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Do conceito do Direito Penal Europeu e seu enquadramento histórico

CAPÍTULO II: DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU

II.2: Do conceito do Direito Penal Europeu e seu enquadramento histórico

Contextualizado o conceito geral de Direito Penal Transnacional, empreende-se

doravante a focagem no quadro concetual específico do último dos seus componentes,

onde se insere a problemática da presente investigação: o DPE e a UE

95

, através dos

processos político-legislativos das comunidades, do pilar JAI e subsequente ELSJ

96

,

contextualizados histórica e politicamente.

O uso da expressão Direito Penal para este corpo jurídico é problemático, e, em

prol do rigor concetual, importa averiguar a correção da sua utilização. Neste sentido, tal

expressão, doutrinariamente, estabelece-se como um ramo do Direito Público

97

, antes de

mais, uma “(…) legitimação Constitucional quer no que respeita às normas penais, ou

seja que ao aspeto processual ou substancial” (DIAS, 2007, p. 33)

98

, assumindo uma

dimensão substantiva

99

e processual que tem por alvo uma relação jurídica de Direito

Público

100

. Ora, ainda que considerando que a CEDH, CDFUE e os próprios TUE e

TFUE possam assumir esta posição Constitucional europeia, resta-nos identificar os

sujeitos da relação de Direito Público e o conjunto de normas substantivas e processuais

europeias que disciplinam com rigor essa relação. Pois, tal como o reconhece RAMOS

(2010, p. 749), “não existe ainda um Direito Penal da UE, entendido como designando a

existência de tipos penais europeus, aplicáveis diretamente em todos os Estados-

95 Conceito assim definido pelo art.º 1, TUE “(…) à qual os Estados-Membros atribuem competências para

atingirem os seus objetivos comuns”.

96 Este domínio da UE detém as funções específicas da soberania, a salvaguarda da segurança interna, o

controlo das fronteiras nacionais e o acesso dos cidadãos à justiça (MITSILEGAS et al., 2003).

97 Isto é, este ramo do Direito assume-se como a materialização do poder jus puniendi decorrente da

soberania nacional, sendo, deste modo fundamental delimitar com rigor os fundamentos e as condições em que pode existir uma intervenção na esfera das liberdades dos cidadãos que integram essa sociedade, designadamente, a estrita matriz em que se pode exercer este poder punitivo. As especificidades deste poder punitivo impõem a definição de garantias especiais aos destinatários das normas penais, tanto na sua dimensão substantiva como processual.

98 Estas linhas constitucionais assumem-se como argumentos legitimadores da incriminação, bem como o

relevo ético prévio das condutas, a exigência de consenso e de proteção de bens jurídicos específicos.

99 Nesta dimensão substantiva, corresponde a um sistema fechado de normas jurídicas que enunciam os

factos ou condutas humanas que colocam em causa os valores ou interesses jurídicos que são essenciais e relevantes numa comunidade, as sanções que lhes correspondem, designadamente, penas de prisão, multa e medidas de segurança (DIAS, 2007). Nesta corrente de pensamento, sublinha-se a teoria do crime que se funda numa definição formal como uma ação ou um facto típico, ilícito e culposo, e numa concetualização material como todo o comportamento humano que lesa ou ameace de lesão bens jurídicos fundamentais. Vigora, nesta ramificação, o princípio da subsidiariedade, na medida em que só intervem a tutela penal na salvaguarda de bens jurídicos quando esta não puder ser eficazmente assegurada por outros ramos do Direito sancionatório em vigor em determinado ordenamento jurídico.

100 Estabelece o modo em que a responsabilidade pela violação e afetação de bens jurídicos, assumindo o

Estado, representado pelo Ministério Público, e os particulares, estes que poderão se assumir como o agente do crime, o ofendido ou o lesado.

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Membros (…) também não existe ainda um processo penal europeu, no sentido de um

processo com regulamentação autónoma, distinto do nacional”. Vigoram, porém, regras

mínimas para os elementos típicos e sancionatórios de tipos penais, princípios e normas

processuais penais e um quadro de cooperação judiciária na UE. Para a operacionalização

deste conceito, respeitando os requisitos para a sua utilização, inclui-se neste os

ordenamentos jurídicos processuais penais e penais dos seus Estados-Membros.

