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1 DISPOSITIVO ANALÍTICO, TEÓRICO E METODOLÓGICO

33   Uma versão atualizada desta publicação foi lançada na TEIA 2010 sob o título de Programa Nacional de

1.2 DISPOSITIVO TEÓRICO

1.2.4 Discurso: objeto teórico da AD

As relações sociais se significam na reprodução e não-ruptura, através da emergência de falas desorganizadas que significam lugares onde sentidos faltam, incidências de novos processos de significação que perturbam ao mesmo tempo a ordem do discurso e a organização do social.

Eni Orlandi

Pêcheux estabelece que o discurso é "efeito de sentidos entre interlocutores que enviam

para lugares determinados na estrutura de uma formação social" (PÊCHEUX: 1997,

56  Jakobson  (1969)  enfatizou  em  seus  trabalhos  o  caráter  comunicativo  da  linguagem,  relacionando  o  estudo  da   Lingüística   com   a   teoria   matemática   da   comunicação   e   a   teoria   da   informação.   Para   ele   qualquer   fala   envolve   uma  mensagem  e  quatro  elementos  que  lhe  são  conexos:  o  emissor,  o  receptor,  o  tema  da  mensagem  e  o  código   utilizado.  A  relação  entre  os  quatro  elementos  é  variável,  decorrendo  que  dessa  variação  se  teriam  as  diferentes   funções  da  linguagem:  cognitiva,  poética,  metalingüística,  etc.    

57  Nesse  sentido,  é  interessante  a  reflexão  de  Lacerda  que,  ao  ver  os  resultados  da  primeira  pesquisa  avaliativa   do   Programa   Cultura   Viva,   pondera   que   ela   foi   uma   demanda   do   MinC:   A   pesquisa   realizada   pelo   IPEA  é   de   inegável   importância   para  o   desenvolvimento   do   próprio   Programa,   além   de   ser   uma   base   avaliativa   para   as   políticas   culturais   empreendidas   pela   atual   gestão   de   uma   forma   geral.   Porém,   não   podemos   olvidar   de   que   essa   pesquisa   foi   solicitada   pelo   mesmo   órgão   que   seleciona   os   projetos   e   realiza   o   repasse   de   recursos   aos   Pontos   de   Cultura   selecionados,   o   Ministério   da   Cultura.   Fico   me   perguntando   se   os   entrevistados,   gestores   dos   Pontos   de   Cultura   conveniados   ao   MinC,   ao   responderem   as   questões   colocados   pela   pesquisa,   não   se   perguntaram   (assim   como  eu)  se  suas  respostas  influenciariam  na  tomada  de  decisões  quanto  a  continuidade  dos  repasses  de  recursos   por   parte   do   poder   público.   A   forma   como  a   atual   gestão   vem   conduzindo  o   Programa   Cultura   Viva   aponta   para   uma   provável   negação   desse   questionamento,   mas   se   pensarmos   que   esses   dados   servirão   de   referência   para   gestões  vindouras,  talvez  a  cautela  seja  necessária.  Muitas  das  questões  colocadas  a  esses  gestores  pela  pesquisa  do   IPEA   tiveram   como   objetivo   sondar   o   nível   de   apropriação,   por   parte   dos   Pontos   de   Cultura,   dos   valores   que   norteiam   e   baseiam   o   Programa   Cultura   Viva:   autonomia,   empoderamento,   protagonismo   e   gestão   em   rede.   Podemos  supor  que  muitas  das  respostas  supervalorizaram  os  processos  de  incorporação  desses  valores,  seja  pelo   entusiasmo   individual  do   gestor,   ou   até   mesmo   pela   intimidação   causada   pela   pesquisa   e   sua   possível   vinculação   a  futuras  seleções  de  renovações  de  convênios  com  o  Ministério,  prática  comum  haja  vista  a  estreiteza  dos  recursos   da  pasta  (LACERDA  in  LABREA  et  al:2009,p.56).  Ou  seja,  percebe  que  o  sentido  poderia  ser  outro,  dependendo   de  quem  ocupa  as  posições  argumentativas,  que  o  poder  simbólico  atravessa  e  constitui  o  discurso  ou  a  leitura   que  se  fará  do  documento.  

p.82). Por efeito de sentido entende-se que o sentido sempre pode ser outro, dependendo do lugar social em que os interlocutores se inscrevem.

