5 A NOÇÃO POLISSÊMICA DE REDE NO PCV: A REDE COMO METÁFORA
5.2 ENTRE AS REDES VIVIDAS E AS IMAGINADAS
Tudo partiu do ponto e o ponto que faz a linha é o ponto que se entrelaça e desfaz o nó da impotência para formar a teia. É a teia que sustenta a força coletiva da rede. Na teia a tua cultura é tua. Na teia tua cultura atua. Parimos a rede que se espalha no terreiro e no asfalto; que navega rios, mares e ares. Sobe morros, desmontam guetos, desce sertões, vales,
125 Essas redes virtuais, com exceção das originadas para atuação em rede (cultura digital, tuxáuas, interações estéticas, mídia livre) partilham uma linguagem ou tema, mas não um projeto comum. Quando há um projeto, a articulação predominante é a territorial.
redescobre outros brasis e principalmente tira a carga de tragédia da exclusão.
Gilberto Gil - Teia 2006
Gilberto Gil, então Ministro da Cultura, ao falar dos Pontos afirma que eles "estarão em
rede, a fim de trocar informações, experiências e realizações" (BRASIL: 2005a, p.9). A
ideia de rede é explicitada na fala de Célio Turino em que as trocas acontecem em um contato horizontal entre os Pontos, "sem relação de hierarquias ou superioridade entre
culturas" (p.16). Tal rede, nas palavras de Turino,
Deve ser maleável, menos impositiva na sua forma de interagir com a realidade, e, por isso, ágil e tolerante como um organismo vivo. O objetivo é fazer uma integração dos Pontos em uma rede global que aconteça a partir das necessidades e ações locais (BRASIL:2005a, p.16; BRASIL:2010a; BRASIL:2010b, grifo meu).
Essas são as primeiras formulações de rede que aparecem no discurso fundador do PCV e diz respeito à forma de organização entre os Pontos de Cultura. Seu campo semântico organiza um imaginário de rede fundado nos seguintes itens lexicais:
maleabilidade, agilidade, tolerância, organicidade, trocas, horizontalidade, relações não-hierárquicas, global, local. As ideias mobilizadas descrevem, ao menos
parcialmente, algumas das características das redes contra-hegemônicas
(CASTELLS:1999a, 1999b, 1999c), tal como as descrevi acima.
Há um primeiro deslocamento quando se evoca a rede tanto para
• descrever a ação de articulação dos Pontos de Cultura entre eles e a articulação
dos Pontos de Cultura e a comunidade - REDE1 - Articulação entre os Pontos de
Cultura e os Pontos e a comunidade;
• descrever o Programa Cultura Viva como uma rede de gestão cultural. Mais adiante, na mesma publicação, acrescenta-se qualificadores e assume-se uma proposta de gestão compartilhada e transformadora (p.16) como pacto entre Estado e sociedade - REDE2 - Ponto de Cultura como mediador entre Estado e sociedade;
• apontar o ponto de cultura como mediador da relação entre o Estado e a
sociedade - REDE3 - Programa Cultura Viva como rede - gestão compartilhada
• mobilizar uma rede virtual - REDE4 - Rede virtual da Ação Cultura Digital. Pode-se observar esses deslocamentos nos recortes discursivos abaixo:
O Programa Cultura Viva é concebido como uma rede orgânica de criação e gestão cultural, mediado pelos Pontos de Cultura, sua principal ação. A implantação do programa prevê um processo contínuo e dinâmico e seu desenvolvimento é semelhante ao de um organismo vivo, que se articula com atores pré-existentes. Em lugar de determinar (ou impor) ações e condutas locais, o programa estimula a criatividade, potencializando desejos e criando situações de encantamento social. Encantamento social pressupõe envolvimento intelectual e afetivo, criando uma mágica motivadora em que as pessoas cada vez mais são estimuladas a criar e participar. (...) O papel da coordenação do programa será o de fomentar o processo de reinterpretação cultural, estimulando a aproximação entre diferentes formas de representação artística e visões de mundo. “Aqui se faz cultura” pode ser um dos lemas dos Pontos de Cultura, que, ao serem reconhecidos como sujeitos, também reconhecem os outros, intensificando a troca entre si. O papel do Ministério da Cultura é o de agregar recursos e novas capacidades a projetos e instalações já existentes, oferecendo equipamentos que amplifiquem as possibilidades do fazer artístico e recursos para uma ação contínua junto às comunidades (BRASIL: 2005a, p.18, grifo meu).
