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o Ministério da Cultura como aliado da sociedade criando condições para que a Cultura se faça, se recrie e se apresente no centro da

agenda do Poder com novos marcos regulatórios e ações que eliminem os guetos, reúnam aldeias e praças céu e chão, gramados e carpetes, água e terra, rompam paredes para viver em redes (FERREIRA in FONTELES: 2010, p.17, grifo meu).

Almeida et alii (2013) consideram que eles produzem cultura pela palavra, ou

seja, ao propor o conceito antropológico77 de cultura, preconizado pela Constituição

76  Segundo  Vilutis  (2009,p.60-­‐61):  Em  2003,  no  início  da  gestão  do  Governo  Lula,  o  Ministério  da  Cultura  (MinC)   estava  organizado  em  uma  Secretaria  Executiva  e  cinco  Secretarias  finalísticas  divididas  por  setores  culturais:   Secretaria   do   Livro   e   Leitura;   Secretaria   do   Patrimônio;   Secretaria   de   Museus   e   Artes   Plásticas;   Secretaria   de   Música   e   Artes   Cênicas   e   Secretaria   do   Audiovisual,   além   de   suas   quatro   instituições   vinculadas:   a   Fundação   Biblioteca   Nacional,   o   Instituto   do   Patrimônio   Histórico   e   Artístico   Nacional   (Iphan),   a   Fundação   Casa   de   Rui   Barbosa  e  a  Fundação  Nacional  de  Artes  (Funarte).  A  reestruturação  interna  do  MinC,  com  vistas  à  reformulação   do   perfil   executivo   do   Ministério   em   um   órgão   de   planejamento   e   elaboração   de   políticas   culturais,   também   representou   necessidades   a   serem   executadas   no   início   da   gestão.   (...)   A   nova   estrutura   regimental   aprovada   nesse  Decreto  manteve  as  instituições  vinculadas  e  a  Secretaria  Executiva,  passando  a  contar  com  um  conjunto   de  seis  secretarias  ligadas  ao  Gabinete  do  Ministro:  a  Secretaria  de  Políticas  Culturais,  a  Secretaria  de  Programas   e   Projetos   Culturais,   a   Secretaria   do   Audiovisual,   a   Secretaria   da   Identidade   e   da   Diversidade   Cultural,   a   Secretaria  de  Articulação  Institucional  e  a  Secretaria  de  Incentivo  e  Fomento  à  Cultura.  Como  órgãos  colegiados,   o  MinC  conta  com  o  Conselho  Nacional  de  Política  Cultural  (CNPC)  e  o  Conselho  Nacional  de  Incentivo  à  Cultura   (CNIC).   A   atual   estrutura   do   Ministério   é   composta   ainda   por   seis   instituições   vinculadas,   divididas   em   autarquias   e   fundações,   organizadas   de   acordo   com   setores   específicos   da   cultura.   Além   das   instituições   vinculadas   já   existentes   no   início   da   gestão,   foram   acrescidas   outras   duas:   a   Agência   Nacional   do   Cinema   (Ancine)   e   a   Fundação   Cultural   Palmares.   É   visível   identificar   que   essa   reorganização   interna   da   estrutura   do   Ministério   seguiu   uma   orientação   diferenciada   em   relação   ao   papel   do   Estado   na   cultura.   As   secretarias   deixaram   de   ser   organizadas   setorialmente,   de   acordo   com   as   demandas   específicas   dos   projetos   e   das   linguagens  artísticas  (artes  plásticas,  artes  cênicas,  audiovisual,  livro  etc.),  e  passaram  a  constituir  uma  atuação   programática,   mais   estratégica   em   termos   da   intencionalidade   política,   articulando,   muitas   vezes,   diferentes   linguagens  artísticas  e  expressões  culturais  em  um  projeto.No  primeiro  ano  de  gestão  também  foi  diagnosticada   a   necessidade   de   ampliar   a   equipe   técnica   do   MinC,   redefinir   os   papéis   dos   gestores   e   agentes   públicos   de   cultura  e  aperfeiçoar  os  instrumentos  institucionais  e  administrativos  do  Ministério.    

