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5 A NOÇÃO POLISSÊMICA DE REDE NO PCV: A REDE COMO METÁFORA

5.2 ENTRE AS REDES VIVIDAS E AS IMAGINADAS

Tudo partiu do ponto e o ponto que faz a linha é o ponto que se entrelaça e desfaz o nó da impotência para formar a teia. É a teia que sustenta a força coletiva da rede. Na teia a tua cultura é tua. Na teia tua cultura atua. Parimos a rede que se espalha no terreiro e no asfalto; que navega rios, mares e ares. Sobe morros, desmontam guetos, desce sertões, vales,

125  Essas  redes  virtuais,  com  exceção  das  originadas  para  atuação  em  rede  (cultura  digital,  tuxáuas,  interações   estéticas,  mídia  livre)  partilham  uma  linguagem  ou  tema,  mas  não  um  projeto  comum.  Quando  há  um  projeto,  a   articulação  predominante  é  a  territorial.  

redescobre outros brasis e principalmente tira a carga de tragédia da exclusão.

Gilberto Gil - Teia 2006

Gilberto Gil, então Ministro da Cultura, ao falar dos Pontos afirma que eles "estarão em

rede, a fim de trocar informações, experiências e realizações" (BRASIL: 2005a, p.9). A

ideia de rede é explicitada na fala de Célio Turino em que as trocas acontecem em um contato horizontal entre os Pontos, "sem relação de hierarquias ou superioridade entre

culturas" (p.16). Tal rede, nas palavras de Turino,

Deve ser maleável, menos impositiva na sua forma de interagir com a realidade, e, por isso, ágil e tolerante como um organismo vivo. O objetivo é fazer uma integração dos Pontos em uma rede global que aconteça a partir das necessidades e ações locais (BRASIL:2005a, p.16; BRASIL:2010a; BRASIL:2010b, grifo meu).

Essas são as primeiras formulações de rede que aparecem no discurso fundador do PCV e diz respeito à forma de organização entre os Pontos de Cultura. Seu campo semântico organiza um imaginário de rede fundado nos seguintes itens lexicais:

maleabilidade, agilidade, tolerância, organicidade, trocas, horizontalidade, relações não-hierárquicas, global, local. As ideias mobilizadas descrevem, ao menos

parcialmente, algumas das características das redes contra-hegemônicas

(CASTELLS:1999a, 1999b, 1999c), tal como as descrevi acima.

Há um primeiro deslocamento quando se evoca a rede tanto para

• descrever a ação de articulação dos Pontos de Cultura entre eles e a articulação

dos Pontos de Cultura e a comunidade - REDE1 - Articulação entre os Pontos de

Cultura e os Pontos e a comunidade;

• descrever o Programa Cultura Viva como uma rede de gestão cultural. Mais adiante, na mesma publicação, acrescenta-se qualificadores e assume-se uma proposta de gestão compartilhada e transformadora (p.16) como pacto entre Estado e sociedade - REDE2 - Ponto de Cultura como mediador entre Estado e sociedade;

• apontar o ponto de cultura como mediador da relação entre o Estado e a

sociedade - REDE3 - Programa Cultura Viva como rede - gestão compartilhada

• mobilizar uma rede virtual - REDE4 - Rede virtual da Ação Cultura Digital. Pode-se observar esses deslocamentos nos recortes discursivos abaixo:

O Programa Cultura Viva é concebido como uma rede orgânica de criação e gestão cultural, mediado pelos Pontos de Cultura, sua principal ação. A implantação do programa prevê um processo contínuo e dinâmico e seu desenvolvimento é semelhante ao de um organismo vivo, que se articula com atores pré-existentes. Em lugar de determinar (ou impor) ações e condutas locais, o programa estimula a criatividade, potencializando desejos e criando situações de encantamento social. Encantamento social pressupõe envolvimento intelectual e afetivo, criando uma mágica motivadora em que as pessoas cada vez mais são estimuladas a criar e participar. (...) O papel da coordenação do programa será o de fomentar o processo de reinterpretação cultural, estimulando a aproximação entre diferentes formas de representação artística e visões de mundo. “Aqui se faz cultura” pode ser um dos lemas dos Pontos de Cultura, que, ao serem reconhecidos como sujeitos, também reconhecem os outros, intensificando a troca entre si. O papel do Ministério da Cultura é o de agregar recursos e novas capacidades a projetos e instalações já existentes, oferecendo equipamentos que amplifiquem as possibilidades do fazer artístico e recursos para uma ação contínua junto às comunidades (BRASIL: 2005a, p.18, grifo meu).