Este conceito de DPE, à luz da doutrina penal e processual penal clássica, não

poderá deixar de ser classificado de híbrido

101

, ou seja, dotado de uma complexidade

acrescida, inerente à arquitetura jurídico-penal da UE, que vê nas suas instituições um

quadro de competências partilhadas com os sistemas jurídicos de cada um dos Estados-

Membros, regulamentando, harmonizando e interconectando, em vastos aspetos, a forma

como a ação penal é conduzida pelos últimos. Este, assim, cobre “(…) the relationship

between the individual and the State (and its reconfiguration athe Union level), and lie at

the heath of State sovereignty (and the relationship and balance of powers between

Member States and the EU)” (MITSILEGAS, 2009, p. 1). CAEIRO (2017, p. 35-36)

considera este conceito mutável atendendo às estruturas em que se suporta e mecanismos

pelos quais opera, mas permanente no que respeita ao reconhecimento mútuo e

harmonização

102

, símbolos do “(…) equílibrio entre as identidades e culturas jurídicas

nacionais, por um lado, e um projeto comum de liberdade, segurança e justiça”.

Por sua vez, HECKER et al. (2015, p. 2) define DPE enquanto “(…) an instrument

encompassing all rules of national criminal law as embraced, modified and complemented

by EU. These rules may be termed Europeanized national criminal law (…) includes the

judicial cooperation in criminal matters on the basis of the principle of mutual

recognition”.

De um modo geral, RODRIGUES (2017, p. 11) caracteriza o DPE atendendo à sua

fonte — “(…) criado pelo legislador penal europeu ao nível da União Europeia; e como

Direito Penal Europeu no sentido de Direito Penal nacional criado em execução das

101 Veja-se o conceito de acusação penal estipulado pelo art.º 6, da CEDH, despido de um procedimento

formalmente criminal, mas sim, de uma clara matriz material (DELMAS-MARTY, 1996). Este direito é específico e sem par em termos nacionais e internacionais (princípios, normas e regras de interpretação).

102 Atendendo ao mencionado autor, estas características serão permanentes enquanto o DPE tiver de

interagir com os ordenamentos jurídico-penais nacionais. Veja-se que o reconhecimento mútuo não difere largamente da cooperação clássica na medida em que uma decisão de determinado Estado-Membro necessita de uma decisão de natureza constitutiva das autoridades recognoscente, ou seja, assume-se bilateral. Por outras palavras, o reconhecimento mútuo remanesce uma forma de cooperação mais intensa.

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obrigações resultantes do Direito da União Europeia”. A distinção entre um e outro

assenta num triplo critério: quanto à classificação pelo Direito nacional

103

, quanto à

natureza da infração

104

e quanto à natureza e severidade da punição

105

, sendo estes dois

últimos critérios não cumulativos (RAMOS, 2010).

A sua formalização foi almejada pela Comissão Europeia com a proposta de

estabelecimento de um corpus juris enquanto um european micro-code formulado por

um grupo de oito peritos em direto penal nacional e comunitário, no quadro do projeto

lançado em 1995 pelo diretor da vigésima direção da Comissão

106

. A insistência da

Comissão Europeia levou à formulação do green paper on criminal law protection of the

financial interests of the Community and the establishment of a European Prosecutor

(COMISSÃO EUROPEIA, 2001), e, passados três anos, à assinatura do Tratado

Constitucional em Roma (CONSELHO, 2004)

107

. Estas bases levaram à criação da

denominada Procuradoria Europeia (PE), vocacionada para a Proteção dos Interesses

Financeiros da União (PIF), como verificaremos ainda no presente capítulo.

Neste sentido, RAMOS (2010, p. 746), a par de SATZGER (2010) e RODRIGUES

(2008, p. 13), estabelece este conceito como um conceito plurissignificativo que designa

diferentes realidades, numa dimensão ampla — “todas as normas jurídicas de fonte

europeia com conteúdo penal material, ou normas de Direito punitivo”

— incluindo

também as normas processuais penais

108

e ainda as processuais penais e penais afetadas,

modificadas ou complementadas pelo Direito da UE. Na sua vertente restrita quanto à

fonte, o DPE consiste num “(…) conjunto de normas com incidência em matéria penal

produzidas no quadro institucional da UE”, incluindo, ainda neste caso, o Direito Penal

103 De acordo com o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, doravante TEDH, Engel e outros

(TEDH, 1976), é necessário ter em conta as regras substantivas e procedimentais impostas e a classificação facultada por outros Estados-Membros relativamente a essa infração.

104 De acordo com RAMOS (2010, p. 746) “a natureza criminal é estabelecida quando a sanção pune a

violação de uma regra dirigida a todos os cidadãos, em geral, e tem um fim simultaneamente punitivo e preventivo”.