77   Cito   Domingues   (2008,p.123-­‐4):   "Este   escopo   epistemológico   é   marcado   por   mudanças   radicais   em   determinados   conceitos   e   categorias   que   vão   fornecer   as   condições   aos   Estados-­‐nação   para   ajustar   algumas   mudanças  sociais  que  incidirão  sobre  a  apropriação  de  questões  populares  como  fundamentos  para  esta  política   cultura   e   da   “face   cultural   do   desenvolvimento”.   A   primeira   mudança   é   do   próprio   sentido   da   cultura   e   da   diversidade   cultural,   discutida   no   plano   internacional,   nas   convenções   e   Conferências   Intergovernamentais   da   UNESCO,  a  partir  da  década  de  70  e  80,  quando  se  dá  início  à  antropologia  social  e  à  antropologia  política,  sob   um  novo  princípio  epistemológico  onde  cada  cultura  é  vista  como  singularidade,  uma  individualidade  própria,   dotada   de   uma   estrutura   específica,   representando   um   conjunto   de   valores   únicos   e   insubstituíveis   (CHAUI,   2006).  Apontará,  portanto,  para  a  diferença  estrutural  entre  comunidades  (estas  colocadas  em  relações  sociais   concretas,   efetivadas)   e   sociedades   (essencialmente   fragmentadas).   Indica   também   para   uma   nova   lógica   política,   que   dirá   que   cada   povo   e   cada   grupo   deve   nutrir-­‐se   de   seu   passado   e   acolher   as   formas   externas   compatíveis  com  suas  idiossincrasias,  de  maneira  a  perseguir  seu  próprio  processo  de  criação  cultural  (UNESCO,   1982).   Incorpora   novos   atores   aos   processos   de   construção   das   políticas   culturais   das   nações   para   a   materialização  das  condições  de  produção  da  diversidade  cultural.  

A   segunda   mudança   é   a   atualização   do   papel   das   indústrias   culturais   e   das   novas   tecnologias   de   produção   no   processo   de   desenvolvimento.   Enquanto   que   o   pensamento   crítico,   na   concepção   de   Adorno   e   Horkheimer   (1997),  concebia  a  indústria  cultural  como  uma  interferência  da  técnica  (ou  da  reprodução,  da  serialização)  na   realização  de  uma  cultura  pura,  original,  a  concepção  atual  vai  tentar  perceber  como  se  concebem,  selecionam,   configuram,  financiam,  fabricam,  distribuem,  promovem  e  consomem  os  produtos  culturais;  ou  seja,  a  influência   efetiva   das   indústrias   culturais   nos   processo   de   reprodução   da   vida   social   e   material.   O   que   foi   visto   é   que   o   mercado   cultural   não   consegue   alcançar   a   diversidade   que   é   própria   da   dinâmica   cultural   (já   que   a   atividade   industrial  não  acompanha  necessariamente  as  regras  próprias  da  cultura),  e  isto  se  revela  um  evidente  perigo  à   realização   da   pluralidade   cultural.   A   mudança   fundamental   é   o   entendimento   que   as   indústrias   culturais  

Federal de 198878, refletem sobre as grandes questões que a cultura vista deste modo demanda, ao se posicionar criticamente sobre os mecanismos de financiamento e se propor modificá-los, ao contemplar novos territórios e novas subjetividades, ao nomear e reconhecer a diversidade, ao dialogar com as novas tecnologias, ao reconhecer o direito ao acesso à cultura e propor um novo olhar sobre o direito autoral, eles mesmos estavam produzindo uma nova política cultural para o país (cfe. FERREIRA in: BRASIL:2010b). A opção política por um conceito antropológico de cultura amplia a rede de beneficiários da política cultural, mas o MinC disponibiliza ainda recursos - via incentivo fiscal, principalmente -, com grupos culturais identificados com à alta cultura, às belas letras e belas artes.