(...) o Ponto de Cultura como espaço de sedimentação da macro rede Cultura Viva - de organização da cultura em nível local e de mediação na relação entre Estado e sociedade e entre os outros Pontos, constituindo redes por afinidade; a Cultura Digital como um instrumento de aproximação entre os Pontos, que desencadeia um novo modo de pensar a tecnologia, envolvendo generosidade intelectual e trabalho colaborativo (por isso, o software livre, adotado como opção tecnológica e filosófica (...) (BRASIL:2005a, p.17; BRASIL:2010a; BRASIL:201b, grifo meu).

Em 2010, a nova edição do Cultura Viva...(2005a), revisada, ampliada e agora denominada Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania; Cultura Viva:

Autonomia, Protagonismo e Fortalecimento Sociocultural para o Brasil (2010a),

reitera as noções acima, ampliando-as ao entender novas ações e eventos do PCV como redes, atualizando o campo semântico inicial, reforçando-o e complementando-o com novos atributos: articulação, mediação, integração, mobilização, protagonismo, gestão

compartilhada, conexão, inovação, concepção ampliada de participação social, movimento, entre outras palavras-forças, como pode-se observar nessa nova rede de

formulações, apresentadas no quadro abaixo:

Noção   Recortes  discursivos  -­‐  Espaço  de  Formulação   REDE1    -­‐  Articulação  entre  os  

Pontos  de  Cultura  e  os  Pontos   e  a  comunidade  

 

RDEF1  -­‐  Todos  os  Pontos  de  Cultura  estarão  em  rede  (p.9).*  

RDEF2   -­‐   A   capacidade   para   buscar   micro-­‐soluções   a   partir   da   construção  de  redes  locais  e  a  disposição  para  conectar  em  rede,  foi   um  dos  critérios  para  a  escolha  dos  Pontos  de  Cultura  (p.37).*  

RDEF3   -­‐   Caberá   à   rede   colocar   os   produtos   culturais   em   circulação,   em   um   primeiro   momento   criando   espaços   de   trocas   desses   bens   e   produtos  culturais  entre  os  Pontos  de  Cultura  (p.31)**.  

REDE2  -­‐  Ponto  de  Cultura   como  mediador  entre  Estado  e   sociedade    

 

RDEF4  -­‐  O  Ponto  de  Cultura  é  a  referência  de  uma  rede  horizontal  de   articulação,   recepção   e   disseminação   de   iniciativas   e   vontades   criadoras.  Como  um  mediador  na  relação  entre  Estado  e  sociedade,  e   dentro   da   rede,   o   Ponto   de   Cultura   agrega   agentes   culturais   que   articulam  e  impulsionam  um  conjunto  de  ações  em  suas  comunidades,   e  destas  entre  si  (p.20)*  e  (p.14)**.  

REDE3  -­‐  Programa  Cultura  Viva   como  rede  -­‐  gestão  em  rede  

RDEF5   -­‐   O   Programa   Cultura   Viva   é   concebido   como   uma   rede   orgânica   de   criação   e   gestão   cultural,   mediado   pelos   Pontos   de   Cultura,  sua  principal  ação  (p.18)*  e  (p.10  e  36)**.  

RDEF6   -­‐   O   Cultura   Viva   é   uma   rede   horizontal   de   articulação,   recepção  e  disseminação  de  iniciativas  culturais  inovadoras  e  o  Ponto   de  Cultura  é  a  ponta  desta  rede,  um  organizador  da  cultura  em  nível   local,  um  centro    de  referência  para  novas  conexões  em  rede.*     RDEF7   -­‐   Enquanto   o   Cultura   Viva   pode   ser   identificado   como   uma   macro-­‐rede,   o   Ponto   de   Cultura   pode   ser   definido   como   uma   micro-­‐ rede  (p.37)*  e  (p.28)**.  

RDEF8   -­‐   A   rede   Cultura   Viva   possibilita   o   ensaio   de   um   novo   tipo   de   trocas   simbólicas,   onde   a   conexão   local   se   articula   com   a   global   (p.38)*  e  (p.30)**.  