Não há um centro, que é literal e suas margens que são os efeitos de sentido. Só há margens. Por definição. Todos os sentidos são possíveis e, em certas condições de produção, há a dominância de um deles. O que existe, então, é um sentido dominante que se institucionaliza como produto da história: o literal (ORLANDI: 1996, p.158, grifo meu).

Geralmente, o que ocorre é que um sentido58 se institucionaliza, adquirindo

prestígio como o sentido possível, sendo os outros considerados como decorrentes desse sentido primeiro. Na verdade, os sentidos possíveis se processam pelo viés da interlocução. Entende-se a partir daí que a língua não é transparente e o sentido não é evidente: o sentido é uma construção de um efeito de evidência que deriva de um gesto de interpretação inscrito em um contexto histórico determinado.

Pêcheux concebe a língua como heterogênea e opaca, propondo uma "mudança

de terreno que faça intervir conceitos exteriores à região da lingüística atual"

(PÊCHEUX: 1997, p.73). Ou seja, a exterioridade - entenda-se a história, a ideologia - é constitutiva da língua e não pode ser dela alijada. Deve-se então, necessariamente, remeter a língua em uso - o discurso - às suas condições de produção (CP) para daí se chegar a um possível efeito de sentido.

58   O   sentido   é   estudado   tradicionalmente   pela   Semântica.   Vou   passar   rapidamente,   para   situar   o   leitor,   pelas   principais   discussões   sobre   a   questão   do   sentido:   sentido   como   representação   do   mundo,   como   condição   de   verdade,   a   distinção   entre   sentido   e   referência,   o   sentido   e   os   usos   da   língua,   sentido   e   subjetividade.   As   semânticas  formais  colocam  a  questão  do  sentido  de  um  enunciado  como  uma  relação  com  o  que  ele  representa   do   mundo,   com   os   objetos.   Considera-­‐se   também   o   conceito   de   verdade,   concebido   por   Tarski,   sendo   a   verdade   definida  como  um  acordo  entre  o  que  é  dito  e  a  realidade.  Aí  veríamos  uma  relação  entre  o  lingüístico  (no  caso,  o   enunciado)  e  o  mundo  extralingüístico  (que  seria  a  realidade)  (GUIMARÃES,  1995:24).  Frege  distingue  sentido  e   referência,   isto   é,   distingue   o   modo   pelo   qual   uma   expressão   (um   nome)   designa   algo   (seu   sentido)   do   objeto   designado  (sua  referência).  Para  ele,  a  referência  é  um  objeto  perceptível  e  o  sentido  é  o  modo  de  apresentar  um   objeto   enquanto   a   serviço,   de   modo   igual,   daqueles   que   falam   uma   língua   dada   (ibidem:27).   Grice,   coloca   em   discussão  a  relação  do  usuário  da  linguagem  com  a  linguagem,  estabelecendo  o  domínio  da  pragmática.  Para  ele   o   uso   da   linguagem   é   que   constitui   o   sentido   do   que   se   diz,   considerando-­‐se   a   situação   em   que   se   fala   e   a   intenção  de  quem  fala.    Austin,  em  Quando  dizer  é  fazer  (1962),  tratou  a  linguagem  como  ação,  onde  o  sentido   de  uma  palavra  são  seus  usos  nos  jogos  de  linguagem  em  que  participa,  construindo,  assim,  a  teoria  dos  atos  de   fala.  Searle,  segue  a  hipótese  austiniana  de  que  falar  é  realizar  certos  atos.  Ele  vê  como  equivalentes  a  realização   de  atos  de  linguagem  e  a  significação  das  frases  usadas  para  realizar  tais  atos.  Basta  dizer  para  significar  o  que  se   quer   significar.   Benveniste   através   do   estudo   da   significação,   de   modo   geral,   e   da   subjetividade,   mais   particularmente,   mostra   que   a   língua   tem   formas   que   possibilitam   a   alguém   assumir-­‐se   como   locutor,   apropriando-­‐se   da   linguagem,   fundando,   por   este   viés,   sua   subjetividade   e   constituindo   o   outro   como   seu   interlocutor  (INDURSKY,  1998:9).  A  semântica  argumentativa,  disciplina  que  se  forma  em  torno  dos  estudos  de   Ducrot,   mostra   que   a   argumentação   é   vista   como   uma   relação   de   sentidos   na   linguagem,   isto   é,   mostra   que   o   locutor  constrói  seu  ponto  de  vista  e  orienta  as  conclusões  de  sua  argumentação,  a  partir  do  uso  dos  operadores   argumentativos.   Além   disso,   os   operadores   argumentativos   indicam   diferentes   vozes   –   polifonia   -­‐   no   mesmo   enunciado,   sendo   possível   identificar   com   qual   dos   diferentes   pontos   de   vista   o   locutor   se   identifica   (LABREA:2002b).  

