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Do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da

CAPÍTULO II: DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO PENAL EUROPEU

II.3: Da arquitetura do Direito Penal Europeu

II.3.1 Do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da

Direitos Fundamentais da União Europeia

Exposta a concetualização de DPE e apresentado o seu percurso histórico, surge o

momento de descrever todas as dimensões incluídas neste conceito plurissignificativo e

abrangente, nomeadamente, os seus mecanismos de cooperação judiciária e policial em

matéria penal, a sua dimensão substantiva e todos os elementos adjetivos que convergem

para o estabelecimento de um padrão mínimo como meio de harmonizar os ordenamentos

jurídico-penais dos Estados-Membros e possibilitar a sua ação transnacional.

Em primeira instância, o DPE estabelece-se como um sistema aberto constituído

por princípios e normas

227

que vinculam os ordenamentos jurídicos de cada Estado-

Membro, os quais, cumulativamente, o constituem e preenchem. Por conseguinte, este

226 A primeira conferência foi organizada pelo T.M.C. Asser Instituut em 2013, e a segunda, denominada

EPPO Conference, ocorreu em Haia nos dias 7 e 8 de julho de 2016.

227 A exclusiva formulação deste corpo jurídico por regras torná-lo-ia de difícil racionalidade prática,

enquanto a sua redação em princípios levaria sua ambiguidade e abstração, sendo, deste modo, primordial o seu equilíbrio (CANOTILHO, 2017). Complementarmente, DWORKIN (2008) distingue regras, princípios e diretrizes em que entende as primeiras como normas jurídicas que não comportam exceções. Os princípios assumem uma dimensão de importância que permite compreender o valor das regras. Neste sentido, estabelecem-se como definidores da forma dos Estados da UE, da sua estrutura, do seu regime político e caracterizador da organização política (MIRANDA, 2014). CANOTILHO e MOREIRA (2007) complementam com o objetivo de definição e caracterização da coletividade política e dos Estados- Membros, enumerarando as opções político-jurídicas, representando, deste modo, uma matriz em que todas as regras se inserem.

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consubstancia-se, à data, no conjunto dos seguintes princípios que materializam a cultura

constitucional, penal e processual penal dos seus Estados-Membros:

- O princípio da separação de poderes consagrado no art.

º

1, n.º 1, art.º 4, n.º 1, e

art.º 5, n.º 1 e n.º 2, todos TUE, em que os Estados-Membros estabelecem entre si,

através dos demais tratados que se expõem seguidamente, uma UE com

competências para alcançar objetivos que partilham, esta que, assim, não pode

ultrapassar os limites desses poderes e o conteúdo dos fins comuns. Subjazem deste

os princípios da subsidiariedade

228

e proporcionalidade

229

nos termos do disposto

no art.º 5, n.º 3 e n.º 4, TUE

230

. De acordo com HARBO (2010), os meios devem

ser adequados e necessários para o alcance dos fins comuns da UE, assemelhando-

se, deste modo, ao princípio penal ultima ratio;

- o princípio da não discriminação proclamado nos art.

os

10 e 18, TFUE e,

cumulativamente, no art.º 21, da CDFUE. Este foi primariamente consagrado

através do art.º 14, da CEDH, adotada pelo Conselho da Europa, em 4 de novembro

de 1950

231

, e materializa-se fundamentalmente no parágrafo 45, do acórdão do

TJUE relativamente ao processo C-303/05 (TJUE, 2007): “the principle of equality

and non-discrimination requires that comparable situations must not be treated

differently unless such treatment is objectively justified”;

228 Este princípio é ainda proclamado no art.º 51, n.º 1, da CDFUE, ao dispôr “as disposições da presente

Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o Direito da União (…)”.

229 Consagrado por via do art.º 52, n.º 1, da CDFUE — “qualquer restrição ao exercício dos direitos e

liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros”.

230 O art.º 5, n.º 3, do TUE, dispõe: “em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não

sejam da sua competência exclusiva, a União intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo, contudo, devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União. As instituições da União aplicam o princípio da subsidiariedade em conformidade com o Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Os Parlamentos nacionais velam pela observância do princípio da subsidiariedade de acordo com o processo previsto no referido Protocolo”, já art.º 5, n.º 4, do TUE, dispõe: “em virtude do princípio da proporcionalidade, o conteúdo e a forma da ação da União não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos Tratados”.

231 Este que dispõe: “the enjoyment of the rights and freedoms set forth in this Convention shall be secured

without discrimination on any ground such as sex, race, colour, language, religion, political or other opinion, national or social origin, association with a national minority, property, birth or other status”.