RDEF9  -­‐  O  Ponto  de  Cultura  sedimenta  o  Programa  Cultura  Viva  que  é   concebido   como   uma   rede   orgânica   de   criação   e   gestão   cultural,   exercitando   novas   práticas   na   relação   entre   Estado   e   sociedade   (p.36)**.  

RDEF10  -­‐  O  funcionamento  da  rede  pressupõe,  sobretudo,  motivação   e   encantamento   social.   Mais   que   um   conjunto   de   obras   físicas,   o   Cultura   Viva   envolve   a   potencialização   das   energias   criadoras   do   nosso  povo  (p.55)**.  

REDE4   -­‐   Rede   da   Ação   Cultura   Digital  

RDEF11   -­‐   Uma   rede   digital   interligando   todos   os   Pontos   de   Cultura   viabilizará,  em  escala  nacional,  experiências  de  compartilhamento  da   gestão   pública,   inovando   no   processo   de   controle   e   participação   em   políticas   públicas.   Trata-­‐se   de   uma   tentativa   de   adotar   uma   concepção  ampliada  de  política  na  qual  a  sociedade  civil  deve  ocupar   espaços   participativos   de   deliberação   pública,   sem   ter   que   assumir   responsabilidades   que   deveriam   ser   próprias   do   Estado,   preservando   sua  autonomia  (p.25)*.  

RDEF12   -­‐   A   Ação   Cultura   Digital   surge   como   catalisadora   da   rede   formada   pelos   Pontos   de   Cultura   e   como   ação   transversal   do   CV   e   Mais   Cultura   destinada   a   fortalecer,   estimular,   desenvolver   e   potencializar   redes   virtuais   e   presenciais   entre   os   Pontos   de   Cultura   (p.53)**.  

REDE5  -­‐  Pontos  de  Rede  -­‐   descentralização  para   governos  estaduais  e   municipais  

RDEF13  -­‐  Pontos  de  Rede  são  todos  os  Pontos  de  Cultura  que  passam   a  integrar  a  Rede  de  Pontos  de  Cultura  e  que,  atuando  em  diferentes   níveis  -­‐  municipal,  estadual  e  federal,  passam  a  também  participar  dos   encontros  setoriais  que  definem  a  gestão  compartilhada  do  Programa   Cultura   Viva   e   dos   Pontos   de   Cultura   entre   o   poder   público   e   a   sociedade   civil,   por   meio   de   Fóruns,   Teias   e   Comissão   Nacional   dos   Pontos  de  Cultura  (p.40)**.  

REDE6  -­‐  Pontões  -­‐  Rede  de   integração  dos  Pontos  de  

RDEF14   -­‐   O   Pontão   de   Cultura   é   o   grande   nó   articulador   da   rede   do   Cultura   Viva,   que   conecta   e   mobiliza   não   só   instituições   que   são   os  

Cultura   Pontos   de   Cultura   como   diversas   outras   entidades   da   sociedade   civil,   criando  um  movimento  amplo,  orgânico  e  integrador.  Trabalha  sob  a   perspectiva   de   capacitar   produtores,   gestores,   artistas   e   de   difundir   produtos.   É   a   própria   gestão   compartilhada.   Os   pontões,   além   de   articuladores,  são  capacitadores  e  difusores  da  rede,  integram  ações   e  atuam  na  esfera  temática  ou  territorial  (p.44)**.  

REDE7  -­‐  Gestão  intrarrede   RDEF15  -­‐  Forma  de  buscar  os  mecanismos  de  gestão  na  própria  rede,   sem   agentes   externos,   contando   com   a   capacidade   e   competências   dos  próprios  integrantes  da  rede  (p.44)**  

REDE8  -­‐  Rede  de  articuladores   -­‐  os  Tuxáuas  

RDEF16   -­‐   Iniciativas   de   mobilização   e   articulação   de   redes   protagonizadas   por   pessoas   físicas   que   demonstram   histórico   de   atuação   relevante   junto   às   ações   e   redes   relacionadas   ao   Programa   Cultura   Viva.   O   objetivo   é   reconhecer   a   ação   protagonista   de   indivíduos   que   fomentam   a   mobilização   e   articulação   de   diversas   redes  socioculturais,  alimentando  conceitual  e  politicamente    as  ações   do  Programa  Cultura  Viva  (p.44-­‐5)**.  

