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2.2 ASPECTOS DESTACADOS DA TEORIA DOS DIREITOS

2.2.2 O problema das restrições aos direitos fundamentais

A diferenciação entre regras e princípios torna nítidas as características dessas duas espécies de normas. E, a partir dessas características, podem ser rastreadas as repercussões trazidas pela qualificação de uma norma como uma regra ou como um princípio. Nesta parte do trabalho, será objeto de análise a questão relativa às restrições aos direitos fundamentais.

Se uma norma de direito fundamental é qualificada como uma regra, ela deve ser aplicada segundo a lógica do “tudo ou nada”, já que uma regra contém todas as determinações necessárias ao seu cumprimento, não se fazendo necessário o recurso ao sopesamento para o aclaramento de seu sentido. No caso de um direito reconhecido por

34 Los derechos fundamentales, como normas, pueden ser interpretados como

reglas o principios. Una norma iusfundamental puede comportarse em parte como una regla y en parte como un principio. (CLÉRICO, 2009, p. 29)

35 Parte das reflexões expostas nesta parte do trabalho já foi exposta em artigo

anterior deste autor, intitulado “O caso da escola malcuidada” (CARNEIRO, 2014).

uma regra, “[...] sabe-se de antemão que não existem colisões com outros direitos e bens jurídicos que possam ser resolvidas mediante a ponderação”,36 haja vista que a regra tem um conteúdo plenamente

determinado (BOROWSKI, 2007, p. 77, tradução nossa). Se uma regra de direito fundamental entra em conflito com outra regra de direito fundamental, uma delas é inválida e deve ser expungida do ordenamento jurídico. Então, se assim é, os direitos fundamentais garantidos mediante regras não são restringíveis, pois “[...] se um direito é garantido por uma norma que tenha a estrutura de uma regra, esse direito é definitivo e deverá ser realizado totalmente, caso a regra seja aplicável ao caso concreto” (SILVA, 2010, 45), ou seja, “As regras conduzem necessariamente a posições jurídicas não suscetíveis de restrição”37

(BOROWSKI, 2007, p. 78, tradução nossa). Assim, os direitos previstos em normas qualificadas como regras são aplicáveis por subsunção, ou seja, basta que se demonstre que eles se incluem no comando normativo. O mesmo não ocorre com os direitos fundamentais garantidos por normas qualificadas como princípios. Nos casos em que se empresta aos direitos fundamentais uma natureza principiológica, eles passam a ser vistos como mandamentos de otimização, cuja realização dá-se na maior medida possível dentro das condições jurídicas e fáticas existentes. A par disso, os direitos fundamentais são aplicáveis de acordo com o método do sopesamento, o que significa que os princípios que lhes dão suporte devem ser contrastados com princípios colidentes, estabelecendo-se uma relação condicionada de precedência. E o mais interessante: não tendo natureza de regra, os direitos fundamentais não funcionam na lógica do “tudo ou nada”, não sendo aplicáveis por mera subsunção como prescrições que, sendo válidas, ou são atendidas integralmente ou simplesmente não são atendidas.

Ao aprofundar a análise, revela-se um aspecto central dos direitos fundamentais entendidos como princípios: como mandamentos de otimização, cuja realização depende das condições fáticas e jurídicas existentes, os direitos fundamentais são necessariamente direitos restringíveis, pois seriam direitos irrestringíveis apenas se a sua realização não se submetesse a nenhuma condição. Em contrapartida à restringibilidade, a classificação dos direitos fundamentais como

36 [...] se sabe de antemano que no existen colisiones com otros derechos y

bienes jurídicos que puedan ser resueltas mediante la ponderación. (BOROWSKI, 2007, p. 77)

37 Las reglas conducen necesariamente a posiciones jurídicas no susceptibles de

mandamentos de otimização implica que, antes da verificação das condições fáticas e jurídicas existentes, busque-se a sua máxima realização. Ou seja: como ponto de partida, deve-se procurar a satisfação total do direito fundamental; eventuais restrições só podem ocorrer em um segundo momento e dizem respeito a condicionantes externas ao direito. Lembre-se que, enquanto princípios, os direitos fundamentais “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível” (ALEXY, 2008, p. 90).

Essa característica de restringibilidade dos direitos fundamentais vertidos em normas qualificadas como principiológicas é bem destacada por Virgílio Afonso da Silva:

No caso dos princípios não se pode falar em realização sempre total daquilo que a norma exige. Ao contrário: em geral essa realização é apenas parcial. Isso, porque no caso dos princípios há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é garantido (ou imposto) definitivamente. (SILVA, 2010, p. 45) Como visto, aceitar a natureza principiológica dos direitos fundamentais implica a ideia de realização máxima de tais direitos fundamentais associada à possibilidade de restrições. Há, assim, um direito prima facie, garantido pela norma, que só se tornará um direito definitivo depois de submetido ao sopesamento com princípios colidentes. Essa ideia, propugnada pela teoria dos princípios de Robert Alexy para a generalidade dos direitos fundamentais, está estreitamente relacionada à teoria externa no que toca à demarcação das fronteiras dos direitos fundamentais e à identificação da abrangência da garantia conferida pelas normas que os preveem. (SILVA, 2009, p. 139)

A teoria externa pressupõe que, ao lado de um direito, há as restrições que sobre ele incidem - um e outro são objetos jurídicos distintos. Por sua vez, a teoria interna, que lhe é oposta, defende que existe somente o direito com seu conteúdo devidamente delimitado - os limites são imanentes ao direito, com ele compondo um único objeto jurídico. Nas palavras de Virgílio Afonso da Silva, “Ao contrário da teoria interna, que pressupõe a existência de apenas um objeto, o direito e seus limites (imanentes), a teoria externa divide esse objeto em dois: o direito em si, e, destacadas dele, as suas restrições” (2010, p. 138). Ora, é fácil notar que a teoria externa guarda sintonia com a teoria dos princípios, ao se lembrar que esta última toma, como ponto de partida, a ideia de realização máxima dos direitos fundamentais. Tanto a teoria externa quanto a teoria dos princípios defendem que os limites de um

direito são estabelecidos por fatores que lhe são externos; assim, se os limites são definidos externamente, o direito, em princípio, é ilimitado - por isso, a perspectiva da teoria dos princípios implicaria o fortalecimento dos direitos fundamentais, ao partir do pressuposto de que, de início, tais direitos são ilimitados. Em suma: para ambas as teorias, há um direito prima facie ilimitado, que, ao sofrer restrições baseadas em princípios colidentes, torna-se um direito definitivo limitado. Ressalte-se que as restrições são identificáveis apenas em um caso concreto, pois o que se restringe é o exercício do direito, cujo âmbito é determinado pelo direito definitivo, e não o seu conteúdo, que pertence ao direito prima facie.

Em resumo: um direito fundamental garantido por uma norma qualificada como regra é um direito irrestringível, reconhecível por subsunção; por sua vez, um direito fundamental garantido por uma norma qualificada como princípio é um direito prima facie restringível, que deve se submeter ao sopesamento com princípios colidentes para se converter em direito definitivo.

2.2.3 Determinação do suporte fático dos direitos fundamentais38