• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU

II.1: Do Direito Penal Transnacional

Antes de nos centrarmos na construção política, legislativa e institucional dos atuais

ELSJ e corpus juris do DPE, importa estabelecer o enquadramento jurídico-concetual de

análise em que se insere a presente investigação, designadamente, o Direito Penal

Transnacional

69

que, numa dimensão mais abrangente, inclui o Direito Penal

Internacional

70

, o Direito Penal Transnacional, em si, e o DPE

71

.

69 Termo primariamente concetualizado por JESSUP (1986), posteriormente retomado por SCHACHTER

(1986) e por ZUMBANSEN (2006).

70 Esta divisão concetual não é consentânea. O Estatuto de Roma de 17 de julho de 1998 (ONU, 1998),

fundador do Tribunal Penal Internacional, não atribui relevância à distinção dos conceitos de Direito Penal Internacional com um elemento internacional e de Direito Penal Internacional com um elemento transnacional — “unlike International Criminal Law, which is usually customary, a characteristic reinforced by the selection of crimes inte the Rome Statute, Transnational Criminal Law is usually treaty based, enabling groups of states to respond rapidly to new forms of criminality” (BOISTER, 2003, p. 11). Existem também diferenças na natureza sistemtática e jurídica que são substantivas manifestações de uma hierarquia entre crimes nacionais, transnacionais e internacionais, atendendo aos também díspares valores e interesses que tutelam. Os crimes internacionais são inconsistentes com uma norma fundamental do Direito Internacional: a regra jus cogens. Esta criminalidade internacional é caracterizada pelo envolvimento do Estado, necessitando de medidas excecionais que extravasam as normas nacionais (BASSIOUNI, 2001). Já o crime transnacional descreve a essência de uma multiplicidade de atividades que afetam os interesses sociais, económicos e culturais de todos ou de um número substancial de Estados.

71 Denominação que surgiu no final dos anos 90, cumulativamente, com o conceito de reconhecimento

mútuo (os Estados-Membros devem reconhecer plenamente as decisões judiciais adotadas por outras jurisdições de UE), como pedra angular do proclamado ELSJ da UE pelo Tratado de Amesterdão, embora o verdadeiro ponto de viragem seja considerado o Tratado de Maastricht, situação que abordaremos posteriormente. De acordo com JASINSKI (2015), o DPE consiste num corpo de leis, normas e regras que disciplinam um conjunto de crimes, nacionais, transnacionais e internacionais e a sua represseão, bem como as regras para dirimir conflitos e potenciar a cooperação entre sistemas legais penais nacionais, dividindo- se em três áreas: “cooperation between different national legal systems through extradition and other forms of mutual legal assistance”, “the prohibition and punishment of certain behaviour by several countries acting collectively”ou “the international community as a whole” (Veja-se a Convenção da Lei Criminal sobre a Corrupção de 1999 — (CONSELHO DA EUROPA, 1999), a Convenção sobre o Cibercrime de 2001 (CONSELHO DA EUROPA, 2001), o Protocolo Adicional para a Convenção sobre o Cibercrime relativamente à criminalização de atos racistas e xenófobos cometidos informaticamente de 2003 (CONSELHO DA EUROPA, 2003) e a Convenção do Conselho de Europa sobre a Prevenção e Combate

contra a Violência sobre Mulheres e Violência Doméstica de 2011 (CONSELHO DA EUROPA, 2011

))

e

“the operation of autonomous international legal systems, including courts and other mechanisms of enforcement, that exist alongside national criminal law”. De acordo com estes autores, as bases e origens do DPE remontam à Convenção sobre a Extradição de 1957 (CONSELHO DA EUROPA, 1957), bem

CAPÍTULO II: DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE LIBERDADE SEGURANÇA E JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU: Do Direito Penal Transnacional

56

Todas elas se fundam nas dinâmicas políticas no contexto das relações

internacionais, assentando no reconhecimento de que:

“From the moment polities became sufficiently durable and bureaucratised to qualify as ‘states’, they have jealously guarded their exclusive right to exercise coercion to punish breaches of the rules of social interaction on their territory. Be that as it may, people have always moved, travelled, migrated and, as an inevitable consequence, systems of criminal justice have always had to deal with the existence of, and claims by, other systems of criminal justice” (FLETCHER et al., 2009, p. 5).