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- o princípio da legalidade dos crimes e penas — nullum crimen, nulla poena sine

lege — definido no art.º 7, n.º 1, da CEDH

232

, e art.º 49, n.º 1, da CDFUE

233

.

Nenhuma ação ou omissão de um agente pode constituir crime e ser,

consecutivamente, penalmente sancionada, sem uma lei nacional ou internacional

prévia que o tipifique. De acordo com MILL (1991, p. 14), este nasce no princípio

anglo-americano do dano — harm principle — “(…) the only purpose for which

power can be rightfully exercised over any member of a civilized community,

against his will, is to prevent harm to others”, que reiteradamente é mencionado nas

políticas ELSJ e no próprio DPE

234

, conjugado com o princípio latino da culpa

individual — nulla poena sine culpa (NEAGU, 2009): a criminalização não deve

apenas incidir sobre condutas prejudiciais para os membros da sociedade, mas

garantir ainda o respeito pela dignidade humana. Já este último princípio, por sua

vez, é inferido pelo princípio da presunção da inocência, disposto no art.º 48, n.º 1,

da CDFUE. Os instrumentos de criminalização do DPE centram-se no conceito de

conduta intencional

235

, excluindo-se, por conseguinte, as condutas não intencionais,

que o TJUE dividiu em negligência simples, negligência grosseira e

responsabilidade objetiva — “whereas offences which were intentionally

committed, if they are to be punishable, require an intent to commit them on the

part of the person concerned, offences which were not intentionally committed may

result from carelessness, negligence or even the mere objective breach of a legal

provision”

236

;

- o princípio da aplicação da lei e pena mais favorável ao arguido — lex mitior

(SCHABAS, 2010) — estabelecido no art.º 49, n.º 1, da CDFUE

237

e aplicado,

232 Veja-se o parágrafo 25, do acórdão do TJUE relativamente aos processos apensos C-74/95 e C-129/95

(TJUE, 1996) e os parágrafos 215 a 219 do acórdão do TJUE relativamente aos processos apensos C-189/02 P, C-202/02 P, C-205/02 P, C-206/02 P, C-207/02 P, C-208/02 P e C-213/02 P (TJUE, 2005).

233 Sob a epígrafe principles of legality and proportionality of criminal offences and penalties, é disposto:

“No one shall be held guilty of any criminal offence on account of any act or omission which did not constitute a criminal offence under national law or international law at the time when it was committed. Nor shall a heavier penalty be imposed than the one that was applicable at the time the criminal offence was committed. If, subsequent to the commission of a criminal offence, the law provides for a lighter penalty, that penalty shall be applicable”.

234 Vejam-se, entre outros, os seguintes documentos Draft Council conclusion on model provisions, guiding

the Council’s criminal law deliberations (CONSELHO, 2009) e o European Parliament, Parliament Report on na EU approach on criminal law (PARLAMENTO EUROPEU, 2012).

235 Veja-se a Decisão-Quadro 2008/841/JAI (CONSELHO, 2008), a Decisão-Quadro 2004/68/JAI

(CONSELHO, 2004) ou a Diretiva 2011/36/EU (CONSELHO, 2011).

236 Cfr. parágrafo 14, do acórdão do TJUE referente ao processo C-157/80 (TJUE, 1981).

237 Inspirada no art.º 15, da Convenção Internacional para os Direitos Políticos e Civis pela Assembleia-

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previamente, nos parágrafos 66 a 69 do acórdão do TJUE relativamente aos

processos apensos C-387/02, C-391/02 e C-403/02 (TJUE, 2005)

238

;

- o princípio da presunção da inocência estipulado tanto na CEDH e no art.º 48, do

CDFUE

239

, e transportado para o art.º 6, n.

os

2 e 3, TUE

240

;

- o princípio do direito à defesa e a um julgamento justo

241

constante do art.º 6, da

CEDH

242

, e art.º 47, da CDFUE

243

, previamente proclamado no Livro Verde da

Comissão — Garantias processuais dos supeitos e arguidos em procedimentos

penais na União Europeia (COMISSÃO EUROPEIA, 2003), na Resolução do

Conselho de 30 de novembro de 2009 — Roadmap for strengthening procedural

e sob a epígrafe princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, dispõe: “ninguém pode ser condenado por uma ação ou por uma omissão que no momento da sua prática não constituía infração perante o Direito nacional ou o Direito internacional. Do mesmo modo, pode não ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi praticada. Se, posteriormente à infração, a lei previr uma pena mais leve, deve ser essa a pena aplicada”.