(...) o Ponto de Cultura como espaço de sedimentação da macro rede Cultura Viva - de organização da cultura em nível local e de mediação na relação entre Estado e sociedade e entre os outros Pontos, constituindo redes por afinidade; a Cultura Digital como um instrumento de aproximação entre os Pontos, que desencadeia um novo modo de pensar a tecnologia, envolvendo generosidade intelectual e trabalho colaborativo (por isso, o software livre, adotado como opção tecnológica e filosófica (...) (BRASIL:2005a, p.17; BRASIL:2010a; BRASIL:201b, grifo meu).
Em 2010, a nova edição do Cultura Viva...(2005a), revisada, ampliada e agora denominada Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania; Cultura Viva:
Autonomia, Protagonismo e Fortalecimento Sociocultural para o Brasil (2010a),
reitera as noções acima, ampliando-as ao entender novas ações e eventos do PCV como redes, atualizando o campo semântico inicial, reforçando-o e complementando-o com novos atributos: articulação, mediação, integração, mobilização, protagonismo, gestão
compartilhada, conexão, inovação, concepção ampliada de participação social, movimento, entre outras palavras-forças, como pode-se observar nessa nova rede de
formulações, apresentadas no quadro abaixo:
Noção Recortes discursivos -‐ Espaço de Formulação REDE1 -‐ Articulação entre os
Pontos de Cultura e os Pontos e a comunidade
RDEF1 -‐ Todos os Pontos de Cultura estarão em rede (p.9).*
RDEF2 -‐ A capacidade para buscar micro-‐soluções a partir da construção de redes locais e a disposição para conectar em rede, foi um dos critérios para a escolha dos Pontos de Cultura (p.37).*
RDEF3 -‐ Caberá à rede colocar os produtos culturais em circulação, em um primeiro momento criando espaços de trocas desses bens e produtos culturais entre os Pontos de Cultura (p.31)**.
REDE2 -‐ Ponto de Cultura como mediador entre Estado e sociedade
RDEF4 -‐ O Ponto de Cultura é a referência de uma rede horizontal de articulação, recepção e disseminação de iniciativas e vontades criadoras. Como um mediador na relação entre Estado e sociedade, e dentro da rede, o Ponto de Cultura agrega agentes culturais que articulam e impulsionam um conjunto de ações em suas comunidades, e destas entre si (p.20)* e (p.14)**.
REDE3 -‐ Programa Cultura Viva como rede -‐ gestão em rede
RDEF5 -‐ O Programa Cultura Viva é concebido como uma rede orgânica de criação e gestão cultural, mediado pelos Pontos de Cultura, sua principal ação (p.18)* e (p.10 e 36)**.
RDEF6 -‐ O Cultura Viva é uma rede horizontal de articulação, recepção e disseminação de iniciativas culturais inovadoras e o Ponto de Cultura é a ponta desta rede, um organizador da cultura em nível local, um centro de referência para novas conexões em rede.* RDEF7 -‐ Enquanto o Cultura Viva pode ser identificado como uma macro-‐rede, o Ponto de Cultura pode ser definido como uma micro-‐ rede (p.37)* e (p.28)**.
RDEF8 -‐ A rede Cultura Viva possibilita o ensaio de um novo tipo de trocas simbólicas, onde a conexão local se articula com a global (p.38)* e (p.30)**.
RDEF9 -‐ O Ponto de Cultura sedimenta o Programa Cultura Viva que é concebido como uma rede orgânica de criação e gestão cultural, exercitando novas práticas na relação entre Estado e sociedade (p.36)**.
RDEF10 -‐ O funcionamento da rede pressupõe, sobretudo, motivação e encantamento social. Mais que um conjunto de obras físicas, o Cultura Viva envolve a potencialização das energias criadoras do nosso povo (p.55)**.
REDE4 -‐ Rede da Ação Cultura Digital
RDEF11 -‐ Uma rede digital interligando todos os Pontos de Cultura viabilizará, em escala nacional, experiências de compartilhamento da gestão pública, inovando no processo de controle e participação em políticas públicas. Trata-‐se de uma tentativa de adotar uma concepção ampliada de política na qual a sociedade civil deve ocupar espaços participativos de deliberação pública, sem ter que assumir responsabilidades que deveriam ser próprias do Estado, preservando sua autonomia (p.25)*.
RDEF12 -‐ A Ação Cultura Digital surge como catalisadora da rede formada pelos Pontos de Cultura e como ação transversal do CV e Mais Cultura destinada a fortalecer, estimular, desenvolver e potencializar redes virtuais e presenciais entre os Pontos de Cultura (p.53)**.