Por conseguinte, estas ramificações não foram originadas pelos processos político-

legislativos de um determinado Estado, mas no seio de “(…) an almost savage game

played in the arena of the greater national interest”. Atente-se que os Estados,

internamente, aplicam as suas leis penais, materialização inequívoca da sua soberania

72

e

nas quais se tutelaram interesses individuais que essa sociedade decidiu proteger

coletivamente (FLETCHER et al., 2008, p. 5). Não obstante a sua produção por via de

processos legislativos nacionais, interferem extraterritorialmente com a soberania de

Estados terceiros. Estes efeitos transnacionais, positivos ou negativos, são suscetíveis de

disciplina e harmonização com base no reconhecimento de que o Direito Transnacional

"(…) can be made an effective instrument for broadening the perspectives and bases of

power of national decision makers, thereby facilitating the wider and more secure

achievement of those fundamental human desires and goals which transcend national

boundaries" (MCDOUGAL, 1959, p. 1).

Atente-se que estes efeitos transnacionais não são meramente problemáticos na

vertente política. As próprias correntes jurídicas impõem estritos limites à extensão

extraterritorial de aplicabilidade do seu Direito Penal, na medida em que se relacionam

com dois princípios fundamentais horizontalmente consagrados nos Estados-Membros da

UE: os princípios nullum crimen sine lege e nulla pena sine culpa

73

(RUGGERI, 2015).

Neste sentido, tanto os grupos políticos como jurídicos resistiram à definição dos

elementos das práticas penais que quando cometidas no seu território lhes possibilitassem

uma jurisdição transnacional aplicável a toda a ação criminal globalmente considerada.

como, consecutivamente, a Convenção Europeia sobre a Assistência Mútua em Matéria Criminal de 1959 (CONSELHO DA EUROPA, 1959), a Convenção Europeia sobre a Supressão do Terrorismo de 1977 (CONSELHO DA EUROPA, 1977), o Protocolo Adicional para a Convenção Europeia no âmbito da informação sobre o Direito estrangeiro de 1978 (CONSELHO DA EUROPA, 1978), além dos demais tratados bilaterais e multilaterais de extradição entre Estados-Membros.

72 Esta que, de acordo com ALBUQUERQUE (2011, p. 1), "(…) continua (...) a representar o obstáculo

maior à eficácia do Direito Penal clássico no combate à criminalidade transnacional que aqueles fenómenos facilitam".

CAPÍTULO II: DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE LIBERDADE SEGURANÇA E JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU: Do Direito Penal Transnacional

57

Esta indefinição provocou intemporalmente erros e tensões jurisdicionais e legais.

Induziu-se, assim, a necessidade de garantir a prosecutio transnationalis, no respeito dos

princípios elencados e, adicionalmente, do ignorantia legis non excusat.

Ao contrário do Direito interno, nestas formas de Direito as relações estabelecem-

se entre soberanias, sendo que o princípio de ação é a oportunidade e a guerra representa

a única sanção. Deste modo, depreende-se a sua desconexão dos fins da justiça criminal,

sendo estes imprescindíveis de qualquer lei de natureza penal (FLETCHER et al., 2008).

Perante estas dissonâncias entre a dimensão jurídica interna e transnacional e no

intuito de reprimir a criminalidade transnacional, o legislador internacional optou por

celebrar as denominadas crime supression conventions, as quais vinculam os Estados

ratificantes à criminalização de atividades específicas, a par da adoção de procedimentos

capacitantes da cooperação com outros Estados cuja jurisdição impende. FLETCHER et

al. (2008, p. 5) defendem que esta nova ordem jurídica materializa “(…) binding rules

which apply irrespective of any contrary national interest”, gravitando em torno de um

conceito nuclear: a confiança mútua

74

.