238 Designadamente, a seguinte conclusão: “the principle of the retroactive application of the more leniente

penalty forms part of the constitutional traditions common to the Member States. It follows that this principle must be regarded as forming part of the general principles of Community law which national courts must respect when applying the national legislation adopted for the purpose of implementing Community law”.

239 Veja-se o art. º 48, da CDFUE, sob a epígrafe presunção de inocência e direitos de defesa: “todo o

arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa. É garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa”.

240 Referindo, nomeadamente: “do Direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos

fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados- Membros”.

241 Este princípio foi fundado na Magna Carta de 1215 e disseminado pelas demais Constituições da UE

ao longo dos anos.

242 Este que estabelece: “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e

publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça”.

243 De acordo com as anotações relativas à CDFUE (JO 2007, C 303, p. 17) correspondente ao art.º 6, n.º

1, da CEDH, é disposto “no Direito da União, o direito julgamento imparcial não se aplica apenas a litígios relativos a direitos e obrigações de foro civil. É uma das consequências do facto de a União ser uma comunidade de Direito, tal como estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166). Porém, com exceção do seu âmbito de aplicação, as garantias dadas pela CEDH são aplicadas de modo similar na União”, este estabelece sob a epígrafe Direito à ação e a um tribunal imparcial: “toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo Direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efetividade do acesso à justiça”.

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rights of suspected or accused persons in criminal proceedings (CONSELHO,

2009), e na Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de

outubro de 2010, sobre o direito à interpretação e tradução no processo penal

(CONSELHO e PARLAMENTO EUROPEU, 2010), sendo que, segundo, NEAGU

(2009, p. 57) este engloba “(…) the right to have someone informed of the

detention, the right to legal advice and assistance, the right to a competent, qualified

(or certified) interpreter and/or translator, the right to bail (provisional release)

where appropriate, the right against self-incrimination, the right to consular

assistance (if not a national of the State of prosecution), fairness in obtaining and

handling evidence (including the prosecution’sduty of disclosure), the right to

review of decisions and/or appeal proceedings, specific guarantees covering

detention, either pre- or post-sentence”. As garantias processuais dos arguidos são

ainda estabelecidas por via da Diretiva 2013/48/EU de 22 de outubro de 2013

244

(CONSELHO e PARLAMENTO EUROPEU, 2013), da Diretiva 2016/800 de 11

de maio de 2016 (CONSELHO e PARLAMENTO EUROPEU, 2016)

245

, e da

Diretiva 2016/1919 de 26 de outubro de 2016 (CONSELHO e PARLAMENTO

EUROPEU, 2016)

246

.

De acordo com a EU NETWORK OF INDEPENDENT EXPERTS ON

FUNDAMENTAL RIGHTS (2006), a accountability democrática subjaz deste

princípio, na medida em que garante o respeito efetivo pelos direitos individuais de

cada cidadão por via do controlo exercido pelo poder judicial sobre o poder

executivo, tradição legal comum à maioria dos Estados-Membros — “the principles

of ‘the rule of law’ and ‘due process’ are at the core of the substantive protection of

the individual against state power” (NEAGU, 2009, p. 55). Tal conclusão é ainda

sustentada pelo TJUE (1986) por via do parágrafo 18 do acórdão referente ao

processo C-222/84 Johnston — “individuals are entitled to effective judicial

244 O objeto da diretiva mencionada traduz-se no estabelecimento de regras mínimas relativas aos direitos

dos suspeitos ou acusados em processo penal e das pessoas sujeitas a procedimentos regidos pelo MDE de terem acesso a um advogado e de informarem um terceiro da sua privação de liberdade, bem como de comunicarem, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares.

245 Nos termos da referida diretiva, são determinadas normas mínimas comuns relativas a determinados

direitos dos menores suspeitos ou arguidos em processo penal ou contra os quais tenha sido instaurado um processo de execução de um MDE nos termos da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, ou seja, enquadrando-se no conceito de pessoa procurada.

246 Atendendo ao disposto na referida diretiva, são estabelecidas regras mínimas comuns relativas ao direito

a apoio judiciário para os suspeitos e arguidos em processo penal e para pessoas procuradas, atendendo à definição da Decisão-Quadro 2002/584/JAI.

