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2.1 IMPORTÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA EM

2.1.2 Enumeração das regras e formas do discurso prático geral e das

2.1.2.1 Lista das regras e formas do discurso prático geral

As regras e formas do discurso prático geral mencionadas por Robert Alexy são vinte e oito - vinte e duas regras e seis formas de argumento. Tais regras e formas delineiam um procedimento que, uma vez observado, atenderia à pretensão de correção do discurso prático geral, lembrando-se que, para Robert Alexy, de acordo com a teoria do discurso [...] uma norma é correta quando ela pode ser o resultado de um determinado procedimento, o procedimento do discurso racional”.16 (ALEXY, 2014, p. 76)

Pois bem: passe-se então à enumeração das regras e formas do discurso prático geral, começando pelo grupo das regras fundamentais, cuja validade “[...] é condição de possibilidade de qualquer comunicação linguística em que se trate da verdade ou correção”. A primeira delas diz que “(1.1) Nenhum falante pode contradizer-se”, sendo uma expressão das regras da lógica, que também seriam aplicáveis a afirmações normativas. A segunda regra fundamental reza que “(1.2) Todo falante só pode afirmar aquilo em que ele próprio acredita”, e tem por fito assegurar a sinceridade da discussão, haja vista que, sem essa regra, “[...] não seria possível sequer mentir, pois, se não se pressupõe nenhuma regra que exija sinceridade, não é concebível o engano; [....]”. A terceira regra estabelece que “(1.3) Todo falante que aplique um predicado F a um objeto A deve estar disposto a aplicar F também a qualquer objeto igual a A em todos os aspectos relevantes”;

16 Contra essa ideia podem ser levantadas as seguintes críticas: Alexy faz valer

para as regras do discurso um conceito de correção que não resulta suficiente para a definição do conceito (1); não existe a equivalência entre o juízo segundo o qual “a norma N é correta” e o juízo segundo o qual “a norma N pode ser o resultado de um procedimento P” (2); a circunstância de uma norma N poder ser resultante de um procedimento P não é um critério administrável de correção (3). (AMANDI, 2012, p. 241)

aplicada a expressões valorativas, adota esta forma: “(1.3’) Todo falante só pode afirmar os juízos de valor e de dever que afirmaria dessa mesma forma em todas as situações em que afirme que são iguais em todos os aspectos relevantes”, constituindo “[...] uma formulação do princípio de universalidade de Hare”, princípio este que, basicamente, estabelece que uma pessoa somente pode exigir dos outros um determinado comportamento se aceitar seguir esse mesmo comportamento estando na posição do exigidos. A quarta regra fundamental, por sua vez, diz que “(1.4) Diferentes falantes não podem usar a mesma expressão com diferentes significados”, e procura criar uma “[...] uma comunidade de uso da linguagem”, essencial para o sucesso de qualquer empreitada argumentativa. (ALEXY, 2011, p. 73-84 e 187-190)

O segundo grupo das regras e formas do discurso prático geral é o grupo das regras de razão, que tratam da fundamentabilidade dos juízos de valor e de dever. Para Robert Alexy, a pretensão de fundamentabilidade de tais juízos “[...] não tem como conteúdo que o próprio falante seja capaz de dar uma fundamentação”, sendo suficiente “[...] que se refira à capacidade de fundamentação de pessoas determinadas ou determináveis”. Ele salienta que o falante, quando solicitado, tem a obrigação de fundamentar; caso se negue a fundamentar, deve ao menos apresentar as razões de sua recusa. Essa ideia é expressa pela regra geral de fundamentação: “(2) Todo falante deve, se lhe é pedido, fundamentar o que afirma, a não ser que possa dar razões que justifiquem negar uma fundamentação”. A essa regra geral ajuntam-se três outras regras, que “[...] correspondem às condições da situação ideal de fala elaboradas por Habermas [...]”. A primeira delas refere-se à participação em discursos, tendo o seguinte conteúdo: “(2.1) Quem pode falar, pode tomar parte no discurso”. A segunda regra disciplina a liberdade de discussão, desdobrando-se em três exigências: “(2.2) (a) Toda pessoa pode problematizar qualquer asserção; (b) Todos podem produzir qualquer asserção no discurso; e (c) Todos podem expressar suas opiniões, desejos e necessidades”. A terceira regra de razão tem a finalidade de proteger o discurso da coerção, estabelecendo que “(2.3) A nenhum falante se pode impedir de exercer seus direitos fixados em (2.1) e (2.2), mediante coerção interna e externa ao discurso”. As regras de razão, em seu conjunto, “Definem um ideal de que se deve aproximar por meio da prática e de medidas organizacionais”. (ALEXY, 2011, p. 190-193)