Parte dos recursos foi direcionada a ações de inclusão e partiram de um conceito antropológico, dialogaram com possibilidades da diversidade cultural. Outra parte continuou a nutrir redes experimentais, seja com recursos do orçamento ou dos incentivos fiscais. Ambas as políticas – via recursos orçamentários ou incentivos fiscais – têm problemas referentes à equidade e à cobertura. Ambas têm problemas referentes a sequenciamentos políticos – elaboração, formulação, implementação, execução, monitoramento e avaliação. Do ponto de vista sociológico, a escolha política de um conceito “etnográfico” gerou uma cisão na visão de mundo: de um lado os mercados e os inseridos nos mercados, de outro, os não integrados, os grupos das culturas populares que deveriam ser incluídos pela atuação intensiva do Estado. Nada menos antropológico do que imaginar que a arte, os produtos da indústria, os bens, os serviços e objetos não fazem parte do cotidiano. Nada menos antropológico que supor que as culturas populares tradicionais não dialogam nem usam recursos do seu entorno – linguagens da cultura erudita, referências simbólicas das indústrias culturais, da cultura pop, nos usos de dispositivos tecnológicos etc. (BARBOSA DA SILVA:2011,p.21-22, grifo meu).

também   devem   ser   consideradas   como   um   direito,   orientando-­‐se   segundo   as   demandas   reais   que   cada   da   sociedade  tem,  estando  disponíveis  às  classes  populares,  e  sejam  configuradas  por  estas  classes,  como  forma  de   promover  seu  próprio  desenvolvimento  econômico  e  social.  A  terceira  mudança  é  a  nova  pauta  de  atuação  dos   Bancos   de   desenvolvimento   multilateral   (especialmente   o   Banco   Mundial   e   o   Banco   Interamericano   de   Desenvolvimento),  que  entenderá  a  ação  cultural  como  ferramenta  de  inserção  social  e  diminuição  dos  níveis  de   desigualdade  social.  Esta  talvez  seja  a  face  mais  controversa  deste  processo,  também  assimilada  pela  gestão  de   Gil   em   alguma   medida.   Todo   o   investimento   nos   processos   de   ação   cultural   destas   agências   é   feito   tendo   em   vista  que  as  ações  beneficiem  as  localidades  no  sentido  de  promover  processos  de  pacificação  ou  diminuição  dos   conflitos   sociais,   para   garantir   investimentos   posteriores.   Domenech   (2007)   indica   esta   como   uma   forma   de   humanizar  o  liberalismo  e  as  contradições  das  políticas  neoliberais  e  guarda  os  limites  das  políticas  de  inserção   (CASTEL,  1997,  1998)".  

78   Como   exemplo,   cito:   (...)   as   formas   de   expressão;   os   modos   de   criar,   fazer   e   viver;   as   criações   científicas,   artísticas   e   tecnológicas;   as   obras,   objetos,   documentos,   edificações   e   demais   espaços   destinados   às   manifestações   artístico-­‐   culturais;   os   conjuntos   urbanos   e   sítios   de   valor   histórico,   paisagístico,   artístico,   arqueológico,   paleontológico,   ecológico   e   científico.   [e   se   obriga   a   proteger]   (...)   as   manifestações   das   culturas   populares,  indígenas  e  afro-­‐brasileiras,  e  das  de  outros  grupos  participantes  do  processo  civilizatório  nacional   (BRASIL,  1988:  Art.  216).  

O MinC, no período de 2003 a 2010, a partir das proposições dos Ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira buscam desenvolver programas que enfatizem a

democracia79, o direito e a diversidade cultural. A democracia cultural se opõe à ideia

de democratização cultural, entendida como um processo de popularização do acesso às artes eruditas. A democracia cultural "não discute somente a questão da ampliação de

público, mas principalmente quem controla os mecanismos de produção cultural"

(COELHO:2012, p.163). Já os direitos culturais são um desdobramento dos Direitos Humanos, que implicam, "basicamente, no direito à fruição da vida e produtos culturais,

de usufruir dos benefícios do progresso da ciência e da técnica e o direito autoral"

(op.cit: p.172). A diversidade é um valor estrutural para o MinC: "a diversidade refletida

em política pública republicana com a estética do caldeirão brasileiro em permanente fervura de trocas e reinvenções" (FERREIRA in FONTELES: 2010, p.17, grifo meu).

