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3.1 O MODELO É APLICÁVEL?

3.1.1 Há necessidade de considerar a liberdade fática?

De acordo com o modelo de direitos fundamentais sociais de Robert Alexy, uma posição no âmbito dos direitos prestacionais deve ser vista como definitivamente garantida se o princípio da liberdade fática “[...] a exigir de forma premente [...]” e se os princípios colidentes “[...] forem afetados em uma medida relativamente pequena pela garantia constitucional da posição prestacional [...]” (ALEXY, 2008, p. 512). Ora, o que significa a expressão “liberdade fática” e qual a sua relação com os direitos fundamentais sociais?

Na “Teoria dos direitos fundamentais”, Robert Alexy fornece um conceito de liberdade fática vazado nestes termos: “Em relação a uma alternativa de ação juridicamente livre, a é faticamente livre na medida em que tem a possibilidade real de fazer ou deixar de fazer aquilo que é permitido”. O conceito de liberdade fática construído pelo autor é “[...] um conceito contraposto ao conceito de liberdade jurídica [...]”, referindo-se aos pressupostos fáticos para o exercício da liberdade jurídica, ou seja, à possibilidade real de escolher entre as alternativas permitidas pela liberdade jurídica. O autor põe a liberdade fática como o principal fundamento para o reconhecimento dos direitos fundamentais sociais, afirmando que “O principal argumento a favor dos direitos fundamentais sociais é um argumento baseado na liberdade”, destacando que “[...] sob as condições da moderna sociedade industrial, a liberdade fática de um grande número de titulares de direitos fundamentais [...]

depende sobretudo de atividades estatais”.65 (ALEXY, 2008, p. 226 e 503-504)

O conceito de liberdade fática elaborado por Robert Alexy partilha do mesmo entendimento de Amartya Sen, para quem a liberdade “[...] envolve tanto os processos que permitem a liberdade de ações e decisões como as oportunidades reais que as pessoas têm, dadas as suas circunstâncias pessoais e sociais”. Para este último autor, a privação de liberdade ocorre não só pela negação de direitos civis e políticos, mas também pela negação de oportunidades adequadas para que as pessoas realizem “[...] o mínimo do que gostariam [...]”. Assim como Robert Alexy, Amartya Sen relaciona a liberdade fática aos direitos fundamentais sociais, afirmando que as liberdades substanciais incluem capacidades elementares como, por exemplo, “[...] ter condições de evitar privações como a morbidez evitável e a morte prematura [...] bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos [...]” - as capacidades citadas podem ser, sem dificuldade, relacionadas aos direitos fundamentais sociais à saúde e à educação. (2000, p. 31 e 52)

Vê-se, pois que o conceito de liberdade fática é utilizado para fundamentar o reconhecimento de posições prestacionais relativas a direitos fundamentais sociais. Se é assim, há necessidade de utilizá-lo mesmo quando esses direitos estão expressamente previstos em disposições constitucionais? Se a Constituição brasileira consagra de forma patente a existência de direitos sociais - basta mencionar o artigo 6º - é necessário o recurso à liberdade fática para defender o reconhecimento de um direito a prestações estatais? Não seria mais adequado, em vez de mencionar o princípio da liberdade fática como fator favorável ao reconhecimento de uma posição prestacional, mencionar o próprio direito social consagrado constitucionalmente? A resposta a essas perguntas é dada por Daniel Sarmento:

É verdade que no modelo de ponderação proposto por Alexy, o que figura em um dos lados da balança não é o próprio direito social vindicado, mas a liberdade material que este assegura.

65 Luigi Ferrajoli, por sua vez, vincula o reconhecimento dos direitos sociais ao

próprio direito à vida. Para ele, o processo civilizatório moderno acarretou a perda da autossuficiência individual e a intensificação da interdependência social, de forma que a garantia de prestações estatais mínimas é uma questão de garantia de sobrevivência para um grande número de pessoas. (FERRAJOLI, 2011, v. 2, p. 379-384)

Provavelmente, este modelo foi concebido desta forma em razão do fato de a Constituição alemã não consagrar direitos sociais em seu texto. Daí o recurso a um meio indireto para exigibilidade destes direitos, que permitisse a superação da omissão do constituinte germânico. Contudo, no ordenamento constitucional brasileiro, os direitos sociais foram expressamente positivados e são considerados plenamente justiciáveis. Ademais, a liberdade material não é a única razão que justifica a proteção dos direitos sociais. Esta pode ser fundamentada também em outros objetivos, como atendimento das necessidades humanas básicas, a viabilização das democracias, etc. Por isso, entendo que a ponderação não deve ser feita com a liberdade material, como sustenta Alexy, mas com o próprio direito social em jogo. (2008, p. 568)

Com efeito, não se justifica fazer referência ao princípio da liberdade fática como argumento favorável à existência de direitos fundamentais sociais, pois a existência de tais direitos, no Brasil, é constatável pela simples leitura de disposições constitucionais - como, por exemplo, a disposição inserta no artigo 6º (BRASIL, 1988). O conceito de liberdade fática, no ordenamento jurídico brasileiro, serve, quando muito, como justificação extrajurídica para a existência de direitos sociais.

Saliente-se que a desnecessidade de considerar a liberdade fática na operação de sopesamento destinada à identificação de um direito fundamental social definitivo não é, de forma nenhuma, uma falha do modelo de Robert Alexy. O autor, já na primeira página da sua “Teoria dos direitos fundamentais”, adverte que a sua teoria é “[...] uma teoria dos direitos fundamentais da Constituição alemã [...]” (ALEXY, 2008, p. 31). Como a Constituição alemã quase não contém direitos sociais,66 o conceito de liberdade fática foi um artifício de que se valeu Robert Alexy para dar-lhes caráter de fundamentalidade, vinculando-os ao direito de liberdade previsto no artigo 2º da Lei Fundamental da Alemanha. (ALEMANHA, 2011, p. 18-29; ALEXY, 2008, p. 500)

66 Uma das poucas exceções seria o direito à proteção da maternidade, previsto

no artigo 6º, 4, da Lei Fundamental da Alemanha, nos seguintes termos: “Toda mãe tem o direito à proteção e à assistência da comunidade”. (ALEMANHA, 2011, p. 19)