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Discussões Primeiro tempo (1º jogo)

No documento Braulio da Silva Machado (páginas 135-142)

3 PRIMEIRO JOGO DA FINAL DA LNF 2019: PATO FUTSAL X MAGNUS FUTSAL

3.2 PRIMEIRO TEMPO (1º JOGO)

3.2.16 Discussões Primeiro tempo (1º jogo)

O primeiro tempo da partida evidenciou a importância de abordagens que considerem a totalidade do jogo de Futsal como suporte à compreensão da complexidade que envolve a modalidade. Seja sob a luz da constituição de cenários esportivos apresentados midiaticamente a um público heterogêneo ou na perspectiva de processos de ensino e treinamento esportivo, a consideração de aspectos relacionais entre conteúdos diversos é fundamental na contextualização dos elementos que compõem a materialidade do jogo.

A necessária centralidade que envolve a interdependência de elementos individuais, coletivos, distintos e contrários ganha relevo em detrimento da formalização de conceitos atribuídos a partir de referências externas, superficiais, contraditórias e que desconsideram as lógicas internas de produção que estabelecem as dinâmicas de jogo da modalidade.

A sombra de variáveis estranhas ao jogo de Futsal e oriundas de lógicas de produção distintas daquilo que envolve diretamente o sistema esportivo prejudica o entendimento do que realmente se constitui em quadra. A simplificação de conteúdos esportivos apresentados e discutidos em uma perspectiva reduzida, parcial e hierarquizada não permite a compreensão de que o jogo se estabelece processualmente no tempo, no espaço, de forma sempre inédita e na perspectiva relacional entre os diferentes conteúdos de ataque e defesa.

A prescrição de acontecimentos, neste sentido, constitui um terreno estéril para qualquer área profissional que se debruce sobre a descrição e análise de uma partida

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de Futsal. Assim como no caso de um algoritmo de previsão qualquer, a base de consulta tem referência em dados produzidos a partir de eventos materializados no passado, o que restringe as possíveis antecipações a eventos já conhecidos, que forçosamente desconsideram a dialogicidade dos conteúdos constitutivos do jogo.

Por este motivo o caráter finito e ilimitado, apontado por Rolnik (1989) e constituinte da obra de Schmitz Filho (2005) para uma cartografia de cenários esportivos produzidos na mídia, permite um processo de descrição e análise abrangente dos fatos esportivos, na medida em que se distingue por não descartar previamente nenhum elemento da observação e ao mesmo tempo admitir a possibilidade de apreensão sempre renovada das imbricações que oferecem materialidade permanentemente inéditas ao jogo.

Os diferentes recortes extraídos da transcrição deste primeiro tempo caracterizam tanto a impossibilidade de antecipação de fatos imaginados de forma isolada, quanto a necessidade de se considerar a acumulação do conjunto dos acontecimentos ao longo da partida para se compreender os movimentos pelos quais determinadas ocorrências se efetivaram de uma forma e não de outra.

A primeira apreciação jornalística descrita e analisada no texto dissertativo já oferece pistas para este entendimento, na medida em que durante o período pré-jogo do evento o comentarista da partida havia destacado na equipe do Pato Futsal uma predileção por um jogo sustentado no equilíbrio entre ataque e defesa construído a partir da projeção do contra-ataque como elemento central.

Esta preferência, identificada por Marcelo Rodrigues, passou, logo nos primeiros instantes de jogo, do estado de referência ao comentário de abertura do evento à condição de elemento de jogo a ser desconsiderado para a continuidade da atuação da equipe. Por conta de pequenos desajustes inicialmente apresentados no sistema defensivo, o profissional advogou em sua primeira intervenção que a equipe do Pato Futsal esquecesse a transição.

A fragilidade do comentário, além de ser denunciada pela ausência da contextualização necessária ao entendimento do significado atribuído ao termo transição, equivalente na apreciação ao jogo de contra-ataque, soma elementos de incoerência e contradição que se acentuam pela força da afirmação categórica em tão breve período de jogo e, sobretudo, no que diz respeito ao que vinha sendo apresentado ao público desde o início da transmissão.

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Logo em seguida, na esteira do que havia sustentado parte do argumento utilizado para defender o abandono dos contra-ataques como estratégia norteadora do comportamento tático da equipe do Pato Futsal, qual seja, a utilização do jogador Chimba como referência a um jogo alicerçado na manutenção da posse de bola, foi possível verificar as noções de jogo apresentadas pelo comentarista, ao mesmo tempo, corroboradas e invalidadas.