A democracia, o direito e a diversidade são as apostas do MinC para criar uma

alternativa à política cultural exercida nas gestões de Fernando Henrique Cardoso e seus

antecessores80, como pode-se perceber na declaração de Juca Ferreira:

Deslocando o MinC da posição marginal a que foi relegado em governos anteriores e ao colocar em prática a robusta – e necessariamente transversal - ação de inclusão social ora em curso, o Governo Lula optou por reconhecer a centralidade da cultura no impulso de um desenvolvimento sustentável e, em especial, a importância da cultura. Ao tomar posse, o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, anunciou que haveria – como, de fato, houve – genuína transformação e ampliação do conceito de cultura nas ações de fomento e reconhecimento do Estado brasileiro. O intenso processo de redemocratização do País exigiu o abandono de histórica visão elitizada e concentradora. Visão que desembocava numa política cultural voltada para manifestações consagradas - atividades de pequena parcela da população. Ao formular programas inéditos, como o Cultura Viva, passou-se a incluir a diversidade cultural brasileira no escopo das ações de fomento, incluindo o complexo índio e o negro-mestiço e envolvendo todas as linguagens e formações (FERREIRA in: BRASIL:2004,p.10-11).

Sobre a importância da diversidade cultural para o MinC, Juca Ferreira afirma: Precisávamos ir ao encontro da diversidade cultural brasileira, enfim. Sabíamos que toda forma de cultura vale a pena. Estamos convencidos de que nossa grande contribuição para um mundo globalizado é a nossa diversidade cultural.

79   LACERDA   (2010)   faz   um   estudo   no   qual   recupera   parte   do   histórico   dos   paradigmas   da   democratização   e  

democracia  cultural,  mostrando  como  eles  operaram  no  Ministério  de  Cultura  da  França  nas  décadas  de  1950  e   1970,   respectivamente.   Ela   também   associa   as   políticas   desenvolvidas   pelo   MinC   a   partir   de   2003   com   a  

democracia  cultural.  A  referência  deste  artigo  encontra-­‐se  na  bibliografia  ao  final  desta  tese.  

80  Sobre  a  gestão  da  política  cultura  no  governo  FHC  e  antecessores  sugiro  a  leitura  de  RUBIM,  Antonio  Albino   Canelas.  Políticas  culturais  no  Brasil:  tristes  tradições,  enormes  desafios.  Salvador:EdUFBA,  2007.  

Ativo econômico de valor incalculável. Aliás, nossa singularidade é mesmo nossa pluralidade. Demonstração de interação de muitas culturas (FERREIRA in: ALMEIDA et alii:2013, p.76, grifo meu).

O discurso da diversidade, assim como o do direito e da democracia cultural, sinalizam que essas categorias necessitam ser apropriadas pelo conjunto da sociedade brasileira: é o que falta, uma ausência. Existe reconhecimento, por parte do Estado e de grupos específicos, da diversidade como um valor, vários segmentos lutam pelo direito à diferença, mas a visão hegemônica ainda valoriza o branco em detrimento do indígena, negro ou povos tradicionais, a questão de gênero e de opção sexual apontam para o machismo e o homofobia, o nosso famoso sincretismo disputa com o fundamentalismo de alguns segmentos religiosos mais tradicionais, em particular os evangélicos. Da mesma forma, o controle da produção e do acesso cultural ainda se mantém restrito aos mesmos territórios e subjetividades.

O discurso da diversidade que predomina no MinC muitas vezes é minado em outras esferas do governo e no Congresso Nacional. A coligação partidária que permitiu vencer as eleições, fragmenta o Estado e não é incomum pautas totalmente divergentes e excludentes serem defendidas simultanemente no governo, em diferentes ministérios. Este aspecto esquizofrênico da política mostra que a disputa de valores se dá entre as diferentes posições-sujeito do governo, se estende também aos estados e municípios e polariza parte da sociedade. O MinC inicia uma disputa por valores e por espaços de argumentação que dará possibilidade a abertura para a polifonia na política e isso explica, ao menos parcialmente, porque as conquistas serão tão celebradas em textos-manifestos, em imagens visuais e textuais que mostram que nessa gestão o espaço de argumentação e, portanto, o poder está direcionado para grupos e territórios marcados pela exclusão: pobres, jovens, periferia, rural, negros, índios, povos e comunidades tradicionais, LGBT.