Decorrentemente, deduz-se uma dicotomia entre the individual centred internal

procedure e o state-centred external procedure (FLETCHER et al., 2008, p. 5). Por outras

palavras, todos os seus instrumentos dividem-se em abordagens que se centram na

proteção individual, enquanto, outros, por outro lado, se focam nas relações

internacionais entre Estados, nas quais prevalece o principle of non-intervention in

foreign affairs (RUGGERI, 2015, p. 175). Veja-se que em quase todos os casos os seus

instrumentos são aplicados pelo poder executivo do competente Estado-Membro com

base no seu interesse nacional, não obstante o controlo jurisdicional do poder judicial —

“(…) criminal justice was made on the basis of considerations of political expediency

74 O teor do art.º 82, n.º 2, TFUE, que apela ao reconhecimento mútuo, advém da consideração dos Estados-

Membros que não seria produtiva e exequível, bem como indesejável, a harmonização dos sistemas legais nacionais. Desta assunção, entendeu-se que a confiança mútua representa a condição sine qua non para a concretização do preceito elencado na última frase — “(…) the logic is that the extraterritoriality of judicial decisions, created by mutual recognition, will only be accepted if there is a sufficiently high level of mutual trust between Member States” (WILLEMS, 2016, p. 64). Neste mesmo sentido, dispõe ainda o parágrafo 77, do acórdão do TJUE de 5 de abril de 2016 sobre os processos apensos C-404/15 e C-659/15 (TJUE, 2016): “o próprio princípio do reconhecimento mútuo, no qual se baseia o sistema do mandado de detenção europeu, assenta na confiança recíproca, entre os Estados‑Membros, em que as respetivas ordens jurídicas nacionais estão em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais, reconhecidos ao nível da União, em particular, na Carta (v., neste sentido, acórdão F., C‑168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.° 50, e, por analogia, no que respeita à cooperação judiciária em matéria civil, acórdão Aguirre Zarraga, C‑491/10 PPU, EU:C:2010:828, n.° 70)”.

CAPÍTULO II: DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE LIBERDADE SEGURANÇA E JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU: Do Direito Penal Transnacional

58

rather than doing justice by the individuals concerned, which is the prime concern of a

court of law” (FLETCHER et al., 2008, p. 9).

Partindo para a concetualização de Direito Penal Internacional, este consiste numa

“(…) forma qualificada de Direito Penal Transnacional porque prevê apenas os crimes

que põem em causa a paz e a segurança da humanidade, tais como o genocídio, agressão,

crimes contra a humanidade, crimes de guerra e a tortura” (BRANCO, 2015, p. 64),

definição retomada por ICRC (2004) ao considerá-lo como “(…) the body of law that

prohibits certain categories of conduct deemed to be serious crimes, regulates procedures

governing investigation, prosecution and punishment of those categories of conduct, and

holds perpetrators individually accountable for their comission”. Para WASHINGTON

COLLEGE OF LAW (2004, p. 4), defensores dos princípios do sistema vestefaliano,

consideram que “(…) it is a discrete body of public international law and, as such,

operates in the context of the international legal system (…) as a horizontal system, where

sovereign states were horizontally juxtaposed with no higher authority, its substantive

norms consisted of a network of reciprocal obligations that focused almost exclusively

on inter-state relations” e, numa vertente mais garantística, “(…) international criminal

law is a legal system in which fair and independent trials are to be conducted by the

international community” (JAWAD, 2015, p. 165).

Como propósito fundamental, o Direito Penal Internacional almeja “(…) to

establish the criminal responsability of individuals for international crimes” (BROWN,

2011, p. 3) com base na teoria da retribuição formulada por Immanuel Kant — que se

estabelece na necessidade de punir agentes de crimes, punição esta que representa

benefícios futuros para a sociedade —, na teoria da dissuasão formulada por Jeremy

Bentham

75

e na teoria educacional

76

. Em última análise, o Direito Penal Internacional

promove a reconciliação política, alterando a condição moral e social da legislação de

determinadas sociedades, e garante, por outro lado, a justiça internacional e a

transparência processual penal do julgamento — “the primary requirement under

international criminal law, international human rights law, and inter national

humanitarian law, according to which every human being is entitled for the right of fair

trial” (JAWAD, 2015, p. 164).

75 Estreitamente ligada à teoria utilitária, coloca a ênfase no facto da repressão dissuadir outros agentes do

cometimento de crimes, prevenindo a sua ocorrência e protegendo os cidadãos dos seus efeitos.

76 Centrada na ideia de que a comunidade comunicará com o agente do crime e o fará compreender a

CAPÍTULO II: DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE LIBERDADE SEGURANÇA E JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU: Do Direito Penal Transnacional

59

Ora, JAWAD (2015, p. 164) demonstra o caso do Tribunal Penal Internacional para

a causa jugoslava e revela “(…) it was held by ICTY in Aleksovski case, that the objective

to inflict punishment is not the revenge from the criminal, rather the primary purpose is

expressing outrage at crimes (…) in Todorovic Case, the principle has been laid down by

ICTY that a fair and balanced approach should be adopted regarding the punishment”,

concluindo que “(…) the basic aim of international criminal law is the reformation of the

offender (…) denunciation or education”.