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protection of the rights they derive frome the Community legal order, and the right

to such protection is one of the general principles of law”

247

, ou ao processo C-

271/17 PPU (TJUE, 2017), que definiu os direitos mínimos do acusado

248

;

- o princípio non bis in idem ou da especialidade consagrado no art.º 50, da

CDFUE

249

e, previamente, no art.º 54, da Convenção para a Aplicação do Acervo

Schengen

250

, que se relaciona com a soberania do Estado-Membro executante que

pode renunciar à aplicação da regra da especialidade;

- o princípio do reconhecimento e confiança mútuos, indissociáveis,

251

proclamado

no Conselho Europeu de Tampere (CONSELHO EUROPEU, 1999), baseia-se na

aplicabilidade e execução quase automática de decisões judiciais proferidas pelas

entidades competentes de qualquer Estado-Membro na jurisdição de todo o

território da UE. Tal linha de orientação materializa o desejo constante da

Comunicação da Comissão, de 14 de julho de 1998 (COMISSÃO EUROPEIA,

1998): “procedural rules should respond to broadly the same guarantees, ensuring

that people will not be treated unevenly according to the jurisdiction dealing with

their case” e originou o MDE, bem como o reconhecimento de sentenças e

transferência de arguidos condenados

252

.

247 Além desta, os acórdãos do TJUE relativamente aos processos C-97/91, Oleificio Borelli (1992) e C-

224/01, Kobler v. Republik Osterreich (2003), apontam precisamente para o mesmo sentido.

248 Estes direitos foram elencados com o seguinte conteúdo e ordem:

“a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;

b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;

c) Defender‑se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;

d)Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;

e) Fazer‑se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo”.

249 Este que dispõe, sob a epígrafe direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez

pelo mesmo delito: “ninguém pode ser julgado ou punido penalmente por um delito do qual já tenha sido absolvido ou pelo qual já tenha sido condenado na União por sentença transitada em julgado, nos termos da lei”.

250 Dispõe a mencionada convenção: “a person whose trial has been finally disposed of in one Contracting

Party may not be prosecuted in another Contracting Party for the same acts provided that, if a penalty has been imposed, it hs been enforced, is actually in the process of being enforced or can no longer be enforced under the laws of the sentencing Contracting Party”.

251 De acordo com NEAGU (2009, p. 59): “mutual recognition of judicial decisions envolves criminal

justice systems at all levels. It only operates effectively if there is trust in other justice systems, if each person coming into contact with a foreign judicial decision is confident that it has been taken fairly”.

252 Decisão-Quadro do Conselho 2008/909/JAI e a Decisão-Quadro do Conselho 2008/947/JAI

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Estes princípios são complementados por MITSILEGAS (2009, p. 20-26) pela

jurisprudência do TJCE e TJUE que, ao longo do seu processo de construção, verteram

princípios constitucionais do primeiro pilar do Tratado de Maastricht para o terceiro pilar,

influenciando, por conseguinte, a relação do Direito da União com o Direito dos Estados-

Membros. Este defende, assim, os seguintes princípios: primacy, conferral in the light of

efectiveness, assimilation, fundamental rights protection, e, por fim, loyal co-operation

and (in) direct effects, os quais surgem delimitados pelo princípio do respeito pela

diversidade dos sistemas legais nacionais, consagrado pelo art.º 67, n.º 1, TFUE. Por

outras palavras, o poder legislativo penal adstrito à UE é equiparado pelo TJCE e TJUE

como um meio para atingir um fim — as políticas da União, ignorando, assim, “(…) the

special place of criminal law in domestic legal systems and the extensive safeguards

surrounding criminal law at the national level” e dotando o DPE de incerteza — “it is not

clear from the Court’s case law wether EU criminal law is necessary to achieve any

Community policy, or any Community objective” (MITSILEGAS, 2009, p. 110-111).

Ao nível das normas, o DPE é centrado na definição de regras ou padrões mínimos

processuais penais e penais em todos os Estados-Membros, limitado pelos requisitos

vertidos no art.º 67, n.

os

1 e 3, TFUE, conforme estatuído nos art.

os

82 e 83, TFUE, e estas

medidas afirmam-se indispensáveis, devendo “existir comprovadamente um grave deficit

de execução da política em causa que apenas possa ser eliminado através do Direito

Penal” (RAMOS, 2010, p. 732). Este mecanismo concretiza-se por via de decisões-

quadro

253

, diretivas

254

, regulamentos ou convenções

255

. De acordo com RODRIGUES

253 Como, por exemplo, a Decisão-Quadro 2004/757/JAI do Conselho (tráfico de estupefacientes)