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UNIVERSIDADE NACIONAL DE COMAHUE

TÍTULO FUNDAMENTOS TEÓRICOS

4.2. Discussões curriculares e controvérsias teórico-metodológicas e políticas

Este novo cenário no processo de formação possibilitou a associação e articulação de docentes e cátedras com os interesses, necessidades e lutas da classe trabalhadora, ao compreenderem que a crise generalizada deixa exposta as expressões mais dramáticas do capitalismo e suas conseqüências sobre o conjunto dos trabalhadores. Têm sido estas as condições históricas que determinaram a inserção dos docentes no circuito dos debates teóricos e políticos, porque o que está na raiz da formação profissional são tendências de projetos políticos profissionais antagônicos, expressão de projetos políticos e sociais (de classe) da Argentina.

4.2. Discussões curriculares e controvérsias teórico-metodológicas e

políticas

A discussão curricular compõe a agenda dos organismos educativos e financeiros internacionais já que especialistas, políticos e empresários da educação compreendem como anacrônico o estado contemporâneo dos currículos e suas práticas e, portanto, apresentam como necessária sua substituição por saberes e competências. Sidnei Macedo (2011) diz que “as práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência político- pedagógica, bem como, a necessidade do argumento competente sobre o instituído e o instituinte desse campo não mais legitimam reduções, pulverizações e concepções acríticas” (MACEDO, 2011, p.14). Se os currículos constituem matrizes teórico-práticas da educação como expressão político-social dos projetos pedagógicos da sociedade, o currículo, no quadro

polissêmico de discussões e de equívocos, é uma “tradição inventada”, e “ele é mercado, é tudo ou nada” (GOODSON, 1998, apud SIDNEI MACEDO, 2011, p.24/18).

A partir dessa compreensão procuramos analisar as concepções e idéias expressas nas discussões e posicionamentos teóricos e políticos que estão subjacentes à formulação das diretrizes curriculares. As principais tendências que encontramos na elaboração das mesmas são as de que o currículo, bem como as idéias teóricas que sustentam as disciplinas do currículo têm se tornado um dispositivo de segregação, controle e/ou disciplinamento (regulamentação, disciplina, regra) política na prática docente – pedagógica; especialmente, porque avaliar os currículos e o ensino dos saberes faz parte de uma estratégia da política mercantilista da educação e do Estado. Na medida em que se aprofundam as crises sociais, as idéias curriculares também mostram sua fragilidade, do ponto de vista das argumentações e da fragmentação do conhecimento.

Na Argentina, no período de 2000 a 2010, as Ciências Sociais apresentam o movimento de reaparecer, especialmente com a criação do “Conselho de Decanos das Faculdades de Ciências Sociais e Humanas” do Ministério de Ciência, tecnologia e Inovação Produtiva e os investimentos de apoio às Ciências Sociais (PROSOC, etc.). Os fundamentos desse organismo são “a vacância do conhecimento gerado no marco de relativo abandono, por parte das Ciências Sociais, em torno de estudos de perspectiva estrutural substituídos por estudos micros e incapacidade de dar conta de tendências sociais de escala global”271. Por isso criou-se o Programa de Pesquisa sobre a Sociedade Argentina Contemporânea (PISAC), que visa à expansão de abordagens de pesquisa, tendo em conta que “no nível internacional não existem paradigmas únicos ou grandes teorias”.

Evidencia-se uma estratégia e iniciativas do Estado para desenvolver e fortalecer o campo das Ciências Sociais no país e inserir as profissões das Ciências Sociais no processo de formulação de critérios de avaliação das ciências sociais e humanas – como afirma a Declaração do Conselho de Decanos- para hierarquizar a pesquisa cientifica com impacto social272.

Neste contexto, as diretrizes da SPU vêm incidindo e pressiona para mudar os currículos, o que deu lugar a reanimação dos debates curriculares da profissão de Trabalho

271 Disponível: http://pisac.fahce.unlp.edu.ar/fundamentos (Acesso em: 3 Jul. 2013)

Social e situa – talvez de forma mais aguda- as controvérsias teórico-metodológicas e políticas que sustentam as questões curriculares e sua articulação com as Ciências Sociais. As modificações dos currículos profissionais já realizadas sinalizam para a negação do pensamento universal e da totalidade, para o distanciamento histórico da relação teoria e prática e para a fragmentação da prática pedagógica docente. O ajuste de denominação das disciplinas não significa uma mudança substantiva, do ponto de vista dos seus conteúdos, uma vez que boa parte dos docentes mantém formas tradicionais pedagógicas e assumem perspectivas teóricas e posicionamentos em consonância com as políticas educacionais dominantes.

No processo de formação universitária a profissão de Trabalho Social também engendra contradições no sentido de problematizar as perspectivas vigentes. Os eixos em torno dos quais essas perspectivas são confrontadas referem-se à relação entre história, teoria e método, a produção e a reprodução das relações sociais, a organização social do metabolismo capitalista, os antagonismos das classes sociais, a penetração burguesa das idéias dominantes, a intervenção do Estado na vida cotidiana e o papel que ocupa a profissão nesse processo histórico. Como analisamos no capitulo I, a subordinação da educação e o ensino superior da sociedade capitalista à divisão social de trabalho e à política do Estado burguês se desenvolveram historicamente no processo de diferenciação social, participando a educação e sua intrínseca relação com a divisão social de trabalho como causadora de unilateralidade.