As condições de produção mostram a conjuntura em que um discurso é produzido, bem como suas contradições. As CP remetem a lugares determinados na estrutura de uma formação social. As relações de força entre esses lugares sociais encontram-se representadas no discurso por uma série de "formações imaginárias que

designam o lugar que o destinador e o destinatário atribuem a si e ao outro",

construindo desse modo o imaginário social (PÊCHEUX: 1997, p. 82).

A linguagem é concebida, nessa perspectiva, como mediação entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação que é o discurso torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que está inserido. Saber como os discursos funcionam mobiliza, segundo Orlandi (2000:10), um jogo duplo da memória: o da memória institucional que estabiliza, cristaliza, e, ao mesmo tempo, o da memória que esquece, que torna possível a ruptura, o diferente e que um novo discurso emerja. A AD busca compreender como os sentidos são

produzidos, qual sua relação com o simbólico e com o político e como a ideologia59 se

materializa na língua, quais as marcas e as pistas que o trabalho da ideologia deixa em um texto.

Um discurso entendido com um processo não tem início, nem fim, pois ele sempre é baseado em algo que já foi dito antes e é evocado e re-significado no momento de enunciação, a partir da inscrição do sujeito em determinada formação discursiva (FD). Foucault (2000) dirá que uma formação discursiva (FD) é um conjunto de enunciados que se estabelece a partir de determinadas regularidades do tipo ordem, correlação, funcionamento e transformação. Ducrot afirma que a realização de um

59   A   AD   adota   a   ideia   de   ideologia,   como   está   posto   em   Althusser   (1983)   que   a   entende   como   uma   relação   imaginária  que  os  homens  mantém  com  as  suas  condições  reais  de  existência.  A  difusão  da  ideologia  dominante   se   dá   a   partir   dos   aparelhos   ideológicos   de   Estado   (religião,   escola,   família,   jurídico,   político,   sindical,   informação,  cultura,  etc.).  Partindo  do  pressuposto  de  que  as  ideologias  têm  existência  material,  elas  passam  a   ser  estudadas  não  mais  como  ideias,  mas  como  um  conjunto  de  práticas  materiais  que  reproduzem  as  relações   de  produção.  Trata-­‐se  do  materialismo  histórico:  um  importante  pilar  epistemológico  sobre  o  qual  se  erigirá  a   Análise   do   Discurso   (MAZZOLA:   2009,p.09).   É   interessante   conhecer   o   texto   de   Jean-­‐Jacques   Courtine,   que   participou   ativamente   do   grupo   de   Michel   Pêcheux,   O   discurso   inatingível:   marximo   e   linguística   (1965-­‐ 1985)   que   recoloca   as   questões   de   Althusser,   pois   se   a   chamada   luta   de   classes   pertence   a   uma   tradição   já   esgotada,   Pêcheux,   principalmente   em   Semântica   e   discurso   (1995),   tenta   revitalizar   a   teoria   do   discurso,   inserindo-­‐a   a   uma   tradição   que   busca   compreender   a   realidade   histórica   e   política   e   trabalhar   por   sua   transformação.  Ou  seja,  o  esgotamento  das  ideias  althusserianas,  em  um  mundo  em  processo  de  transformação  e   inserção  na  globalização,  não  esgota  a  teoria  do  discurso  e  a  recoloca  em  termos  mais  atuais.  No  Brasil,  a  AD  irá   desenvolver  características  próprias,  focando  mais  na  análise  política  que  linguística.  Sobre  essa  questão  sugiro   a  leitura  de  Leandro  Ferreira  (2006)  e  Leandro  Ferreira;  Indursky  (2007).      