105 O TEDH, no Acórdão Engel e outros considera que a natureza penal das sanções se consubstancia nas

privações e limitações de liberdade, com fins punitivos e dissuasores.

106 Baseado em provisões adjetivas e substantivas de Direito Penal relativamente a infrações lesivas dos

interesses financeiros da UE, prevendo-se inclusivamente o funcionamento e poderes de uma Procuradoria Pública Europeia (DELMAS-MARTY, 1997 e 2001).

107 Mais precisamente a disposição constante do art.º III-274, do Tratado Constitucional, e que viria a ser

transposta para o art.º 86, TFUE, este que analisaremos mais à frente.

108 De acordo com RAMOS (2010, p. 747), o DPE em sentido amplo abarca “(…) todas as normas que

afetam a prossecução penal na Europa”, referindo ainda que esta inclusão não é novidade na medida que, no prisma interno, este conceito é também utilizado para incluir as suas dimensões substantiva e adjetiva, tal como o Professor Jorge de Figueiredo Dias que faz uso do conceito de ordenamento jurídico-penal.

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substantivo e todas as normas oriundas do quadro institucional da UE que afetam a sua

efetivação que se estendem aos procedimentos de cooperação judiciária internacional

109

.

Este último componente do Direito Penal adjetivo europeu, acompanhado da base mínima

dos direitos fundamentais dos cidadãos europeus no processo penal, representa o pano de

fundo de toda a construção concetual que se solidifica ao longo da presente investigação.

Antes de partir para o seu enquadramento histórico, seleciona-se, para a presente

investigação, o conceito de DPE formulado por NEAGU (2009, p. 60): “european

criminal law is a blending of principles stemming from common traditions of the Member

States, standing at the crossroads between common law and continental law and

borrowing from both (…) is not only heavily influenced by the national criminal law of

the Member States, but aids also to the constant evolution of the latter”. Considerando-se

errado o impulso de estreitá-lo num ordenamento jurídico comum e, deste modo,

desprezar as diferenças histórico-culturais de cada Estado-Membro. Conclui NEAGU

(2009, p. 65): “the motto of the European Union, “united in diversity”, can be applied

successfully also in respect to criminal law”.

Este conceito não se considera, porém, definitivo. Este exercício concetual é, assim,

levado a cabo, paralelamente, ao longo da presente investigação, não obstante a utilização

do conceito de Direito Penal Europeu para referenciar este sistema aberto constituído

fundamentalmente por princípios e por normas, com incidência substantiva e adjetiva,

decorrente e incidente no ELSJ, em harmonia com os direitos constitucionais, processuais

penais e penais de cada um dos seus Estados-Membros.

Tem-se por adquirido que o DPE é influenciado pelos Direitos Penal e Processual

Penal vigentes em cada um dos seus Estados-Membros, enformando-os em linhas gerais

e abstratas de conformação jurídica. Os conceitos penais e processuais penais, quando

comuns a vários ordenamentos jurídicos de diversos Estados-Membros, são importados

para esta tipologia de Direito Transnacional. Esta fonte de Direito Penal Europeu não se

esgota nas leis nacionais, é cumulativamente modelado, direta ou indiretamente, pelos

próprios tratados que materializam o seu quadro jurídico (FLETCHER et al., 2008).

109 Sendo, deste modo, fulcral compreender as relações entre o ordenamento jurídico da UE e o Direito

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Em sentido contrário, o próprio DPE influencia

110

, por sua vez, os ordenamentos

penais e processuais penais de cada Estado-Membro por via dos processos políticos

111

,

da produção legislativa, divididos por via do CDFUE

112

, como meio de garantir a eficácia

do combate ao crime transnacional organizado

113

e como forma de reforçar a eficácia das

110 Não obstante algumas interpretações controversas do TJUE nos seguintes casos: processo C-105/03 com

acórdão de 16 de junho de 2005 (TJUE, 2005) — fica demonstrado que o princípio de interpretação conforme do Direito nacional perante uma Decisão-Quadro e o princípio da cooperação leal enunciados pelo TJUE não se sobrepõem aos valores e princípios gerais de Direito: princípio da segurança jurídica e o da não-retroatividade. Nos processos apensos C-345/04P e C-355/04P (TJUE, 2005) — estabeleceu-se com esta interpretação que os Estados-Membros e os seus órgãos jurisdicionais devem interpretar e aplicar as normas processuais internas e permitir, assim, às pessoas singulares e coletivas impugnar judicialmente a legalidade de qualquer decisão ou de qualquer medida nacional remetida por ato da UE. Por fim, salienta- se a interpretação do Superior Tribunal Regional de Estugarda (Oberlandesgerichte), de 25 de fevereiro de