Assim, atendendo ao valor dos bens jurídicos protegidos, a sua aplicação é direta e

independente da sua previsão legal, tendo como fonte o costume internacional e, mais,

concretamente, o disposto no art.º 38, Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça de

Haia, em anexo à Carta das Nações Unidas (ONU, 1945)

77

. O Direito Penal Transnacional

distingue-se de Direito Penal Internacional pelo facto de, no segundo caso, a lei penal ser

aplicada em Tribunais Penais Internacionais onde a responsabilidade criminal individual

é diretamente apurada mediante o Direito Internacional

78

.

Importa assim enunciar o conceito normativamente distinto e adotado para a

presente investigação: o Direito Penal Transnacional, o qual se assume indireto

79

porque

resulta de leis de coordenação

80

, e cujo núcleo se preenche com a noção de “transnational

crime”

81

— “(…) criminal phenomena transcending international borders, transgressing

the laws of several states or having an impact on another country” (MUELLER, 2001, p.

13). De acordo com art.º 3, sob a epígrafe Âmbito de Aplicação, da Convenção das Nações

Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (ONU, 2000), o caráter transnacional

77 O mencionado artigo enumera as fontes de Direito Penal Internacional como sendo: as convenções

internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados ratificantes; o costume internacional como uma evidência de uma prática aceite pela lei, os princípios gerais de Direito reconhecidos por nações civilizadas e decisões judiciais, obras dos mais qualificados juristas das demais nações como meios subsidiários para a determinação da aplicação da lei. De acordo com THORMUNDSSON (2009), não existe uma hierarquia ou prioridade inerente às fontes enunciadas, exceto no caso da última devido ao expresso caráter subsidiário.

78 Embora as correntes ortódoxas considerem que os crimes com natureza transnacional sejam englobados

no Direito Penal Internacional de um modo indiferenciado (BASSIOUNI, 1999).

79 Refletido no facto de que o Direito Penal Transnacional protege valores e interesses transnacionais

limitados, sendo que “(…) it does not serve as an instrument of a Grotian community of states where communitarian values dominate but is at most an instrument of a loosely aligned Vattelian society of states where sovereignty and self- interest are the dominant values and laws of coordination the result” (BOISTER, 2012, p. 12).

80 O grau de coordenação varia de acordo com as ameaças e danos que se perspetivam ocorrer com

determinada conduta embutidas em variáveis mais complexas tais como o impacto espacial e social da conduta.

81 O crime transnacional é concetualizado pelo art.º 3, sob a epígrafe Âmbito de Aplicação, da Convenção

CAPÍTULO II: DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE LIBERDADE SEGURANÇA E JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU: Do Direito Penal Transnacional

60

de um crime assume-se relativamente a uma conduta tipificada como crime que preencha

as seguintes condições disjuntivas:

- Cometidas em mais de um Estado (alínea a), do mencionado artigo do referido

diploma);

- Cometidas num determinado Estado mas uma parte substancial da sua

preparação, planeamento, direção ou controlo ocorre num outro Estado (alínea b),

do mencionado artigo do referido diploma);

- Cometidas num Estado mas envolve um grupo criminal organizado que comete

crimes em mais do que um Estado (alínea c), do mencionado artigo do referido

diploma), ou;

- Cometidas num Estado mas com efeitos substanciais num outro Estado (alínea d),

do mencionado artigo do referido diploma).

Consequentemente, a verificação de uma das circunstâncias atrás mencionadas

possibilita um gancho transnacional (NADELMANN, 1990, p. 479) que persuade os

Estados em convenções multilaterais destinadas à criminalização e repressão de

determinadas condutas no seu próprio território.

De acordo com BOISTER (2003, p. 3), a noção de Direito Penal Transnacional, em

sentido restrito, assume-se com uma natureza criminológica e não propriamente jurídica,

definindo-se como “(…) the indirect supression by international law through domestic

penal law of criminal activities that have actual or potential transboundary effects”. Por

outras palavras, detém um caráter funcional e não de descrição normativa. FIJNAUT

(2000) complementa referindo que aglomera o conjunto da criminalidade organizada,

corporativa, profissional e política, extravasando a mera transposição das fronteiras

82

.