enunciado é um acontecimento histórico: é dada existência a alguma coisa que não existia antes de se falar e que não existirá mais depois. O enunciado para este autor é

um segmento de discurso (1987: p.168). Ele tem, pois, como o discurso, um lugar e

uma data, um produtor e um ou vários ouvintes. É um fenômeno empírico, observável

e não se repete (DUCROT:1987, p.13). Um enunciado pode ser constantemente

repetido, mas sempre dentro de determinadas condições de produção entendidas como um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no

espaço que definem em uma dada época, e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa

(FOUCAULT:2000, p.136). Uma FD é essencialmente lacunar em função do sistema de formação de suas estratégias, podendo ser individualizadas através desse sistema.

Uma FD não é o texto ideal, contínuo e sem asperezas. É um espaço de dissensões múltiplas, um conjunto de oposições cujos níveis e papéis devem ser descritos

(FOUCAULT: 2000, p.192). Para ele, o discurso é constituído pelos enunciados que provém de uma mesma FD (idem:p.146). Pêcheux e Fuchs retomam a noção de FD elaborada por Foucault e a introduzem no quadro epistêmico da AD. Indursky (2003:p.04) aponta uma diferença fundamental em relação à abordagem de Foucault e Pêcheux: Foucault afasta a noção de ideologia na análise dos enunciados, já Pêcheux entende que a ideologia é o critério fundamental para definir o pertencimento de um enunciado a uma FD e para delimitar suas fronteiras.

Isso supõe que é impossível analisar um discurso como um texto, isto é, como uma seqüência lingüística fechada em si mesma, mas que é necessário referi-lo ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido das condições de produção (PÊCHEUX: 1997, p.79).

Para Pêcheux e Fuchs, as formações discursivas determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto é, numa certa relação de lugares no interior de um aparelho ideológico, e inscrita numa relação de classes (PÊCHEUX; FUCHS: 1997, p.166-7).

Consequentemente, o sentido de uma manifestação discursiva é decorrente de sua relação com determinada FD. Por outro lado, uma mesma sequência discursiva inserida em diferentes FD produzirá sentidos diversos. Tal fato explica-se porque o sentido se constitui a partir das relações que as diferentes expressões mantêm entre si, no interior de cada FD, a qual, por sua vez, está determinada pela Formação Ideológica de que provém (INDURSKY, 1997:32).

Para Courtine, as formações ideológicas (FI) representam posições sociais. Ele fala em formação ideológica para caracterizar um elemento suscetível de intervir como uma força em confronto a outras na conjuntura ideológica característica de uma formação social, em um dado momento (COURTINE:1981, p.33-35). Assim, podemos compreender porque as mesmas palavras produzem diferentes efeitos de sentidos no momento em que se inscrevem em diferentes FI. As FI comportam necessariamente como um dos seus componentes uma ou várias FD (PÊCHEUX: 1997, p.166).

Para tornar mais claro como funciona, na perspectiva discursiva, a constituição dos sentidos a partir da inscrição em diferentes FDs, tomo como exemplo os efeitos de sentido de continuidade, uma palavra presente no discurso de dois Ministros de Estado da Cultura em governos do PT. Ambos se vinculam a uma mesma FI, mas os sujeitos enunciadores pertencem a FD distintas, ocupam diferentes posição-sujeito e, por isso, produzirão sentidos que vão em diferentes direções. Assim, falando a mesma coisa, a partir de uma outra posição-sujeito, falam outra coisa.

Juca Ferreira, dois anos após assumir o MinC, ao fazer um balanço de sua gestão, diz que procurou dar continuidade ao programa do Ministro Gil. Diz ele: "continuidade

não é mesmice. Tudo o que está em movimento deixa de ser o que era para ser outra coisa; o movimento impõe isso" (ALMEIDA et alii: 2013, p.217). Em sua gestão, ele não

modificou as áreas prioritárias, aprofundou, ampliou e adensou a política desenvolvida inicialmente por seu antecessor.