REDE5 -‐ Pontos de Rede -‐ descentralização para governos estaduais e municipais
RDEF13 -‐ Pontos de Rede são todos os Pontos de Cultura que passam a integrar a Rede de Pontos de Cultura e que, atuando em diferentes níveis -‐ municipal, estadual e federal, passam a também participar dos encontros setoriais que definem a gestão compartilhada do Programa Cultura Viva e dos Pontos de Cultura entre o poder público e a sociedade civil, por meio de Fóruns, Teias e Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (p.40)**.
REDE6 -‐ Pontões -‐ Rede de integração dos Pontos de
RDEF14 -‐ O Pontão de Cultura é o grande nó articulador da rede do Cultura Viva, que conecta e mobiliza não só instituições que são os
Cultura Pontos de Cultura como diversas outras entidades da sociedade civil, criando um movimento amplo, orgânico e integrador. Trabalha sob a perspectiva de capacitar produtores, gestores, artistas e de difundir produtos. É a própria gestão compartilhada. Os pontões, além de articuladores, são capacitadores e difusores da rede, integram ações e atuam na esfera temática ou territorial (p.44)**.
REDE7 -‐ Gestão intrarrede RDEF15 -‐ Forma de buscar os mecanismos de gestão na própria rede, sem agentes externos, contando com a capacidade e competências dos próprios integrantes da rede (p.44)**
REDE8 -‐ Rede de articuladores -‐ os Tuxáuas
RDEF16 -‐ Iniciativas de mobilização e articulação de redes protagonizadas por pessoas físicas que demonstram histórico de atuação relevante junto às ações e redes relacionadas ao Programa Cultura Viva. O objetivo é reconhecer a ação protagonista de indivíduos que fomentam a mobilização e articulação de diversas redes socioculturais, alimentando conceitual e politicamente as ações do Programa Cultura Viva (p.44-‐5)**.
REDE9 -‐ Rede como circuito cultural -‐ Interações Estéticas
RDEF17 -‐ Do diálogo entre artistas, Pontos de Cultura e comunidades, estabeleceu-‐se a criação de um importante rede social e cultural, que se articula para além dos limites entre a "cultura erudita" e a "cultura popular", através do circuito Interações Estéticas que ocorre nas principais capitais brasileiras (p.63)**.
REDE10 -‐ TEIA RDEF18 -‐ A Teia é o encontro dos Pontos de Cultura, o momento em que a rede se repensa, organiza e apresenta sua arte (p.64)**.
QUADRO 04 -‐ Rede de Formulação -‐ A noção de rede no Cultura Viva; Programa Nacional de Arte, Educação, Cidadania e Economia Solidária (2005a)* e no Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania; Cultura Viva: Autonomia, Protagonismo e Fortalecimento Sociocultural para o Brasil (2010a)**
Os recortes discursivo que compõem EF1 contemplam a fase da teoria do programa que diz o que as redes do PCV idealmente são e o que elas idealmente farão. Para compreender o contexto em que EF1 se insere e que ações de fato mobilizam, convém ir para além do discurso e recuperar, parcialmente, a historicidade do Programa. Uma das chaves para se entender o programa é buscar um diálogo entre o discurso das redes e os instrumentos de gestão.
Nesse histórico não aparece REDE2 e REDE3 porque, para além do discurso fundador, essas ideias não ancoram em práticas concretas, e minha hipótese é que essas ideias foram imbricadas e convergem na proposta de gestão compartilhada e
transformadora. A fim de organizar essa parte da narrativa vou articular algumas ideias
que, me parecem, estão relacionadas: Rede de Pontos e Pontos de Rede (REDE1 e REDE5), Rede da Ação Cultura Digital, Gestão Intra-rede e Rede dos Pontões (REDE4, REDE6 e REDE7), Redes formadas a partir das Ações Tuxáua e Interações Estéticas (REDE8 e REDE9) e finalizo com a "rede das redes", a Teia (REDE10).
5.2.1 Da Rede de Pontos aos Pontos de Rede: as estratégias para superar os entraves da gestão
E o semelhante é um ponto de partida, não de chegada.
Boaventura de Sousa Santos
No que refere à articulação entre os pontos de cultura, REDE1 é detalhada na fala de Turino:
Os pontos de cultura, ao atuarem em rede, superam os limites da sua atuação local. Cada Ponto se reconhecendo no outro, aprimora as soluções alternativas e autônomas de uma gestão cultural que entende a cultura como um poderoso instrumento de desenvolvimento humano e de transformação social (TURINO in FONTELES:2010, p.19, grifo meu).
