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2.1 IMPORTÂNCIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA EM

2.1.1 A tese do caso especial

A perspectiva teórica de Robert Alexy defende a possibilidade de se verificar a correção das valorações realizadas no discurso jurídico, nos casos em que não se pode extrair uma resposta determinada do material normativo disponível. Sendo as valorações um sintoma da insuficiência do sistema jurídico, por óbvio que não é neste sistema que se encontram os critérios para avaliar a correção delas; assim, a avaliação acerca da correção das valorações exige uma articulação entre o discurso jurídico e o seu genus proximum, o discurso prático geral, de forma que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral.

De acordo com Robert Alexy, o discurso prático geral refere-se a questões acerca do que é comandado, proibido ou permitido, tratando-as sob o prisma da pretensão de correção. Essa pretensão de correção poderia ser satisfeita mediante a exigência de fundamentações sucessivas para os enunciados normativos: por exemplo, quem diz que “‘A’ agiu mal”, porque “‘A’ mentiu”, fundamenta-se em uma regra que estipula algo como “mentir é errado”; esta última regra, por sua vez, deve ser fundamentada em uma regra segundo a qual “a mentira dá

origem a sofrimento evitável”, que presume a existência de outra regra, que estabelece algo como “aquilo que dá origem a sofrimento evitável é ruim”, regra esta que, como as suas antecedentes, deve ser fundamentada em outra regra de nível superior, e assim sucessiva e indefinidamente. Ora, parece claro que a exigência de apresentação de razões para os enunciados normativos redunda em um regresso ao infinito que só pode ser evitado “[...] se a fundamentação é interrompida e substituída por uma resolução que não será mais fundamentada”, o que seria contraditório com a própria exigência de fundamentação. (ALEXY, 2014, p. 39)

Robert Alexy considera que o dilema acima referido - a inviabilidade da exigência de fundamentações sucessivas para os enunciados normativos - pode ser evitado “[...] quando a exigência para se continuar a fundamentação de todo enunciado através de outro enunciado é substituída por uma linha de exigências sobre a atividade de fundamentação”. Essas exigências, segundo ele, “[...] podem ser formuladas como regras e formas do discurso racional [...]” que se referem “[...] não só, como as regras da lógica, a enunciados, mas também, além disso, ao comportamento do falante” (ALEXY, 2014, p. 40). Essas regras e formas constituem “[...] um certo código da razão prática”, cujo cumprimento “[...] certamente não garante a certeza definitiva de todo o resultado, mas caracteriza o resultado como racional”. (ALEXY, 2011, p. 32 e 179). Em suma: para Robert Alexy, a fundamentação de enunciados normativos deve-se guiar por um procedimento consubstanciado em um certo código da razão prática. Isso revela que, para ele, a pretensão de correção satisfaz-se pela obediência a um procedimento, de forma que uma norma é correta se é fundamentada procedimentalmente - “De acordo com a teoria do discurso, como eu a concebo, uma norma é correta quando ela pode ser o resultado de um determinado procedimento, o procedimento do discurso racional” (ALEXY, 2014, p. 76). Para Robert Alexy, portanto, embora a adoção das regras discursivas “[...] não garanta a bondade dos argumentos, ou mesmo do próprio acordo, garante sim a correção ou racionalidade do mesmo”. (CADEMARTORI; DUARTE, 2009, p. 109)

O discurso prático geral, de acordo com a proposta de Robert Alexy, avalia a correção de enunciados normativos seguindo determinadas regras procedimentais, que dizem respeito inclusive ao comportamento dos participantes do discurso. Tais regras procedimentais, por sua própria natureza, não definiriam o conteúdo dos argumentos utilizados no discurso, dado que “O ponto de partida do discurso é formado pelas convicções normativas, interesses e

interpretações de necessidades dadas (isto é, existentes faticamente), assim como pelas informações empíricas dos participantes” (ALEXY, 2011, p. 33). Assim, no discurso prático geral poderiam ser levantados argumentos de várias espécies.

Robert Alexy, ao tratar do conceito de discurso prático geral, afirma que esse discurso compreenderia argumentos morais, éticos e pragmáticos, considerando-se que “[...] frequentemente uma argumentação puramente moral, ou seja, uma argumentação que considera somente aquilo que é ‘igualmente bom para todos os seres humanos’, não é suficiente para dar resposta a uma questão prática [...]”. Para ele, em muitos casos a resposta para uma questão prática, ou seja, para “[...] uma questão que diz respeito àquilo que deve ser feito ou omitido [...]”, requer o recurso a argumentos pragmáticos e éticos. A dimensão pragmática englobaria a “[...] a consideração da relação entre meios e fins, bem como a relação entre objetivos”, de maneira que a conveniência seria “[...] um elemento necessário do discurso prático racional”. Contudo, tendo em vista que, com frequência, “[...] a justiça, compreendida como ser bom para todos, e a conveniência, mesmo se tomadas em conjunto, não são suficientes para se decidir uma questão prática [...]”, faz-se necessário, na opinião de Robert Alexy, adentrar a dimensão ética, “[...] a fim de se realizar uma atribuição racional de pesos aos objetivos conflitantes, ‘à luz de preferências de valor aceitas’”. (ALEXY, 2014, p. 97)

