• Nenhum resultado encontrado

3.1 O MODELO É APLICÁVEL?

3.1.2 O sopesamento trata de grandezas comparáveis?

A operação de sopesamento, que constitui a terceira etapa de aplicação da regra da proporcionalidade, consiste basicamente em avaliar se a importância da satisfação de um princípio é justificável diante do sacrifício imposto a um princípio colidente. Para fazer isso, comparam-se as duas variáveis envolvidas: de um lado, a importância da satisfação de um princípio e, de outro, o grau de afetação do princípio colidente. A variável que tiver mais peso indicará o princípio que deve prevalecer na situação concreta.

Para avaliar se a importância da satisfação de um princípio “compensa” o sacrifício infligido a um princípio colidente, parece claro que essas duas variáveis devem, de alguma forma, ser medidas. Robert Alexy alude à mensuração dessas variáveis quando cria um modelo triádico, segundo o qual tanto a intensidade de intervenção em um princípio quanto o grau de importância de um princípio podem ser classificados como “leves”, “moderados” ou “sérios”, com os valores 1, 2 e 4, respectivamente. (ALEXY, 2008, p. 593-611)

Uma vez mensuradas as variáveis, torna-se possível efetuar uma comparação que indique a solução a ser dada à colisão entre princípios. Assim, por exemplo, a comparação entre a “leveza” do sacrifício imposto a um princípio - que teria peso 1 - e a “seriedade” do grau de importância do princípio colidente - que teria peso 4 - indicaria que o sacrifício ou intervenção é justificável. Ora, a possibilidade de efetuar uma comparação entre sacrifícios e graus de importância pode, ao menos, ser discutida.

Em princípio, a classificação em “leve”, “moderado” e “sério” possibilita a comparação entre intensidades de intervenções em princípios, de um lado, e graus de importância de princípios, de outro. O problema é justamente a escolha do parâmetro utilizado para efetuar a classificação, que deve ser adequado para mensurar as duas variáveis de acordo com um critério uniforme, tornando as classificações correspondentes - à leveza da intervenção deve corresponder a leveza do grau de importância, e assim por diante.

A escolha do parâmetro para medir intensidades de intervenções e graus de importância pode ser considerada uma tarefa impossível, levando à conclusão de que tais grandezas são incomparáveis. Avente-se um exemplo envolvendo os direitos fundamentais sociais: suponha-se que um paciente demande em juízo o fornecimento de um medicamento; suponha-se, também, que o Poder Legislativo não tenha consagrado em lei o direito ao fornecimento do medicamento pedido. Pois bem: nesse

caso, seria possível comparar a intensidade de intervenção no princípio protetivo do direito à saúde decorrente da não prestação com o grau de importância do princípio da separação dos poderes? Seria possível, antes disso, eleger um parâmetro para medir, no caso concreto, tanto a intervenção no princípio protetivo do direito à saúde quanto o grau de importância do princípio formal da competência decisória do legislador? Em favor da impossibilidade de comparar intervenções em princípios com graus de importância de princípios colidentes podem ser aduzidos alguns argumentos. Pode-se dizer que a inexistência de um princípio de cobertura, que abarque os princípios colidentes na sua diversidade, inviabiliza a mensuração da intensidade da intervenção e do grau de importância e, consequentemente, a comparação entre uma e outro - ou seja: faltaria a régua valorativa comum às duas variáveis. Assim, e para aproveitar o exemplo dado no parágrafo anterior, seria necessário encontrar um supraprincípio à luz do qual pudesse ser medida tanto a intensidade da intervenção no princípio protetivo do direito à saúde quanto o grau de importância do princípio da competência decisória do legislador. Pode-se dizer ainda que a descoberta desse supraprincípio não afastaria a impossibilidade da comparação, dada a diversidade da contribuição dada pelos princípios colidentes à realização do supraprincípio, o que acaba por refletir no peso dado a cada um daqueles. Por exemplo: o supraprincípio da integridade constitucional não seria um parâmetro adequado para medir a intensidade da intervenção no princípio protetivo do direito à saúde ou o grau de importância do princípio da competência decisória do legislador. Para que essa mensuração fosse possível, seria necessário aferir qual dos dois princípios colabora mais para a realização do supraprincípio - o que é um grande desafio, haja vista a diferença entre a colaboração dada por um princípio e pelo outro. Outro argumento em favor da incomparabilidade baseia-se na bidirecionalidade dos méritos comparativos, que surge nos casos em que uma opção A é bem avaliada segundo o critério X e mal avaliada segundo o critério Y, ao passo que uma opção B é mal avaliada segundo o critério X e bem avaliada segundo o critério Y. Assim, uma decisão em favor do princípio protetivo do direito à saúde, deferindo o fornecimento de medicamento a despeito da inexistência de previsão legal, poderia ser bem avaliada à luz de um critério que privilegia o respeito à vida, mas mal avaliada à luz de um critério que privilegia o respeito à democracia formal; por seu turno, uma decisão em favor do princípio da competência decisória do legislador, indeferindo o fornecimento de medicamento porque não há previsão legal, seria bem avaliada à luz de um critério que privilegia a