Ana de Hollanda, em seu discurso de posse, anuncia:

Durante a campanha presidencial vitoriosa, a candidata Dilma lembrou muitas vezes que sua missão era continuar a grande obra do presidente Lula. Mas nunca deixou de dizer, com todas as letras, que “continuar não é repetir”. Continuar é avançar no processo construtivo. E quando queremos levar um processo adiante, a gente se vê na fascinante obrigação de dar passos novos e inovadores. Este será um dos nortes da nossa atuação no Ministério da Cultura: continuar – e avançar (HOLLANDA:2011, grifo meu).

A Ministra deu novos rumos à política cultural, reiterando a continuidade:

É claro que vamos dar continuidade a iniciativas como os Pontos de Cultura, programas e projetos do Mais Cultura, intervenções culturais e urbanísticas já aprovadas ou em andamento – como as ações urbanas previstas no PAC260,

60   Sobre   o   PAC:   Criado   em   2007,   no   segundo   mandato   do   presidente   Lula   (2007-­‐2010),   o   Programa   de   Aceleração   do   Crescimento   (PAC)   promoveu   a   retomada   do   planejamento   e   execução   de   grandes   obras   de   infraestrutura  social,  urbana,  logística  e  energética  do  país,  contribuindo  para  o  seu  desenvolvimento  acelerado   e  sustentável.  Pensado  como  um  plano  estratégico  de  resgate  do  planejamento  e  de  retomada  dos  investimentos  

com suas praças, jardins, equipamentos de lazer e bibliotecas. E as obras do PAC das cidades históricas, destinadas a iluminar memórias brasileiras. Enfim, minha gestão jamais será sinônimo de abandono do que foi ou está sendo feito. Não quero a casa arrumada pela metade. (...)

Quero adiantar, também, que o Ministério da Cultura vai estar organicamente conectado – em todas as suas instâncias e em todos os seus instantes – ao programa geral do governo da presidenta Dilma. (...)

Erradicar a miséria, assim como ampliar a ascensão social, é melhorar a vida material de um grande número de brasileiros e brasileiras. (...) É preciso, por isso mesmo, ampliar a capacidade de consumo cultural dessa multidão de brasileiros que está ascendendo socialmente.

(...) Porque é necessário democratizar tanto a possibilidade de produzir quanto a de consumir. (...) Em suma, o que nós queremos e precisamos fazer é o casamento da ascensão social e da ascensão cultural. Para acabar com a fome de cultura que ainda reina em nosso país. (...) Arquitetura é cultura. Urbanismo é cultura. (...) Se o Ministério da Educação quer mais cultura nas escolas, o Ministério da Cultura quer estar mais presente, mediando o encontro essencial entre a comunidade escolar e a cultura brasileira. (...) não podemos deixar no desamparo, distante de nossas preocupações, justamente aquele que é responsável pela existência da arte e da cultura. Visões gerais da questão cultural brasileira, discutindo estruturas e sistemas, muitas vezes obscurecem – e parecem até anular – a figura do criador e o processo criativo. Se há um pecado que não vou cometer, é este (HOLLANDA:2011, grifo meu).

Este é um aspecto interessante para a análise do discurso: o mesmo conteúdo semântico - continuidade - em relação de paráfrase - continuidade não é mesmice e continuidade não é repetir - a partir da inscrição em diferentes FDs produzem diferentes

efeitos de sentido: um enunciado vai em direção da ruptura e o outro se insere em um continuun e reitera o discurso fundador. Assim fica evidente que dizer o mesmo em

diferente posição-sujeito, produz polissemia.