REDE9  -­‐  Rede  como  circuito   cultural  -­‐  Interações  Estéticas  

RDEF17  -­‐  Do  diálogo  entre  artistas,  Pontos  de  Cultura  e  comunidades,   estabeleceu-­‐se  a  criação  de  um  importante  rede  social  e  cultural,  que   se  articula  para  além  dos  limites  entre  a  "cultura  erudita"  e  a  "cultura   popular",   através   do   circuito   Interações   Estéticas   que   ocorre   nas   principais  capitais  brasileiras  (p.63)**.  

REDE10  -­‐  TEIA   RDEF18  -­‐  A  Teia  é  o  encontro  dos  Pontos  de  Cultura,  o  momento  em   que  a  rede  se  repensa,  organiza  e  apresenta  sua  arte  (p.64)**.  

QUADRO   04   -­‐   Rede   de   Formulação   -­‐   A   noção   de   rede   no   Cultura   Viva;   Programa   Nacional   de   Arte,   Educação,   Cidadania   e   Economia   Solidária   (2005a)*   e   no   Programa   Nacional   de   Cultura,   Educação   e   Cidadania;  Cultura  Viva:  Autonomia,  Protagonismo  e  Fortalecimento  Sociocultural  para  o  Brasil  (2010a)**    

Os recortes discursivo que compõem EF1 contemplam a fase da teoria do programa que diz o que as redes do PCV idealmente são e o que elas idealmente farão. Para compreender o contexto em que EF1 se insere e que ações de fato mobilizam, convém ir para além do discurso e recuperar, parcialmente, a historicidade do Programa. Uma das chaves para se entender o programa é buscar um diálogo entre o discurso das redes e os instrumentos de gestão.

Nesse histórico não aparece REDE2 e REDE3 porque, para além do discurso fundador, essas ideias não ancoram em práticas concretas, e minha hipótese é que essas ideias foram imbricadas e convergem na proposta de gestão compartilhada e

transformadora. A fim de organizar essa parte da narrativa vou articular algumas ideias

que, me parecem, estão relacionadas: Rede de Pontos e Pontos de Rede (REDE1 e REDE5), Rede da Ação Cultura Digital, Gestão Intra-rede e Rede dos Pontões (REDE4, REDE6 e REDE7), Redes formadas a partir das Ações Tuxáua e Interações Estéticas (REDE8 e REDE9) e finalizo com a "rede das redes", a Teia (REDE10).

5.2.1 Da Rede de Pontos aos Pontos de Rede: as estratégias para superar os entraves da gestão

E o semelhante é um ponto de partida, não de chegada.

Boaventura de Sousa Santos

No que refere à articulação entre os pontos de cultura, REDE1 é detalhada na fala de Turino:

Os pontos de cultura, ao atuarem em rede, superam os limites da sua atuação local. Cada Ponto se reconhecendo no outro, aprimora as soluções alternativas e autônomas de uma gestão cultural que entende a cultura como um poderoso instrumento de desenvolvimento humano e de transformação social (TURINO in FONTELES:2010, p.19, grifo meu).

Essas redes se organizam a partir dos editais públicos de conveniamento126,

prêmios127 e bolsas e são denominadas Rede do Programa Cultura Viva. Os pontos de

cultura são formados por "instituições e organizações de natureza cultural, legalmente

constituídas, sem fins lucrativos que conveniaram diretamente com a Secretaria

(BRASIL:2005a) ou, a partir de 2005, com Secretarias Municipais e Estaduais de Cultura, para desenvolver projetos culturais ao longo de três anos.

Nos editais no. 01/2004, 02/2005 e 03/2005 não há menção a organização de

redes entre os pontos de cultura, embora mencione como um item a ser avaliado a

"capacidade em agregar outros atores sociais e parceiros públicos ou privados,

garantindo a sustentabilidade futura da proposta" (BRASIL:2005a, p. 49), que pode ser

entendida como uma rede local de parceiros. O Edital 03/2005 mostra uma novidade em relação aos anteriores, pois um dos itens de avaliação é "gestão cultural compartilhada" (op.cit, p.59).

