal forma que seu conteúdo possa ser averiguado através de interpretação); às leis fundamentadoras e agravadoras de pena não deve ser atribuída força retroativa, nem pelo legislador nem pelo Juiz penal, porém, a alteração de jurisprudência pacífica, em conseqüência de uma mudança na concepção jurídica ou com

34 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

v.1, p.127-128.

35 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas à lei 8.072/ 90. 4ª ed. rev.

atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 53 e 54: “O princípio da legalidade, além de interferir sobre as fontes e a interpretação da lei penal (a reserva absoluta de lei, a proibição da analogia in malam partem, a proibição da retroatividade da lei penal incriminadora) e sobre a definição adequada do tipo (técnica legislativa de formulação típica) dá ainda fundamento a quatro garantias do cidadão: garantia criminal, garantia penal, garantia processual e garantia de execução penal. [...] Conectado, direta e imediatamente, com os princípios da legalidade e da tipicidade encontra-se o princípio do ne bis in idem que obsta a aplicação de mais de uma pena a um mesmo fato ou a aplicação de uma agravante já considerada no tipo básico. [...]”.

36 BATISTA, 2002, p. 68 e 69. 37 BRANDÃO, 2002, p. 72. 38 SCHMIDT, 2001, p. 361-364.

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fundamento em um outro conhecimento, não se submete, de acordo com opinião dominante, a qualquer proibição de retroatividade e, através do direito costumeiro ou da analogia, não devem ser formados novos tipos penais nem agravados ou alargados os tipos existentes em prejuízo do interessado, mas a analogia em favor do autor ou partícipe é admissível. 39 Schmidt considera que uma lei penal indeterminada, imprecisa, não protege o cidadão do uso arbitrário do poder porque não tem a capacidade de limitar o ius puniendi nem exerce a prevenção geral negativa, já que o indivíduo não pode avaliar, a priori, o seu próprio comportamento. 40

O princípio da legalidade, encarado do ponto de vista do direito do acusado apenas, não é capaz de garantir a invasão arbitrária na esfera de liberdade da pessoa. Compreendemos que, sob a égide do princípio da legalidade penal e submetidos ao seu regime jurídico, devem constar todas as garantias indispensáveis à persecução penal democrática, sejam de direito material ou processual. A legalidade da persecução penal deve ser aferida amplamente, na constituição dos tribunais, no estabelecimento de suas jurisdições e poderes, nas garantias do devido processo legal, nas fontes do direito aplicável, na incidência do princípio do ne bis in idem, na aplicação do princípio nullun crimen sine lege (e consectários lex certa, lex scripta, lex stricta, lex praevia), na aplicação do princípio da nulla poena sine lege (e consectários lex certa, lex scripta, lex stricta, lex praevia), nos métodos de interpretação das normas penais e demais princípios basilares do direito penal sob a rubrica de direitos do acusado. A legalidade deve ser aferida em todas as fases processuais, incluindo-se a fase de execução da pena. Em caso de violação da legalidade penal, deverá ocorrer compensação pelo error. Os valores atuais subjacentes do contexto histórico no qual o princípio está inserido contemplam como norma fundamental o respeito à dignidade da pessoa humana.

O princípio da legalidade não representa, no entanto, um sistema fechado e hermético, como explica Schmidt, estando sujeito a incursões do direito costumeiro e das normas penais em branco como elementos de adaptação às novas realidades histórico-culturais. O direito consuetudinário nasce através de uma prática duradoura, conduzida por um convencimento jurídico geral de parte dos

39 WESSELS, Johannes. Direito Penal (aspectos fundamentais). Tradução do original alemão e

notas por Juarez Tavares. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 11-13.

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destinatários das normas da obrigatoriedade desta prática, prática esta compatível com o ordenamento jurídico vigente. Nos países de civil law, o costume poderá desencadear argumentos de política criminal para a legislação penal futura (nos países de common law, o costume pode servir de base para a incriminação). Há grande repercussão do direito consuetudinário (praeter legem) na estrutura da ilicitude e da culpabilidade penal. O direito consuetudinário pode atuar como causa de supressão da lesividade, ou da reprovabilidade jurídica, ou ainda como causa de justificação: “as leis só se derrogam definitivamente por outras posteriores; mas a eficácia atual, momentânea, de suas sanções, delitos e penas, se perde pelo não-uso”. 41

Para Toledo é um equívoco supor que o direito costumeiro esteja totalmente abolido do âmbito penal porque tem grande importância para elucidação do conteúdo e significação lingüística dos tipos. Quando opera como causa supralegal de exclusão da ilicitude, de atenuação da pena ou da culpa, constitui verdadeira fonte do direito penal. Observa-se que a simples omissão da autoridade em reprimir determinados crimes não basta para revogar por desuso a norma incriminadora penal. 42 O direito consuetudinário secundum legem tem importante função interpretativa tal como a função interpretativa desempenhada pelos hábitos sociais, na opinião de Schmidt. 43 Brandão atribui grande importância ao costume no direito penal, pois determina o sentido e o alcance dos elementos normativos do tipo penal, bem como a função derrogatória, pois o costume derroga tipos penais anacrônicos, que não condizem com uma época cultural determinada. O costume só não pode ser usado para aplicar um malefício fora da lei. 44

Mesmo no âmbito do direito penal nacional, nos sistemas democráticos, onde o princípio da legalidade penal encontra-se mais desenvolvido e estruturado, Batista

41 SCHMIDT, 2001, p. 196-204.

42 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal: de acordo com a Lei nº 7.209,

de 11/7/1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p.25.

43 SCHMIDT, 2001, p. 205.

44 BRANDÃO, 2002, p. 165: “O Direito Costumeiro desempenha uma importante função no Direito

Penal, jamais se justificando a assertiva que ele se encontra abolido no ordenamento punitivo moderno. Em primeiro lugar o Direito Costumeiro é utilizado para determinar o sentido e alcance dois elementos normativos do tipo penal. Os elementos normativos, compreendidos sempre à luz de um juízo de valor, dependem da norma consuetudinária, pois essa surge a partir da sucessão reiterada de atos aliados à convicção de obrigatoriedade da prática dos mesmos. [...] Outra importante função do costume é a derrogatória: e o costume no Direito Penal tem o condão de derrogar tipos penais anacrônicos, que não condizem com uma época cultural determinada. De outro lado, o costume não pode ser utilizado em nenhuma hipótese para aplicar um malefício fora da lei, visto que, neste caso, não operaria pro libertatis e contrariaria o Princípio da Legalidade.”

Referências

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