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Direitos fundamentais e distinção entre regras e princípios

2.2 ASPECTOS DESTACADOS DA TEORIA DOS DIREITOS

2.2.1 Direitos fundamentais e distinção entre regras e princípios

de direito fundamental depende de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais, que deve partir de uma disposição de direito fundamental estatuída no texto constitucional. Sendo assim, adquire importância capital a questão atinente ao modo de interpretar o que está posto nas disposições de direito fundamental.

Segundo Robert Alexy, por meio de uma disposição de direito fundamental podem ser estatuídas duas espécies de normas: as regras e os princípios. Essa possibilidade de positivação de duas espécies de normas “[...] é o fundamento do caráter duplo das disposições de direitos fundamentais”, das quais podem-se extrair normas que consubstanciam regras e normas que consubstanciam princípios, além de normas que conjugam tanto regras quanto princípios. (ALEXY, 2008, p. 141)

O enquadramento de uma disposição de direito fundamental como continente de uma regra ou como continente de um princípio tem repercussões importantes, haja vista a diferença na forma com que essas duas espécies de normas operam. Lembre-se que, para Robert Alexy, a distinção entre regras e princípios é “[...] uma das colunas-mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais”. (ALEXY, 2008, p. 85)

De acordo com a teoria dos princípios, defendida por Robert Alexy, a diferença entre regras e princípios é de natureza qualitativa, referindo-se à estrutura dos direitos garantidos por essas normas. Os princípios são “[...] normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”, ao passo que as regras são “[...] normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas” (ALEXY, 2008, p. 90-91). Pode-se dizer que os princípios constituem mandamentos de otimização, que podem ser cumpridos em graus variáveis, ao passo que as regras constituem determinações que, como tais, ou são realizadas totalmente ou não são realizadas em absoluto.

A distinção entre regras e princípios repercute na forma de solução dos confrontos entre normas, tanto é que a teoria dos princípios utiliza o termo “colisão” para se referir ao choque entre princípios contrapostos e o termo “conflito” para designar o choque entre regras

32 Parte das reflexões expostas nesta parte do trabalho já foi exposta em artigo

anterior deste autor, intitulado “O caso da escola malcuidada” (CARNEIRO, 2014).

contrapostas. Em caso de conflito entre regras, a solução passa pela constatação da inaplicabilidade de uma delas, em virtude de uma cláusula que excepciona a sua incidência em determinado caso, de acordo com a regra lex specialis derogat legi generali, ou pela declaração de invalidade de uma delas, valendo-se de regras como lex posterior derogat legi priori e lex superior derogat legi inferiori. Já em caso de colisão entre princípios, a solução passa pela identificação do princípio que tem maior peso no caso concreto e que, por conta disso, há de surtir os efeitos que lhe são próprios, “derrotando” o princípio contrário. Note-se que a precedência de um princípio sobre outro vale somente para uma situação determinada, não implicando a invalidade do princípio cedente, que, sob outras condições, pode tornar-se o princípio prevalente. Em resumo: princípios contrapostos coexistem, ao passo que regras contrapostas excluem-se.

A diferença na forma de solução dos conflitos entre regras e das colisões entre princípios revela ainda uma diferença na forma de aplicação dessas duas normas jurídicas. As regras são aplicadas por subsunção, segundo uma lógica do “tudo ou nada”, devendo ser cumpridas na exata medida de suas prescrições. Por sua vez, os princípios são aplicados por ponderação, exigindo a consideração de condicionantes que lhes sejam contrárias e a subsequente identificação do princípio que tem maior peso, identificação esta válida apenas para a situação concreta.

Dadas as distinções entre esses dois tipos de normas, é indubitável a relevância da questão atinente à qualificação de uma norma de direito fundamental como regra ou como princípio. Sobre isso, Martin Borowski observa que a qualificação de uma norma de direito fundamental como uma regra ou como um princípio depende de sua capacidade para ser ponderada, de forma que “Se uma norma pode ser objeto da ponderação no caso concreto, então necessariamente se trata de um princípio”33 (2007, p. 108, tradução nossa). Assim, uma norma de direito fundamental deve ser qualificada como um princípio caso seja passível de entrar em choque com princípios que lhe sejam colidentes e que sejam de mesma hierarquia.

Isso implica que uma mesma norma de direito fundamental pode funcionar às vezes como regra e outras vezes como princípio. Laura Clérico observa que “Os direitos fundamentais, como normas, podem ser interpretados como regras ou como princípios”, sendo que “Uma

33 Si una norma puede ser objeto de la ponderación en el caso concreto,

norma jusfundamental pode comportar-se em parte como uma regra e em parte como um princípio”34 (2009, p. 29, tradução nossa). Um

exemplo de norma de direito fundamental que funciona tanto como regra quanto como princípio, segundo Robert Alexy, é a norma da dignidade humana: nos casos em que é indubitável a prevalência dessa norma sobre interesses que com ela se chocam, ela opera como regra, devendo-se verificar tão somente se ela foi violada ou não; contudo, nos casos em que essa prevalência não é tão clara, a dignidade humana é sopesada diante de outros princípios. Portanto, Robert Alexy entende que “[...] é necessário que se pressuponha a existência de duas normas da dignidade humana: uma regra da dignidade humana e um princípio da dignidade humana”, sendo que a regra da dignidade humana terá por conteúdo justamente “A relação de preferência do princípio da dignidade humana em face de outros princípios”. (2008, p. 113-114)

Do acima exposto, pode-se retirar a seguinte conclusão: uma norma de direito fundamental, se não é contrastada com interesses conflitantes, sendo aplicada na base do “tudo ou nada”, funciona como regra; no entanto, se é ao menos contrastável com interesses conflitantes, podendo ser objeto de ponderação no caso concreto, funciona como princípio.