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3.2 FONTES DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL

4.1.2 Jurisdição e Poderes

A instituição do Tribunal ocorreu após o cometimento dos fatos que foram levados a julgamento caracterizando o Tribunal como um órgão ad hoc, cuja existência se justificava em função da missão que lhe coube cumprir, ao cabo da qual encerraria suas atividades. O Tribunal foi incumbido de julgar e punir os maiores criminosos de guerra (major war criminals), cujos crimes não tinham uma localização geográfica específica, enquanto os outros oficiais e membros do Partido Nazista seriam reenviados, julgados e punidos nos respectivos países onde teriam cometido os crimes, conforme estabeleceu a Declaração de Moscou (1943). 321 Não

havia limites quanto à jurisdição territorial do Tribunal. Além da responsabilidade penal individual, o Tribunal também poderia declarar grupos ou organizações das quais os acusados fossem membros como criminosas (artigo 9, Carta).

Quanto às pessoas submetidas a julgamento, a distinção entre os maiores e os menores criminosos de guerra (major e minor war criminals), relevante para estabelecer a competência ratione personae do Tribunal, decorreu de decisão puramente política dos Estados vencedores, em exercício de soberania legislativa. A distinção foi estabelecida com base na possibilidade de localização geográfica dos respectivos crimes. Os maiores criminosos de guerra seriam aqueles cujos crimes não tiveram uma localização geográfica específica. É compreensível o estabelecimento da jurisdição nestes termos, num direito internacional público de soberanias. A dificuldade ou impossibilidade de determinação geográfica ou a extensão espacial do crime envolvendo territórios de vários Estados, se a

320 KÖCHLER, Hans. Global justice or global revenge? international criminal justice at the

crossroads: philosophical reflections on the principles of the international legal order […]. Vienna / New York: Springer, 2003, p.155 e 156.

321 WERLE, 2005, p. 7 e 8: “[…] Allied occupation courts [Besatzungsgerichte] would have jurisdiction

persecução penal destes crimes fosse deferida aos Estados, por causa da necessidade de cooperação internacional, impossível em cenário pós-guerra, poderia garantir a impunidade. Desta forma, o Tribunal internacional garantiu a efetividade da aplicação da justiça ad hoc. Isto não significa que o critério, embora adequado ou conveniente, tenha sido justo. Ao Tribunal internacional deveriam ter sido encaminhados os crimes de guerra mais graves, independentemente de qualquer outro critério, cabendo aos Estados julgamentos de fatos menos gravosos, ou com menor impacto que os sujeitariam a menores pressões políticas.

O conteúdo da jurisdição material do Tribunal ad hoc não foi construído com base nos crimes efetivamente praticados e nem de acordo com o direito penal costumeiro de guerra. Assim, vários crimes foram excluídos de sua jurisdição. A própria Carta constituiu-se na fonte de direito material e processual para a condução do julgamento. Os Estados signatários, enquanto legisladores, tipificaram certos crimes (artigo 6, Carta) que seriam efetivamente levados a julgamento. O Tribunal assim, se pronunciou:

The jurisdiction of the Tribunal is defined in the Agreement and Charter, and the crimes coming within the jurisdiction of the Tribunal, for which there shall be individual responsibility, are set out in Article 6. The law of the Charter is decisive, and binding upon the Tribunal. 322

Nem todos os fatos foram levados a julgamento. Algumas atrocidades, tais como o genocídio dos ciganos, o genocídio dos prisioneiros de guerra soviéticos, o assassinato em massa de populações civis da Polônia e da Rússia, a deportação de oponentes políticos dos territórios ocupados, o trabalho forçado de civis e prisioneiros de guerra nas fábricas alemãs, como exemplificou Beigbeder, ficaram fora da apreciação do julgamento. Somente criminosos de guerra da nação derrotada foram julgados. Foram igualmente excluídos da apreciação do Tribunal os crimes praticados pela União Soviética, ou por qualquer dos outros aliados. 323

O julgamento sobre o caráter criminoso de organizações era definitivo e não poderia ser afastado pelos tribunais locais, como previsto no artigo 10, Carta. O artigo 11 estipulava que qualquer pessoa julgada pelo Tribunal internacional ainda poderia ser processada por tribunais nacionais, tribunais militares ou de ocupação

322 AVALON PROJECT. Judgment of the International Military Tribunal, The Law of the Charter.

Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/imt/judlawch.asp>. Acesso em: 09 set. 2009.

por qualquer crime, exceto pelo crime de participação em organizações criminosas. Salvo esta hipótese, inexistiu o princípio do ne bis in idem.

O próprio Tribunal poderia criar regras de procedimento (RP), desde que não fossem inconsistentes com a Carta (artigo 13, Carta). Não há critérios fixos de avaliação desta consistência: a ampla flexibilidade das normas e a generalidade e indeterminação dos termos fazem com que qualquer argumentação minimamente jurídica fosse aceitável. Em complementação, o artigo 19 previa que o Tribunal deveria adotar um procedimento tão célere e tão informal (não técnico) quanto possível. A regra 11, RP, representa o princípio da legalidade a contrario sensu, concedendo poder discricionário ilimitado ao Tribunal, in verbis:

These Rules shall take effect upon their approval by the Tribunal. Nothing herein contained shall be construed to prevent the Tribunal from, at any time, in the interest of fair and expeditious trials, departing from, amending, or adding to these Rules, either by general rules or special orders for particular cases, in such form and upon such notice as may appear just to the Tribunal. 324

Quanto às provas, o Tribunal não estava vinculado por normas técnicas, temndo total discricionariedade na admissibilidade e valoração. Assim, seria admissível qualquer prova que o Tribunal julgasse ter algum valor probatório (artigo 19, Carta). O artigo 29 previu que a execução das penas seguiriam as ordens do Conselho de Controle para a Alemanha, órgão que detinha a qualquer tempo a faculdade de diminuir ou alterar as sentenças. As normas foram escritas e o Tribunal foi constituído por tratado internacional, mas o resultado efetivo pode ser caracterizado como uma execução de guerra institucionalizada e justificada pelo direito.