JESSUP (1956, p. 893) introduz este Direito no conceito de Direito Transnacional como

“all law which regulates actions or events that transcend national frontiers”, como um

ordenamento jurídico que não se enquadra nas fronteiras jurídicas tradicionais.

A principal fonte jurídica de Direito Penal Transnacional, à semelhança do que

ocorre com o Direito Penal Internacional, advém das convenções e tratados internacionais

— “international prohibition regimes are intended to minimise or eliminate the potential

havens from which certain crimes can be committed and to which criminals can flee to

82 Neste âmbito, o mencionado autor expõe a dependência do abastecimento ilícito transfronteiriço de droga

na produção nacional e a natureza perfeitamente localizada do controlo da criminalidade organizada transnacional nas economias locais. Assim, para este autor, o conceito de crime transnacional não reflete a multiplicidade de tipologias de crimes abarcados, bem como das suas dimensões locais e nacionais.

CAPÍTULO II: DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE LIBERDADE SEGURANÇA E JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU: Do Direito Penal Transnacional

61

escape prosecution and punishment. They provide an element of standardisation to co-

operation among governments that have few other law enforcement concerns in common.

And they create an expectation of co-operation that governments challenge at the cost of

some international embarrassment” (NADELMANN, 1990, p. 479). À medida que a

sociedade internacional sentiu crescentemente os efeitos da globalização da

criminalidade, especialmente a partir de 1990, intensificou-se a adoção de convenções de

supressão. Destas subjaz um conjunto de infrações que se inserem no sistema global de

Direito Penal Internacional, o qual protege bens jurídicos que ultrapassam as fronteiras

dos seus Estados, contrapondo a este conceito stricto sensu — neste caso “(…) crimes

that provide for individual penal responsability for violations of international law before

ans international penal tribunal” (BOISTER 2003, p.3).

Na realidade europeia, estas normas de supressão rapidamente evoluíram da

clássica assistência legal mútua, para a entrada em vigor do Tratado de Maastricht

83

com

a prevalência do princípio da assimilação

84

, e, evoluindo, para os conceitos de

reconhecimento mútuo, aproximação e harmonização, como verificaremos.

Este conceito encaixa no designado transnational legalized traditionalism

postulado por SCOTT (2007, p. 868) que inclui as crime-focused public international

laws e os próprios ordenamentos jurídicos domésticos que constituem “(…) an

autonomous set of international treaty norms and many autonomous sets of domestic

criminal norms with quite distinctive points of authority (…) a non-hierarchical

normative area or as a fixed system of norms of similar content, type and purpose”

(BOISTER, 2012, p. 13). Este sistema é constituído por uma componente internacional

horizontal e outra nacional vertical.

83 Período em que não existiam competências atribuídas às Comunidades vigentes para a harmonização das

leis criminais de cada Estado-Membro e para legislar nessas matérias, bem como vontade política para estreitar a cooperação nestas matérias.

84 Contemplado no art.º 5, do Tratado CEE de 1957 (CEE, 1957), dispondo: “member States shall take all

appropriate measures, wether general or particular, to ensure fulfillment of the obligations arising out of this Treaty or resulting from action taken by the institutions of the Community. They shall facilitate the achievement of the Community’s tasks. They shall abstain from any measure which could jeopardise the attainment of the objections of this Treaty”, ou seja, os Estados-Membros da CEE devem assim assimilar as infrações à lei CEE para os seus ordenamentos jurídicos nacionais. Este princípio foi aplicado no acórdão do TJUE, relativamente ao processo C-68/88 Greek Maize (TJUE, 1989), tendo concluído que a legislação comunitária não fornece qualquer sanção ou infração, nem as remete para as leis nacionais, prevalecendo a discricionariedade do Estado-Membro em assegurar que, em infrações particulares da lei comunitária, sejam aplicadas sanções, procedimentais e substantivas — “(…) which are analoguous to those applicable to infringements of national law of a similar nature and importance and which, in any event, make the penalty effective, proportionate and dissuasive”.

CAPÍTULO II: DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO DE LIBERDADE SEGURANÇA E JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU: Do Direito Penal Transnacional