Conjugando argumentos morais, éticos e pragmáticos, o discurso prático geral, segundo Robert Alexy, “[...] é, em suma, um discurso que combina os pontos de vista da conveniência ou utilidade, do valor ou identidade e da moralidade ou justiça” (ALEXY, 2014, p. 98). Essa definição de discurso prático geral gera repercussões evidentes no discurso jurídico, se este é tomado como um caso especial daquele: os pontos de vista da conveniência ou utilidade, do valor ou identidade e da moralidade ou justiça passam a habitar as discussões jurídicas, quebrando a autonomia do Direito. Sobre isso, vejam-se os comentários de Rodolfo Vigo:

Com essa amplitude e confiança em uma razão discursiva ou dialógica “reabilitada”, o saber jurídico deixa de manter-se em silêncio ou de recorrer à irracionalidade quando surge a pergunta sobre o valioso, o justo ou o juridicamente correto. O jurista já não pode operar ou compreender integralmente o direito se o “purifica” da moral, haja vista que a proposta

afirma a conexão conceitual e necessária entre direito e moral. Paradigmaticamente podemos dizer que os juristas, além dos caminhos ensinados por Aristóteles do bem e da virtude, por Nietzsche do poder e do engano, por Bentham do utilitarismo, pelo cientificismo ou pelo logicismo do Círculo de Viena, ou pelo relativismo neopragmatista de Rorty, também contam com a opção de Habermas e Apel que ratificam sua confiança na razão prática propondo um novo caminho pragmático universal ou transcendental, caminho a que adere Alexy e que lhe permite orientar procedimentalmente a razão prática postulando racionalidade nas decisões e normas jurídicas.15 (, p. 206-207, tradução nossa)

A tese do caso especial, defendida por Robert Alexy, baseia-se na ideia de que a discussão jurídica sofre limitações que não condicionam a argumentação prática geral. Em decorrência disso, os dois discursos teriam pretensões de correção diferentes: o discurso jurídico, ao contrário do discurso prático geral, não se ocuparia “[...] daquilo que é absolutamente correto, mas daquilo que é correto no contexto de um ordenamento jurídico validamente existente e com base nele”, de forma que a argumentação jurídica estaria “[...] vinculada às leis e aos precedentes [...]”, tendo ainda que “[...] observar o sistema jurídico elaborado pela dogmática jurídica” (ALEXY, 2014, p. 92-93).

Muito embora tenham pretensões de correção diferentes, o discurso prático geral e o discurso jurídico estariam integrados nos

15

Con esa amplitud y confianza en una razón discursiva o dialógica “rehabilitada”, el saber jurídico deja de mantenerse en silencio o de convocar a la irracionalidad cuando surge la pregunta por lo valioso, lo justo o lo correcto jurídicamente. El jurista ya no puede operar o comprender integralmente al derecho si lo “purifica” de la moral, atento a que la propuesta afirma la conexión conceptual y necesaria entre derecho y moral. Paradigmáticamente podemos decir que los juristas, además de los caminos enseñados por Aristóteles del bien y la virtud, por Nietzsche del poder y el engaño, por Bentham del utilitarismo, por el cientificismo o el logicismo del Círculo de Viena, o por el relativismo neopragmatista de Rorty, también cuentan con la opción de Habermas y Apel que ratifican su confianza en la razón práctica proponiendo un nuevo camino pragmático universal o trascendental, camino al que adhiere Alexy y que le permite orientar procedimentalmente a la razón práctica postulando racionalidad en las decisiones y normas jurídicas. (VIGO, p. 206-207)

termos da “tese da integração”. Segundo a tese da integração, “[...] o uso de argumentos especificamente jurídicos deve unir-se, em todos os níveis, aos argumentos práticos gerais” (ALEXY, 2011, p. 35). Assim, haveria uma relação inextricável entre o discurso prático geral e o discurso jurídico. Se assim é, a fundamentação de enunciados normativos no campo do Direito exige a observância do “código da razão prática”, composto pelas regras e formas do discurso prático racional. Como bem observado por Luiz Henrique Cademartori e Francisco Carlos Duarte, Robert Alexy, “[...] ao derivar o discurso jurídico do discurso prático geral [...]”, faz com que valham também para o campo do Direito “[...] os parâmetros norteadores da veracidade dos fatos advindos da razão prática [...]”. (2009, p. 110)

2.1.2 Enumeração das regras e formas do discurso prático geral e