O Ministro Gilberto Gil (GIL in ALMEIDA et alii:2013, p.23) pauta a diversidade também para a gestão onde o espaço público é a arena em que se constrói a agenda de governo. Os limites da esfera pública são mais fluidos, se deslocam muito rapidamente porque os sujeitos são muitos e diversos, ocupam várias posições argumentativas na cena política. Segundo ele, a cultura hoje é dada pelo "conjunto de subjetividades em

rapidamente o Cultura Viva vai se apropriar e, a partir dela, criar suas próprias referências.

A abordagem do MinC nessas questões busca fortalecer as políticas culturais em três dimensões: a simbólica, a cidadã e a econômica.

Inicialmente, a cultura em sua dimensão simbólica. A arte e a cultura intimamente conectadas com a interpretação que fazemos do mundo. Afinal, é no campo da cultura que se qualificam as relações sociais. É ela quem “dá liga” à cidadania. É através dela que nos identificamos como partes de uma mesma nação. (...)

Depois, a dimensão cidadã. A cultura como fator de inserção social, como um direito fundamental, como uma necessidade humana básica, essencial, tão importante quanto a alimentação, a moradia, a educação e a saúde. Algo sem o qual o ser humano não se realiza.

E, por fim, a cultura como matéria prima de um dos processos mais dinâmicos da economia, sua dimensão econômica, algo em franca expansão em todo o planeta e já, hoje em dia, responsável por uma parcela considerável de nosso PIB, superando em muito vários setores tradicionalmente dinâmicos do mundo dos negócios (FERREIRA in BARROSO: 2010,p. 265-278; BRASIL:2010b).

Vilutis (2011), sustenta que os pontos de cultura igualmente articulam as três dimensões da cultura - simbólica, cidadã e econômica - "ao conectar múltiplas

representações do sentir, do fazer, do saber e do pensar com o tecido social e produtivo de comunidades" (p.05) e que induzem ações de fomento e inclusão produtiva, mesmo

não havendo, por parte do MinC, uma política específica para estas ações.

Numa perspectiva cidadã, essa ação cultural contribui para ampliar o espaço público da cultura e fomentar o exercício do direito à cultura em diversos contextos e junto a populações variadas. Além de ampliar a infra-estrutura cultural do país, os pontos de cultura constituídos enquanto empreendimentos econômicos e solidários integram redes, sistemas e arranjos produtivos no setor cultural (VILUTIS:2001, p.05).

Segundo esta autora, a dimensão cidadã da cultura foi pensada dentro da perspectiva de superação da exclusão social, eliminação das desigualdades e discriminações, a partir do reforço da autoestima e da apropriação do sentimento de pertencimento junto a comunidades. Aspectos relacionados à produção, ao consumo, à distribuição e ao emprego do setor cultural compuseram os discursos do MinC a respeito da dimensão econômica da cultura.

O MinC, seguindo esta tendência, buscou se posicionar de modo a priorizar segmentos até então secundários ou mesmo irrelevantes para a política. O PCV é uma resposta ao desejo do Ministro Gilberto Gil em desenvolver políticas públicas para as periferias e o interior do Brasil. Predecessor do PCV, o projeto das Bases de Apoio à

Cultura (BAC), previa um investimento inicial na construção de equipamentos culturais, enquanto o Cultura Viva privilegia equipamentos culturais já existentes. Ambos visavam incentivar o direito e o acesso à cultura em regiões periféricas e no interior do país. O projeto das BACs - Refavela - seria um vasto programa de apoio às iniciativas culturais de comunidades de periferia e do interior do país com a construção inicial de 50 BACs. Gil, em 2003, ao falar do Refavela, aponta as diretrizes do que virá a ser o desenho do Programa Cultura Viva:

É um projeto que irá ao encontro da criatividade popular não apenas levar apoio institucional e técnico, oferecendo aos grupos locais condições reais de expressão, desenvolvimento dos talentos e métodos modernos de comunicação, mas sobretudo a troca de informações e experiências que permitirão livrá- los do anonimato e dos guetos a que estão confinados (GIL in: ALMEIDA et alii:2013, p. 255, grifo meu).