2010 (STRE, 2010)— é reconhecido que a extradição pode ser desproporcionada, nos termos do art.º 6,

TUE, art.º 49, n.º 3, CDFUE, e o art.º 12, da Decisão-Quadro do Conselho 2002/584/JAI, de 13 de junho de 2002 (Decisão-Quadro MDE) (CONSELHO, 2002), se as acusações forem relativas a crimes menores, se as sanções aplicáveis forem excessivas e a prisão e extradição forem medidas demasiado penalizadoras para o arguido e inclusivamente para o Estado-Membro requerido.

111 As políticas em matérias penais eram informais no inicío dos anos 90, sem qualquer menção expressa

no quadro legislativo europeu. Esta formulação política surge com o Conselho Europeu de Tampere em 1999 (CONSELHO EUROPEU, 1999), com o Programa Multianual de Haia de 4 e 5 de novembro de 2004 (CONSELHO EUROPEU, 2004) e, consequentemente, com o Tratado de Lisboa em que no seu art.º 67, parágrafo 1, dispõe “a União constitui um espaço de liberdade, segurança e justiça, no respeito dos direitos fundamentais e dos diferentes sistemas e tradições jurídicos dos Estados-Membros”, especificando seguidamente no parágrafo 3: “a União envida esforços para garantir um elevado nível de segurança, através de medidas de prevenção da criminalidade, do racismo e da xenofobia e de combate contra estes fenómenos, através de medidas de coordenação e de cooperação entre autoridades policiais e judiciárias e outras autoridades competentes, bem como através do reconhecimento mútuo das decisões judiciais em matéria penal e, se necessário, através da aproximação das legislações penais”. Realça-se, por fim, o Programa de Estocolmo vigente no período 2010-2014 (CONSELHO EUROPEU, 2010) como mais uma iniciativa revigorada de impulsionar o ELSJ.

112 A CDFUE representa o ato legislativo europeu de maior influência no ordenamento penal e processual

penal de cada um dos Estados-Membros. Esta pode ser invocada no decorrer de qualquer processo-crime em qualquer tribunal de qualquer Estado-Membro. Podem ainda ser solicitados ao TJUE pareceres e interpretações vinculativas relativamente às suas disposições. Por outro lado, a CDFUE apenas pode ser invocada relativamente a leis que transpuseram atos legislativos europeus, colmatando-se esta lacuna com a CEDH que pode ser utilizada relativamente a qualquer lei nacional. Veja-se a decisão proferida pelo TJUE (2014) no processo C-45/14, nos seus parágrafos 20 a 25 com objeto: “une demande de décision préjudicielle au titre de l’article 267 TFUE, introduite para la Fovarosi Itelotabla, par décision du 21 janvier 2014, parvenue à la Cour le 27 janvier 2014”.

113 Nos termos do art.º 83, n.º 1, do TFUE, em que se realça a Decisão-Quadro do Conselho 2000/383/JAI

de 29 de maio de 2000 (CONSELHO, 2000), a Decisão-Quadro do Conselho 2008/913/JAI de 28 de novembro de 2008 (CONSELHO, 2008), a Decisã-Quadro do Conselho 2002/475/JAI de 13 de junho de 2002 (CONSELHO, 2002), a Decisão-Quadro do Conselho 2004/757/JAI de 25 de outubro de 2004 (CONSELHO, 2004), a Decisão-Quadro do Conselho 2004/68/JAI de 22 de dezembro de 2003 (CONSELHO, 2003), a Decisão-Quadro 2001/500/JAI de 26 de junho de 2001 (CONSELHO, 2001), a Diretiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de abril de 2011 (CONSELHO e PARLAMENTO EUROPEU, 2011) e a Decisão-Quadro do Conselho 2008/841/JAI de 24 de outubro de 2008 (CONSELHO, 2008).

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políticas da UE em matérias já harmonizadas

114

, e da jurisprudência europeia

115

— “the

influence coming towards and from European criminal law is highly positivistic in

approach” (NEAGU, 2009, p. 65).