126  Editais  no.  01/16  de  Julho  de  2004,  02/29  de  Março  de  2005,  03/20  de  Abril  de  2005  (BRASIL:2005a).     127  Embora  os  editais  de  conveniamento  com  entidades  e,  posteriormente,  com  governos  estaduais  e  municipais,   tenham  originado  o  conjunto  de  pontos  de  cultura,  historicamente  a  SCDC  adotou  a  premiação  como  principal   instrumento  de  fomento  de  iniciativas  culturais.  Essa  opção  esteve  associada  à  implementação  da  estratégia  de   mapeamento   de   iniciativas   e   estímulo   à   formação   de   redes   temáticas   e,   ainda,   à   busca   por   desburocratizar   o   repasse   de   recursos   de   modo   a   democratizar   seu   acesso.   Foram   lançados,   entre   2007   e   2011,   19   editais   de   premiação  que  distribuíram  entre  12  a  500  prêmios,  com  valores  entre  R$  5.000,00  a  R$  120.000,00,  conforme   os   objetivos   e   a   amplitude   das   iniciativas,   totalizando   1382   iniciativas   premiadas   e   um   investimento   de   R$   53.410.690,00.   No   período   de   2006   a   2009   a   Secretaria,   através   de   suas   diferentes   coordenações,   lançou   04   Editais  de  bolsas,  totalizando  1300  bolsistas  beneficiados  e  um  investimento  de  R$  5.496.012,00.  

A partir do Edital 04/2005, inicia o processo de descentralização do programa para os governos estaduais e municipais. A secretaria considera que o conjunto de pontos

e pontões selecionados pelos estados e municípios configura REDE5 - Ponto de Rede.

Também nomeia genericamente como as redes estaduais quando refere-se aos convênios realizados com os governos estaduais. É opaco, portanto, até para a secretaria a composição dos Pontos de Rede. Esta expressão, a partir de 2010, é descartada e fala-se das redes estaduais ou redes de pontos, indistintamente para referir-se aos pontos conveniados com a secretaria ou com os governos locais.

Com a descentralização do programa para os governos estaduais e municipais, aumentou drasticamente o número de pontos e pontões de cultura, ao longo dos anos de implementação. Idealmente, REDE1 e REDE5 articulariam suas ações e fortaleceriam o programa. As redes organizadas a partir dos convênios diretos com o MinC ou dos prêmios têm dimensão nacional, articulam pontos/pontões distribuídos em todo o território nacional. Os pontos e pontões organizados a partir dos editais estaduais e municipais, ao contrário, compartilham um mesmo território e isso facilita o contato presencial. Muitos Pontos de Rede organizam redes ou fóruns temáticos e territóriais (locais, estaduais, regionais), comissões e grupos de trabalho, cuja coordenação fica a cargo das Secretarias de Cultura, que, em muitos casos, organizam um pontão de gestão do convênio.

Em geral, o MinC não participa destes espaços e até 2012 não tinha conhecimento de quantos estados e municípios tinham redes organizadas e como os pontos/pontões atuavam e quais atividadades desenvolviam. Os Pontos de Rede e a Rede de Pontos tampouco dialogavam ou ao menos se conheciam, mesmo dividindo o mesmo território, embora alguns pontos conveniados inicialmente diretamente com o MinC, depois de finalizado o convênio, participaram e foram selecionados nos editais descentralizados. Atualmente, há poucos remanescentes dos convênios diretos e a grande maioria dos pontos e pontões estão vinculados aos projetos descentralizados.

Atuar em cultura digital concretiza essa filosofia, que abre espaço para redefinir a forma e o conteúdo das políticas culturais, e transforma o Ministério da Cultura em ministério da liberdade, ministério da criatividade, ministério da ousadia, ministério da contemporaneidade. Ministério, enfim, da Cultura Digital e das Indústrias Criativas.

Cultura digital é um conceito novo. Parte da idéia de que a revolução das tecnologias digitais é, em essência, cultural. O que está implicado aqui é que o uso de tecnologia digital muda os comportamentos. O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte.