A ideia inicial do MinC era desenvolver "a construção de equipamentos culturais

pré-moldados, em periferias de grandes cidades e favelas, as BACs " (TURINO: 2009, p.

80). Turino propõe deslocar os recursos da construção de novos equipamentos para o apoio à estruturas pré-existentes:

Antes de oferecer estruturas estáticas, buscamos fortalecer o fluxo, o pulsante, a vida. Deixamos de lado as ideias de estruturas pré-moldadas e formas prontas que, apesar de vistosas (e caras) só resultam na adaptação da realidade às estruturas artificiais. Nosso caminho foi o inverso, a estrutura é que tem que se adaptar à vida, olhamos para o fluxo da vida, por isso potencializar o que já existe (TURINO in BRASIL:2006, grifo meu).

Há uma narrativa alternativa, também produzida no âmbito do discurso institucional, que indica que mesmo estruturas estáticas podem ser ressignificadas e

adaptadas à vida, se houver motivação. Esta narrativa objetiva contar como a Cultura

Digital chega ao MinC - em 2003 -, mas dá também elementos novos à discussão sobre as BACs.

De uma maneira informal, a sociedade civil apropriou-se do projeto das BACs e o reescreveu. A princípio, o objetivo das BACs era muito mais voltado à divulgação cultural: "levar cultura para a periferia". A atuação dos articuladores inverteu essa lógica: cada ponta seria um elo produtor de cultura e mídia, em vez de mera audiência. Todo esse processo de reestruturação aconteceu sem um planejamento central. Nem mesmo havia critérios ou autoridades definindo quem eram as pessoas que poderiam participar. A lista de discussão e o wiki possibilitaram que qualquer pessoa que ouvisse sobre o projeto pudesse entrar e participar. O grupo tornou-se uma mistura de pessoas que pouco ou nunca se encontravam pessoalmente, e mesmo nessa dinâmica caótica a produção era intensa, baseada em princípios

de igualdade de voz e ampla liberdade de opinião. Muitas pessoas que fizeram parte desse grupo já tinham um histórico em outros movimentos, coletivos e projetos relacionados a mídia, arte, tecnologia e afins. Nesse sentido, a idéia de um ciclo aberto e continuado de inovação coletiva não criava tanto conflito. (...) Todo o trabalho no wiki e na lista, após algum tempo, gerou duas grandes propostas chamadas BACs (as Bases de Apoio à Cultura em si) e BIC (Brasil, Índia, China). As BACs seriam grandes centros de produção, distribuição e exibição de conhecimento livre e formação de teóricos dentro de uma uma perspectiva de produção que era coletiva e horizontal. BIC era a estratégia para integrar tecnologia e produção numa cooperação sul-sul, tentando criar uma aproximação entre economias emergentes como uma tentativa de consolidar uma nova ordem contra o modelo de info-política estabelecida. Ironicamente, esses projetos seriam sustentados pelo governo de um país conhecido por sua corrupção e ineficiência endêmicas. (...) Ao contrário do que se possa imaginar, esses projetos nunca chegaram a ser executados. Os projetos chegaram a ser enviados ao Ministério, mas os políticos por trás das decisões simplesmente ignoraram o resultado de todo aquele trabalho coletivo. (...) Mas toda aquela energia que resultou nos projetos das BACs e BIC continuava no ar. As pessoas que ajudaram a construir a idéia queriam vê-la executada. Logo, outro projeto tomou o lugar do projeto das BACs dentro do Ministério da Cultura. Uma nova idéia, pela qual se poderia alcançar todos os cantos longínquos do país. Uma rede descentralizada de produtores culturais intercambiando experiências sobre os mais diversos contextos culturais do Brasil. Esse novo projeto foi denominado Pontos de Cultura (em alusão ao "do- in antropológico" que Gil defendia) e, dessa vez, os políticos por trás da proposta entraram em contato com as pessoas que haviam trabalhado nos projetos das BACs (BRASIL:2009a, p.22-3, grifo meu).

Na perspectiva discursiva, o sujeito não tem acesso ao real (ou a verdade), há narrativas de diferentes posições-sujeito que disputam versões e uma prevalece e vira