De forma a sistematizar o quadro concetual até então esboçado, apresenta-se

seguidamente a Figura n.º II.3 Do DPE no sistema legal internacional, onde se

estabelecem os principais elementos do Direito Penal Transnacional — designadamente,

o Direito Penal Internacional, Direito Penal Transnacional e, com especial incidência, o

DPE. Cumulativamente, demonstra-se o centro de gravidade, bem como,

inevitavelmente, o seu contrapeso:

Figura n.º II. 3 — Do DPE no sistema legal internacional

Fonte: Autor

114 De acordo com o art.º 83, n.º 2, TFUE, realçando-se a Diretiva 2009/52/CE do Parlamento Europeu e

do Conselho de 18 de junho de 2009 (CONSELHO e PARLAMENTO EUROPEU, 2009), a Diretiva 2008/99/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de novembro de 2008 (CONSELHO e PARLAMENTO EUROPEU, 2008) e da Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014 (CONSELHO e PARLAMENTO EUROPEU, 2014).

115 A jurisprudência do TJUE tem efeitos nas legislações penais nacionais, inexistindo competência em

processos-crime a correr trâmites na UE e supervisão sobre as decisões dos tribunais nacionais de cada Estado-Membro. A única área de competência efetiva materializa-se nas decisões judiciais proferidas nos processos de regulamentação preliminares, por via do art.º 267, TFUE. Neste último campo, as decisões do TJUE são vinculativas na interpretação de Tratados e na legislação secundária ao longo do território da UE. Desta atividade, por vezes, surgem princípios fundamentais de tratados que inicialmente não foram apreendidos, designadamente, a primordialidade e efeitos diretos do Direito Europeu (processo 26/62 Van Gend en Loos TJUE (1963) ou a movimentação das competências da matéria penal do terceiro para o primeiro pilar (processo C-176/03 Comission/Council (TJUE, 2005)).

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enquadramento histórico

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Anteriormente à análise do DPE propriamente dito, no quadro dos objetivos da

presente investigação, empreende-se, nesta fase, um enquadramento jurídico-histórico do

processo de construção da atual UE, e, especificamente, do seu referido ramo do Direito.

Até ao final da segunda Guerra Mundial, os conceitos de Estado e de vida política

foram exclusivamente definidos pelas Constituições e pelas leis de cada país, marco

distintivo do conceito de Estado Vestefaliano. O primeiro grande sinal de mudança adveio

dos EUA, através da criação da Organização para a Cooperação Económica Europeia

116

,

em 1948

117

. Em 1947, o então Secretário de Estado Americano apelou à Europa

118

para a

sua reconstrução através do Plano Marshall, surgindo, assim, vários tratados, como por

exemplo o Tratado Franco-Britânico de Dunkirk. Mesmo dentro da Europa, a França, o

Reino Unido e os países do Benelux

119

decidiram instituir um Conselho da Europa que

entrou em funcionamento em 3 de agosto de 1949, o qual passados dez anos aprovara um

marco histórico do DPE — a Convenção Europeia para o Auxílio Judiciário Mútuo em

Matéria Penal de 1959 (PECEQUILO, 2014).

Indiretamente, por via, da CEDH, assinada em Roma, a 4 de novembro de 1950,

foram lançadas as primeiras regras mínimas em termos processuais penais no Direito da

UE, veja-se o teor do seu art.º 5, n.º 1, direito à liberdade e à segurança

120

, art.º 6, n.º 1,

direito a um processo equitativo

121

, o princípio da presunção da inocência

116 OCEE tinha como missão, em primeira mão, liberalizar o comércio entre os dois continentes, mas, em

1960, foi adicionado um novo objetivo, a promoção do progresso económico através de ajuda para o desenvolvimento.

117 Em 1 de janeiro de 1948, entrou em vigor uma Convenção Aduaneira entre a Bélgica, o Luxemburgo e

os Países Baixos, sendo assinado, posteriormente, em 17 de março do mesmo ano, o Tratado da União Ocidental (Tratado de Bruxelas) pela Bélgica, França, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido (PECEQUILO, 2014).

118 Winston Churchill propõe, a 14 de maio do mesmo ano, a criação do Movimento da Europa Unida,

sendo que este se opunha à supranacionalidade, apoiando uma cooperação intergovernamental (PECEQUILO, 2014)

119 Os países do Benelux consistem na Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

120 Cfr. art.º 5, n.º 1, da CEDH: “toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser

privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal (…)”, estipulando ainda no seu n.º 2, o direito do arguido ser informado sobre os factos que lhe são imputados, no seu n.º 3 a