Essas redes se organizam a partir dos editais públicos de conveniamento126,
prêmios127 e bolsas e são denominadas Rede do Programa Cultura Viva. Os pontos de
cultura são formados por "instituições e organizações de natureza cultural, legalmente
constituídas, sem fins lucrativos que conveniaram diretamente com a Secretaria
(BRASIL:2005a) ou, a partir de 2005, com Secretarias Municipais e Estaduais de Cultura, para desenvolver projetos culturais ao longo de três anos.
Nos editais no. 01/2004, 02/2005 e 03/2005 não há menção a organização de
redes entre os pontos de cultura, embora mencione como um item a ser avaliado a
"capacidade em agregar outros atores sociais e parceiros públicos ou privados,
garantindo a sustentabilidade futura da proposta" (BRASIL:2005a, p. 49), que pode ser
entendida como uma rede local de parceiros. O Edital 03/2005 mostra uma novidade em relação aos anteriores, pois um dos itens de avaliação é "gestão cultural compartilhada" (op.cit, p.59).
126 Editais no. 01/16 de Julho de 2004, 02/29 de Março de 2005, 03/20 de Abril de 2005 (BRASIL:2005a). 127 Embora os editais de conveniamento com entidades e, posteriormente, com governos estaduais e municipais, tenham originado o conjunto de pontos de cultura, historicamente a SCDC adotou a premiação como principal instrumento de fomento de iniciativas culturais. Essa opção esteve associada à implementação da estratégia de mapeamento de iniciativas e estímulo à formação de redes temáticas e, ainda, à busca por desburocratizar o repasse de recursos de modo a democratizar seu acesso. Foram lançados, entre 2007 e 2011, 19 editais de premiação que distribuíram entre 12 a 500 prêmios, com valores entre R$ 5.000,00 a R$ 120.000,00, conforme os objetivos e a amplitude das iniciativas, totalizando 1382 iniciativas premiadas e um investimento de R$ 53.410.690,00. No período de 2006 a 2009 a Secretaria, através de suas diferentes coordenações, lançou 04 Editais de bolsas, totalizando 1300 bolsistas beneficiados e um investimento de R$ 5.496.012,00.
A partir do Edital 04/2005, inicia o processo de descentralização do programa para os governos estaduais e municipais. A secretaria considera que o conjunto de pontos
e pontões selecionados pelos estados e municípios configura REDE5 - Ponto de Rede.
Também nomeia genericamente como as redes estaduais quando refere-se aos convênios realizados com os governos estaduais. É opaco, portanto, até para a secretaria a composição dos Pontos de Rede. Esta expressão, a partir de 2010, é descartada e fala-se das redes estaduais ou redes de pontos, indistintamente para referir-se aos pontos conveniados com a secretaria ou com os governos locais.
Com a descentralização do programa para os governos estaduais e municipais, aumentou drasticamente o número de pontos e pontões de cultura, ao longo dos anos de implementação. Idealmente, REDE1 e REDE5 articulariam suas ações e fortaleceriam o programa. As redes organizadas a partir dos convênios diretos com o MinC ou dos prêmios têm dimensão nacional, articulam pontos/pontões distribuídos em todo o território nacional. Os pontos e pontões organizados a partir dos editais estaduais e municipais, ao contrário, compartilham um mesmo território e isso facilita o contato presencial. Muitos Pontos de Rede organizam redes ou fóruns temáticos e territóriais (locais, estaduais, regionais), comissões e grupos de trabalho, cuja coordenação fica a cargo das Secretarias de Cultura, que, em muitos casos, organizam um pontão de gestão do convênio.
Em geral, o MinC não participa destes espaços e até 2012 não tinha conhecimento de quantos estados e municípios tinham redes organizadas e como os pontos/pontões atuavam e quais atividadades desenvolviam. Os Pontos de Rede e a Rede de Pontos tampouco dialogavam ou ao menos se conheciam, mesmo dividindo o mesmo território, embora alguns pontos conveniados inicialmente diretamente com o MinC, depois de finalizado o convênio, participaram e foram selecionados nos editais descentralizados. Atualmente, há poucos remanescentes dos convênios diretos e a grande maioria dos pontos e pontões estão vinculados aos projetos descentralizados.
Atuar em cultura digital concretiza essa filosofia, que abre espaço para redefinir a forma e o conteúdo das políticas culturais, e transforma o Ministério da Cultura em ministério da liberdade, ministério da criatividade, ministério da ousadia, ministério da contemporaneidade. Ministério, enfim, da Cultura Digital e das Indústrias Criativas.