Isso acontece porque "os indivíduos são interpelados em sujeitos-falantes - em

sujeito de seu discurso - pelas formações discursivas que se definem pela relação que possuem com as formações ideológicas" (PÊCHEUX:1997, p.145). A formação

discursiva é constituída por um conjunto de enunciados marcados pelas mesmas regularidades, pelas mesmas regras de formação, isto é, os textos que fazem parte desta em  setores  estruturantes  do  país,  o  PAC  contribuiu  de  maneira  decisiva  para  o  aumento  da  oferta  de  empregos  e   na   geração   de   renda,   e   elevou   o   investimento   público   e   privado   em   obras   fundamentais.   Nos   seus   primeiros   quatro  anos,  o  PAC  ajudou  a  dobrar  os  investimentos  públicos  brasileiros  (de  1,62%  do  PIB  em  2006  para  3,27%   em  2010)  e  ajudou  o  Brasil  a  gerar  um  volume  recorde  de  empregos  –  8,2  milhões  de  postos  de  trabalho  criados   no   período.   Teve   importância   fundamental   para   o   país   durante   a   grave   crise   financeira   mundial   entre   2008   e   2009,   garantindo   emprego   e   renda   aos   brasileiros,   o   que   por   sua   vez   garantiu   a   continuidade   do   consumo   de   bens   e   serviços,   mantendo   ativa   a   economia   e   aliviando   os   efeitos   da   crise   sobre   as   empresas   nacionais.   Em   2011,   o   PAC   entrou   na   sua   segunda   fase,   com   o   mesmo   pensamento   estratégico,   aprimorados   pelos   anos   de   experiência  da  fase  anterior,  mais  recursos  e  mais  parcerias  com  estados  e  municípios,  para  a  execução  de  obras   estruturantes   que   possam   melhorar   a   qualidade   de   vida   nas   cidades   brasileiras.   Fonte:   http://www.pac.gov.br/sobre-­‐o-­‐pac,  acesso  em  18/01/2014.  

formação discursiva remetem a uma mesma formação ideológica.

Para entender a relação entre uma FD e uma FI é importante entender que as FDs organizam vários domínios de saber que determinam os enunciados que podem e devem ser ditos, dentro de dada conjuntura e estes são constituídos a partir de sua vinculação com a história e com a ideologia. Neste sentido, o domínio de saber delimita o conjunto dos elementos de saber que pertencem ao interior da FD e o conjunto dos elementos que não pertencem, fixando assim o que é exterior a ela. Assim, há um constante movimento de reconfiguração provocado pelo deslocamento de suas fronteiras onde a FD incorpora novos saberes e recusa outros.

Em Semântica e Discurso (1995) Pêcheux introduz a ideia de que na FD ocorrem repetições mas também transformações e a heterogeneidade constitui a FD, apontando o caráter intrinsecamente contraditório que regula as condições de produção do discurso (INDURSKY:2003, p.03). Pêcheux mostra que há três maneiras de o sujeito da enunciação se relacionar ou, em suas palavras, tomar posição (PÊCHEUX:1995, p.214), em relação à produção de conhecimento, às práticas políticas e à forma-sujeito ou sujeito universal que é a posição que no interior da FD organiza essas práticas.

Uma maneira seria o sujeito da enunciação se identificar completamente com os saberes da FD ao se colocar na mesma posição da forma-sujeito ou sujeito universal. Outra forma é o sujeito da enunciação ir contra o sujeito universal e se posicionar em relação ao efeito de evidência ideológico que conforma a FD (PÊCHEUX:1995, p.213-4). É a partir dessa contra-identificação que surgem as diferentes posições-sujeito na FD e que novos e diversos saberes são introduzidos e produzem deslocamentos e transformações no seu interior (INDURSKY:2003). Quando a divergência com os

saberes de uma FD é intranstornável, há a desidentificação com a FD. Nesse caso o

sujeito do enunciado irá filiar-se a uma outra FD e assujeitar-se a outra forma-sujeito (PÊCHEUX:1995, p.217).

O discurso fundador do Programa Cultura Viva se vincula à formação discursiva do MinC (FD-MinC2003-2010) e dialoga diretamente com a forma-sujeito que organiza os enunciados em torno das ideias de democracia e direito cultural, da visão antropológica de cultura, da formulação de política culturais que contemplem as dimensões simbólica, cidadã e econômica. A proposta do MinC é interiorizar e

federalizar as ações e isso redefine públicos e territórios prioritários. O PCV é enunciado