Aula Magna na Universidade de São Paulo, Ministro Gilberto Gil

O Compêndio da Cultura Digital (BRASIL:2009a) conta a história da Cultura Digital no Governo Lula, a partir da inserção de gestores-militantes com experiência em âmbito estadual ou municipal:

Com a posse do Presidente Lula em 2003, os setores de tecnologia da informação e comunicação do Governo Federal unem-se em torno de uma política de adoção de softwares livres na esfera pública e de uma postura ampla em relação a liberdade de circulação de conhecimentos. Cargos estratégicos como a presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, vinculado à Casa Civil da Presidência da República e a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, passam a ser ocupados por pessoas com ampla experiência em projetos implantados que com sucesso como as rede de telecentros paulistanos e porto-alegrenses. Em constante diálogo com as universidades e com setores da sociedade civil, e fundamentadas em conceitos e ideologias que prezam pelo compartilhamento de conhecimentos, pela economia de orçamento público, pela liberdade e segurança do desenvolvimento tecnológico, pelo crescimento dos serviços na área de informática e pela redução da evasão de divisas, os responsáveis por essas áreas estratégicas do governo iniciam a implementação de uma política de uso e desenvolvimento de softwares livres. (...) Em pouco tempo essa política implementada pelo governo é assimilada por outras instâncias do poder executivo e ganha força também no Congresso Nacional, com a criação de uma frente parlamentar destinada exclusivamente ao tema. São criados então comitês interministeriais para discussão de modelos de migração de softwares proprietários para softwares livres, e de modelos de inclusão de digital (BRASIL:2009a, p.115).

A Cultura Digital penetra no MinC e, posteriormente, no Cultura Viva porque as condições políticas são extremamente favoráveis a essa inserção. E no caso da Cultura

Digital, o Governo Lula é extremamente favorável a ela, e inicia assim um discurso (e uma práxis) possível. Ao Ministro da Cultura interessa incorporar a ética hacker e pautar essa discussão porque, entre outras coisas, ela trabalha com a ideia de comunidades de cultura compartilhada.

A mentalidade hacker não é confinada a esta cultura do hacker-de-software. Há pessoas que aplicam a atitude hacker em outras coisas, como eletrônica, música e nas ciências humanas. Na verdade, pode-se encontrá-la nos níveis mais altos de qualquer ciência ou arte. Hackers de software reconhecem esses espíritos aparentados de outros lugares e pessoas, e podem chamá-los de "hackers" também. A natureza hacker é independente da mídia em que o hacker trabalha. Mas a origem do movimento hacker nasce dos hackers de software, e nas tradições da cultura compartilhada, que é a essência filosófica da ética "hacker" (GIL in BRASIL:2009a, p.13).

A Cultura Digital, no MinC tem características bem definidas:

Ela pretende difundir as implicações culturais, sociais, políticas e econômicas da Era Digital. Busca aproveitar ao máximo as possibilidades geradas por meio de uma política que vise democratizar e fomentar a utilização das ferramentas tecnológicas digitais de uma maneira crítica e criativa, estimulando os valores da liberdade, autonomia, colaboração e compartilhamento em rede. Ela visa popularizar as novas tecnologias digitais e suas implicações tanto dentro do governo quanto para a sociedade em geral, com especial ênfase para o público jovem, bem como facilitar o acesso às tecnologias da informação e da comunicação e estimular a utilização crítica e criativa das tecnologias digitais, propiciando a produção e preservação cultural e a difusão do conhecimento. Para completar, ela tem ainda como base a difusão da utilização do software livre (BRASIL:2009a, p.47).

A Cultura Digital entra no Programa Cultura Viva:

O grupo Articuladores, com alguns de seus integrantes já trabalhando dentro do MinC, participa da concepção do Cultura Viva desde seu início e contribui fundamentalmente com sua experiência para a criação da ação Cultura Digital, visando estimular e orientar o uso de ferramentas digitais e de softwares livres pelos Pontos de Cultura. As propostas pensadas para o projeto das BACs, de postura ativa em relação aos meios de comunicação, de produção colaborativa, de generosidade intelectual e de independência tecnológica, ganham ainda mais força com a perspectiva de parceria com centenas de projetos independentes (BRASIL:2009a, p.120, grifo meu).

FOTO 01: Arquivo Programa Cultura Viva. Imagem: TT Catalão

Esta ação está presente em todos os editais, sendo comum a todos os Pontos de Cultura a compra do kit multimídia e o estímulo ao uso de software livre. Claudio Prado