Dialogamos então, com a produção teórica das teses dos professores argentinos Gustavo Parra (1999) e Gustavo Repetti (2013), pela análise teórica em relação ao caráter “anti - moderno” de Trabalho Social e os impactos do peronismo na formação. Estes autores aportam no exame de desvendar as controvérsias teórico-metodológicas e políticas e sua expressão no âmbito da formação profissional. Parra (1999) afirma que “a emergência e institucionalização do Trabalho Social se opõe radicalmente ao projeto da modernidade” (pag. 94), porque sua sustentação emerge do conservadorismo do capitalismo monopólico. Mas, na Argentina, essa caracterização,

“surge da matriz do racionalismo higienista como uma das formas de enfrentamento à “questão social” marcado pelo predomínio do pensamento conservador reformista, dirigido ao disciplinamento da força de trabalho, o controle social, a normatização da vida cotidiana dos setores populares, a manutenção da ordem social, a justificação dos antagonismos e desigualdades, a imposição de um modo capitalista de ser e de pensar e a

aceitação passiva das situações de miséria e exploração. Negando desta forma com sua atividade, as possibilidades de emancipação do projeto da modernidade; sua intervenção não privilegiou a ampliação dos direitos sociais senão legitimou o padrão existente das relações sociais” (PARRA, 1999, pag. 242). Tradução nossa.

Este autor coloca os fundamentos ideológicos e teóricos da profissão na controvérsia da modernidade e anti – modernidade. Segundo Repetti (2013), ao analisar o “peronismo original” e seus impactos na formação profissional, considera que a “explicação peronista da realidade constitui uma expressão particular da chamada –nos estudos lukacsianos-

decadência ideológica da burguesia e na proposta peronista identifica traços nitidamente anti-

intelectuais” (pag. 17). O mesmo autor explica que isso significa “desprezo pela elaboração e explicação teórica da realidade, onde a análise teórica é substituída pela interpretação e justificação ideológica da realidade” (idem, pag. 17), porque “o sujeito do projeto peronista é sempre o capital” (pag. 98). O autor evidenciou na sua pesquisa a predominância anti - teórica pela disputa político-ideológica antes do que teórico-metodológica no campo da formação profissional dos Trabalhadores Sociais.

Concordamos, então, que a formação profissional de Trabalho Social contém na sua gênese os traços conservadores e anti - teóricos determinados pelas conjunturas sócio- históricas e a influência dos partidos da classe burguesa da Argentina, especialmente do peronismo, com “pontos de encontro entre os fundamentos históricos e ídeo-políticos do Serviço Social e os da doutrina peronista”273

(REPETTI, 2013, pag. 183). E isso é aprofundado na ditadura e na época de crise do capitalismo onde as contrarreformas e as diretrizes dos organismos financeiros mundiais imprimiram ao ensino profissional a reposição (neo) conservadora e pós-moderna dos conteúdos.

Neste sentido, nossa análise marxista em relação à centralidade dos antagonismos das classes sociais, do trabalho, das contradições sócio-políticas e das condições de produção e reprodução da vida material, social e política da classe trabalhadora resultam implacáveis na profissão para os setores docentes antimarxistas da formação, ao intensificar o isolamento do individuo do contexto social contraditório e suas relações sociais e que o marxismo não se aplica à realidade.

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O mesmo autor, Gustavo Repetti, explica que pela existência de “uma conexão constitutiva não seria necessária uma intervenção ou disputa na formação acadêmica de uma profissão cujos princípios já se encaixariam nos princípios do regime peronista” (2013, p. 183)

Por isso, particularmente, na formação profissional de Comahue, as discussões curriculares suscitadas há, pelo menos 25 anos, por fora das condições materiais e sociais, se centraram em sistematizações das disciplinas, - como já apontamos neste trabalho- adotando como núcleo destes debates as estratégias pedagógicas de moralização. Os diversos acompanhamentos a essas discussões - tanto por parte de Teresa Matus, do Chile como Maria Maglione, de Comahue - contribuíram para desenvolver uma análise parcial dos blocos do Plano de Estudos procurando definir a “especificidade” da profissão na formação. Posteriormente tiveram lugar numerosas reuniões em torno dos conhecimentos, aprendizados e dificuldades dos estudantes. Estes aspectos dos estudantes constituíram a temática de capacitação dos professores com a Dra. Marta Souto274 da UBA.

O Centro de Estudantes de Trabalho Social e o CPSSNQN ao receberem os documentos do pré-projeto curricular por parte da Direção Departamental manifestaram posicionamentos críticos a essa produção curricular. Nestas polêmicas, o reducionismo a questões procedimentais e das atitudes dos estudantes revelaram o atraso teórico e prático da formação e a intensificação da polarização acadêmica, em um processo de desrespeito e agressões aos estudantes por parte de professores nos âmbitos das aulas, das supervisões e dos exames, isto reflete a ausência de argumentações teóricas e de debates diretos dos docentes e estudantes.

As iniciativas de incorporação de textos críticos inspirados no marxismo e experiências vinculadas com as organizações sociais e interesses da classe trabalhadora exacerbaram essa polarização acadêmica e, neste sentido, as discussões curriculares traduzem os fundamentos teórico–metodológicos em curso, mas são especialmente fundamentos de posicionamentos políticos. Portanto, na realidade, o que está em causa nesse movimento é a disputa dos denominados paradigmas epistemológicos por uma parte e as interlocuções profissionais com a „perspectiva crítica e histórica‟- a teoria marxista- por outra. Nossa crítica de desvendar essas contradições implica na discussão entre as correntes do pós-modernismo e o marxismo, porque o pós-modernismo na profissão aparece como uma reposição teórica, de política (neo) conservadora e caráter antimarxista.

4.3. As condições sociais e materiais do trabalho docente, da organização