O terceiro grupo é o das regras sobre a carga da argumentação, que visam a evitar que a ampla possibilidade de problematizar as asserções postas pelos falantes leve ao bloqueio da discussão. A

primeira regra decorre conjuntamente do princípio de universalidade (1.3’) e da regra geral de fundamentação (2) e exige que “(3.1) Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente de uma pessoa B está obrigado a fundamentá-lo”. A segunda regra afirma que o questionamento de uma proposição ou de uma norma faticamente pressuposta como verdadeira ou como válida na comunidade dos falantes só pode ser feito caso se aponte uma razão para isso, sendo expressa da seguinte maneira: “(3.2) Quem ataca uma proposição ou uma norma que não é objeto da discussão deve dar uma razão para isso”. A terceira regra sobre a carga da argumentação tem o objetivo de regular a exigência de argumentos no discurso por parte dos falantes, enunciando que “(3.3) Quem aduziu um argumento está obrigado a dar mais argumentos em caso de contra-argumentos”. Por fim, a quarta regra tem por finalidade disciplinar a introdução no discurso de asserções, opiniões, desejos e necessidades, rezando que “(3.4) Quem introduz no discurso uma afirmação ou manifestação sobre suas opiniões, desejos ou necessidades que não se apresentem como argumento a uma manifestação anterior tem, se lhes for pedido, de fundamentar por que essa manifestação foi introduzida na afirmação”. (ALEXY, 2011, p. 193-195)

O quarto grupo é o das formas de argumento características de discursos práticos. Robert Alexy considera que o objeto imediato do discurso prático são as proposições normativas singulares (N), as quais podem ser fundamentadas de dois modos: o primeiro, referindo-se a uma regra (R) pressuposta como válida e que incide uma vez cumpridas as suas condições de aplicação, descritas por um enunciado tido como verdadeiro (T); o segundo, indicando-se as consequências (F) de seguir no imperativo implicando N, pressupondo-se a existência de uma regra (R) segundo a qual a produção dessas consequências é obrigatória ou é boa. Assim, podem-se distinguir as seguintes formas de argumento:

(4.1) T (4.2) F R R N N Robert Alexy destaca que a regra R pode justificar-se “[...] apontando o estado de coisas que se dá se R tem vigência (Zr) [...]”, contrastando-o com o estado de coisas existente quando R não tem vigência, ou “[...] apontando o estado de coisas futuro que se produzirá se se segue R (Zf)”. Em ambos os casos, o autor considerada que “[...] está justificado, por razões de simplificação [...] falar de consequências

da regra R (Fr)”. Ora, sendo R justificada pelas consequências (Fr), é possível indicar uma regra de segundo nível (R’) segundo a qual Fr é uma razão para R, haja vista que “[...] a indicação de uma razão para uma asserção pressupõe uma regra que diz que a razão indicada é uma razão para essa asserção”. A par disso, Robert Alexy considera que “[...] também é possível indicar uma regra adicional R’ que exija R sob uma condição T’ que não pode classificar-se como uma consequência de R”. Haveria, destarte, duas formas de argumento de segundo nível:

(4.3) Fr (4.2) T’ R’ R’ R R As formas de argumento de segundo nível revelam que, assim como as proposições normativas singulares podem ser fundamentadas pela referência a uma regra (R) ou pela indicação das consequências de sua adoção (F), as próprias regras podem ser fundamentadas da mesma maneira: pela referência ao estado de coisas derivado da observância delas (Fr), sob o influxo de uma regra de segundo nível (R’) que diz que Fr é uma razão para R, ou pela indicação de uma condição T’ que, segundo uma regra R’, exige a aplicação de R - “T’ pode ser, por exemplo, a indicação, relevante moralmente, de que uma determinada regra foi estabelecida de uma determinada maneira”. (ALEXY, 2011, p. 195-197)

Robert Alexy alerta para o fato de que, nas formas de argumento acima mencionadas, a “[...] aplicação de uma regra conduz, em cada caso, a um resultado”, observando que “[...] regras diferentes podem levar a resultados incompatíveis entre si em fundamentações da mesma forma ou em fundamentações de formas diferentes”. Nas situações em que a aplicação de regras diferentes leva a resultados incompatíveis entre si, “[...] deve-se decidir qual fundamentação tem prioridade”, de acordo com regras de prioridade. Segundo o autor, existem regras de prioridade que prescrevem a precedência de determinadas regras sobre outras incondicionalmente, e regras de prioridade que prescrevem a precedência de determinadas regras sobre outras somente em determinadas condições (C). As regras de prioridade podem ser expressas de duas formas, empregando-se “P” como símbolo de uma relação de preferência entre duas regras:

(4.5) Ri P Rk ou R’i P R’k

Robert Alexy acrescenta que as regras de prioridade podem ser justificadas por conta das consequências decorrentes da aplicação delas, consequências estas tidas como razões suficientes para essa mesma aplicação por uma regra de segundo nível (4.3), ou por conta da existência de uma condição que exija a aplicação delas, condição esta tida como razão suficiente para essa mesma aplicação por uma regra de segundo nível (4.4). Ele aduz ainda, sem aprofundar a ideia, que no caso de conflitos entre regras de prioridade, devem ser aplicadas regras de prioridade de segundo nível. (ALEXY, 2011, p. 195-199)

Listadas as formas de argumento, passe-se agora à abordagem do quinto grupo das regras e formas do discurso prático geral, que é o grupo das regras de fundamentação. Robert Alexy destaca que com as formas de argumento “[...] pode-se justificar qualquer proposição normativa e qualquer regra”, motivo pelo qual seria necessário “[...] continuar a busca de regras para as fundamentações efetuadas com estas formas”. As primeiras regras de fundamentação seriam variantes do princípio da generalizabilidade: a primeira enuncia que “(5.1.1) Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para a satisfação dos interesses de outras pessoas deve poder aceitar as consequências de dita regra também no caso hipotético de ele se encontrar na situação daquelas pessoas”, e tem em vista as concepções normativas de cada falante; a segunda regra afirma que “(5.1.2) As consequências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um devem ser aceitas por todos”, referindo-se às opiniões comuns obtidas no discurso; por sua vez, a terceira regra estabelece que “(5.1.3) Toda regra deve ser ensinada de forma aberta e geral”, e pode ser considerada uma concreção da regra fundamental que exige a sinceridade no discurso (1.2). Essas três regras de fundamentação, para Robert Alexy, não são suficientes para garantir um acordo racional, razão pela qual devem-se formular regras adicionais que o possibilitem, com a transformação das concepções incompatíveis existentes mediante a reconstrução, pelos participantes do discurso, do sistema de regras morais. A primeira dessas regras dispõe o seguinte: “(5.2.1) As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem resistir à comprovação de sua gênese histórico-crítica”, sendo que uma regra moral não resiste a essa comprovação “a) Se originariamente se pudesse justificar racionalmente, mas perdeu depois sua justificação, ou b) Se originariamente não se pôde justificar racionalmente e não se podem apresentar também novas razões suficientes”. A prova da formação histórico-social das normas invocadas pelos participantes do discurso “[...] deve ser completada com uma prova do desenvolvimento

individual das opiniões normativas”, exigindo-se outra regra: “(5.2.2) As regras morais que servem de base às concepções morais do falante devem resistir à comprovação de sua formação histórica individual”, sendo que uma regra moral não resiste a essa comprovação “[...] se se estabeleceu com base apenas em condições de socialização não justificáveis”, dentre as quais estariam, segundo Robert Alexy, “[...] as condições de socialização que levam a que o interessado não esteja disposto a, ou não possa tomar parte no discurso”. A última regra de fundamentação expressa a finalidade do discurso prático - a resolução de questões práticas realmente existentes - e determina que “(5.3) Devem ser respeitados os limites de realizabilidade faticamente dados”. (ALEXY, 2011, p. 199-203)

O sexto e último grupo das regras e formas do discurso prático geral é o grupo das regras de transição, que visa a solucionar problemas que emergem nos discursos práticos mas que não podem ser resolvidos com os meios da argumentação prática. A primeira regra, referente a questões de fato, estabelece que “(6.1) Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso teórico (empírico)”; a segunda, direcionada à resolução de problemas linguísticos, afirma que “(6.2) Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso de análise da linguagem”; e a terceira refere-se à própria discussão prática e enuncia que “(6.3) Para qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso de teoria do discurso”. (ALEXY, 2011, p. 203)

As regras e formas do discurso prático geral desenham o procedimento a ser seguido para que a pretensão de correção no discurso prático geral seja atendida. Mesmo que tais regras e formas sejam integralmente observadas, não se pode eliminar a possibilidade da fundamentação discursiva de duas proposições normativas ou de duas regras incompatíveis entre si. Por esse motivo, são necessárias regras que levem a uma decisão em favor de uma ou de outra solução contraditória discursivamente possível, como são, por exemplo, “[...] as regras emanadas do Poder Legislativo, as quais se apoiam no princípio de representação e de maioria [...]” e “[...] as regras jurídicas estabelecidas por meio de procedimentos regulados por elas”. A inexistência de regras que estabeleçam critérios de decisão entre opções excludentes mas discursivamente possíveis é uma limitação do discurso prático geral, a ser suprida pelo discurso jurídico, dotado de regras e formas que lhe são próprias. (ALEXY, 2011, p. 204-205)