Cultura digital é um conceito novo. Parte da idéia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte.
Aula Magna na Universidade de São Paulo, Ministro Gilberto Gil
O Compêndio da Cultura Digital (BRASIL:2009a) conta a história da Cultura Digital no Governo Lula, a partir da inserção de gestores-militantes com experiência em âmbito estadual ou municipal:
Com a posse do Presidente Lula em 2003, os setores de tecnologia da informação e comunicação do Governo Federal unem-se em torno de uma política de adoção de softwares livres na esfera pública e de uma postura ampla em relação a liberdade de circulação de conhecimentos. Cargos estratégicos como a presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, vinculado à Casa Civil da Presidência da República e a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, passam a ser ocupados por pessoas com ampla experiência em projetos implantados que com sucesso como as rede de telecentros paulistanos e porto-alegrenses. Em constante diálogo com as universidades e com setores da sociedade civil, e fundamentadas em conceitos e ideologias que prezam pelo compartilhamento de conhecimentos, pela economia de orçamento público, pela liberdade e segurança do desenvolvimento tecnológico, pelo crescimento dos serviços na área de informática e pela redução da evasão de divisas, os responsáveis por essas áreas estratégicas do governo iniciam a implementação de uma política de uso e desenvolvimento de softwares livres. (...) Em pouco tempo essa política implementada pelo governo é assimilada por outras instâncias do poder executivo e ganha força também no Congresso Nacional, com a criação de uma frente parlamentar destinada exclusivamente ao tema. São criados então comitês interministeriais para discussão de modelos de migração de softwares proprietários para softwares livres, e de modelos de inclusão de digital (BRASIL:2009a, p.115).
A Cultura Digital penetra no MinC e, posteriormente, no Cultura Viva porque as condições políticas são extremamente favoráveis a essa inserção. E no caso da Cultura
Digital, o Governo Lula é extremamente favorável a ela, e inicia assim um discurso (e uma práxis) possível. Ao Ministro da Cultura interessa incorporar a ética hacker e pautar essa discussão porque, entre outras coisas, ela trabalha com a ideia de comunidades de cultura compartilhada.
A mentalidade hacker não é confinada a esta cultura do hacker-de-software. Há pessoas que aplicam a atitude hacker em outras coisas, como eletrônica, música e nas ciências humanas. Na verdade, pode-se encontrá-la nos níveis mais altos de qualquer ciência ou arte. Hackers de software reconhecem esses espíritos aparentados de outros lugares e pessoas, e podem chamá-los de "hackers" também. A natureza hacker é independente da mídia em que o hacker trabalha. Mas a origem do movimento hacker nasce dos hackers de software, e nas tradições da cultura compartilhada, que é a essência filosófica da ética "hacker" (GIL in BRASIL:2009a, p.13).
A Cultura Digital, no MinC tem características bem definidas:
Ela pretende difundir as implicações culturais, sociais, políticas e econômicas da Era Digital. Busca aproveitar ao máximo as possibilidades geradas por meio de uma política que vise democratizar e fomentar a utilização das ferramentas tecnológicas digitais de uma maneira crítica e criativa, estimulando os valores da liberdade, autonomia, colaboração e compartilhamento em rede. Ela visa popularizar as novas tecnologias digitais e suas implicações tanto dentro do governo quanto para a sociedade em geral, com especial ênfase para o público jovem, bem como facilitar o acesso às tecnologias da informação e da comunicação e estimular a utilização crítica e criativa das tecnologias digitais, propiciando a produção e preservação cultural e a difusão do conhecimento. Para completar, ela tem ainda como base a difusão da utilização do software livre (BRASIL:2009a, p.47).
A Cultura Digital entra no Programa Cultura Viva:
O grupo Articuladores, com alguns de seus integrantes já trabalhando dentro do MinC, participa da concepção do Cultura Viva desde seu início e contribui fundamentalmente com sua experiência para a criação da ação Cultura Digital, visando estimular e orientar o uso de ferramentas digitais e de softwares livres pelos Pontos de Cultura. As propostas pensadas para o projeto das BACs, de postura ativa em relação aos meios de comunicação, de produção colaborativa, de generosidade intelectual e de independência tecnológica, ganham ainda mais força com a perspectiva de parceria com centenas de projetos independentes (BRASIL:2009a, p.120, grifo meu).
FOTO 01: Arquivo Programa Cultura Viva. Imagem: TT Catalão
Esta ação está presente em todos os editais, sendo comum a todos os Pontos de Cultura a compra do kit multimídia e o estímulo ao uso de software livre. Claudio Prado