democracia formal, mas mal avaliada à luz de um critério que privilegia o respeito à vida. No fim, não seria possível identificar qual das duas decisões seria a melhor, e sequer dizer se seriam equivalentes ou não. (RAUSCHMAYER, 2001, p. 125-127)67

A esses argumentos de incomparabilidade contrapõe-se o pensamento de Robert Alexy. Para ele, “[...] a questão não é a direta comparabilidade de algumas entidades, mas a comparabilidade da sua importância para a constituição, a qual, é claro, indiretamente leva a sua comparabilidade”68 (ALEXY, 2003, p. 442, tradução nossa). O autor defende a ideia de que, partindo do “ponto de vista da Constituição”, podem-se avaliar intensidades de intervenções em princípios e graus de importância de princípios, expressados em um discurso racional:

Se o discurso racional sobre o que é correto com base na Constituição é possível, então um ponto de vista comum é possível. Isso se torna real pelo fato de o discurso racional orientar-se pela ideia regulativa da correção em face da Constituição. Quem quiser menosprezar a possibilidade de avaliações mediante o apelo à impossibilidade de um ponto de vista comum deve, então, estar preparado para defender que o discurso racional sobre avaliações no quadro da interpretação constitucional é impossível.69 (ALEXY, 2003, p. 442, tradução nossa)

Pelo que se pode depreender, Robert Alexy defende que avaliações sobre intensidades de intervenções e graus de importância são possíveis porque há um ponto de vista comum sobre a Constituição, sendo que o parâmetro para efetuar a comparação entre essas duas grandezas seria a importância delas para a própria Constituição. Ora, se é assim, o autor defende que há um supraprincípio - que pode ser

67 Os exemplos citados não constam da referência indicada.

68 “[...] the question is not the direct comparability of some entities, but the

comparability of their importance for the constitution, which of course indirectly leads to their comparability”. (ALEXY, 2003, p. 442)

69 If rational discourse about what is correct on the basis of the Constitution is

possible, then a common point of view is possible. It becomes real as soon as rational discourse begins which is oriented to the regulative idea of what is correct on the basis of the constitution. Whoever wants to undermine the possibility of evaluations by appeal to the impossibility of a common point of view must then be prepared to claim that rational discourse about evaluations in the framework of constitutional interpretation is impossible. (ALEXY, 2003, p. 442)

chamado de “supraprincípio da importância constitucional” - à luz do qual são avaliadas as intensidades de intervenções nos “meros princípios” e os graus de importância dos “meros princípios” colidentes. Dessa forma, no exemplo acima mencionado, a comparação entre a intensidade de intervenção no princípio protetivo do direito à saúde, de um lado, e o grau de importância do princípio da competência decisória do legislador, de outro lado, dar-se-ia com base na relevância de tais princípios para a Constituição; essa relevância seria aferida a partir de um “ponto de vista comum constitucional”, resultante de um “discurso racional orientado pela ideia regulativa de correção em face da Constituição”.

Em resumo: o modelo de direitos fundamentais de Robert Alexy trabalha com a possibilidade de comparação entre intensidades de intervenções em princípios e graus de importância de princípios colidentes. Caso não se aceite essa possibilidade - e há motivos para não aceitá-la, como foi visto - o modelo é inaplicável em sua integralidade, eis que resta inviabilizada a operação de sopesamento.

3.1.3 Existe sopesamento entre princípio formal e princípio