O atleta realmente assumiu papel central na reorganização da equipe, revelando capacidade ampliada de atuação para diferentes contextos de jogo. Influenciou diretamente, a partir de sua atuação defensiva individual, o plano coletivo do Pato Futsal, o que oferece uma referência importante a compreensão do jogo e atesta o acerto do comentarista ao identificar, em sua primeira apreciação, a necessidade de ajuste defensivo como elemento de equilíbrio entre as equipes na partida.

Entretanto, a expectativa de Marcelo Rodrigues, a respeito de Chimba, considerava suas qualidades ofensivas como potenciais condutoras do comportamento tático apontado como ideal para a equipe. Outrossim, a consequência do ajuste defensivo como forma de limitar as ações de ataque do Magnus Futsal repousou na imediata condição para a afirmação da estratégia inicial da equipe do Pato Futsal em detrimento da manutenção da posse de bola, apontada como nova meta a ser perseguida.

A confirmação da impossibilidade de desconsiderar o encadeamento sucessivo de ações de jogo para elaborar avaliações fiéis ao contexto real do que se estabelece em quadra é denunciada pela sequência de comentários que, iniciados com a negação da estratégia de jogo do Pato Futsal em nome de outra orientada por elementos prioritariamente ofensivos, redundou na observação final de que os ajustes indicados como necessários à implementação do que a apreciação jornalística prescrevia como ideal resultaram na consolidação do comportamento tático original.

A terceira apreciação recortada para o texto evidenciou, ainda, a relação entre o ataque de uma equipe e a defesa de outra na produção das diferentes ações de jogo e de seus desdobramentos, formalizados na apreensão dos movimentos observados e apresentados ao público em tempo real e nem sempre suficientemente interpretados.

Os primeiros engendramentos estabelecidos na relação entre ataque e defesa de ambas as equipes, sob a forma de realidade concreta imposta pela ação dos atletas

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em quadra, serviram à confirmação de agendamentos realizados desde o início da transmissão do evento e ao reforço de sentidos que asseguraram validação de tendência, inicialmente rejeitada, pelo comentarista da partida.

A manifestação do atributo jornalístico identificado por Schmitz Filho (1999) como a pretensão de unanimidade presente em apreciações jornalísticas acerca de conteúdos esportivos foi confirmada pelas descrições e análises dos primeiros 5 (cinco) minutos de jogo e, ao mesmo tempo, descaracterizada pelas formas distintas de atuação das duas equipes.

A evidência de outros aspectos relacionais entre conteúdos de ataque e defesa, importantes à compreensão do jogo de Futsal, aparece, ainda timidamente, na importante discussão levantada por Marcelo Rodrigues a respeito da influência do número elevado de faltas para a continuação do primeiro tempo da partida. A observação oferece pistas para reflexões que podem ser aprofundadas e ramificadas na direção de estratégias de organização defensiva e ofensiva que precisam ser ajustadas com referência no número de faltas cometidas.

A primeira apreciação jornalística relativa à caracterização específica de uma função de jogo aparece na discussão iniciada pelo narrador da partida a respeito do que ele identifica como um “pivô raiz”. No entanto, a referência utilizada para a contextualização da temática não ultrapassou o limite de atributos midiáticos como a falação, a fabulação esportiva, a tradição e os dogmas ligados a referências do passado, revitalizando, mais uma vez, apontamentos presentes na obra de Schmitz Filho (1999).

O quadro descrito acabou salientando apenas a dificuldade de apresentação ao público, tanto da função de pivô para o jogo de Futsal e da ampliação histórica das demandas de atuação para os jogadores da posição, quanto das implicações diretas sobre aspectos de ataque e defesa nos enfrentamentos entre adversários e na relação interdependente entre os dois pólos na organização interna de cada equipe.

No caso do primeiro tempo técnico da partida, solicitado pelo Pato Futsal, a importância das discussões protagonizadas por treinador e atletas escapou por completo à percepção dos profissionais responsáveis por apresentar ao público o significado de cada tópico levantado durante o breve intervalo. A potencial repercussão que qualquer reflexão acerca dos diferentes temas debatidos entre os integrantes da equipe, bem como seus desdobramentos, ofereceria à compreensão do jogo é imponderável, dada a relevância e complexidade de cada item.

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Questões que envolviam a pertinência da utilização do goleiro linha, sugerida pelo treinador no intuito de minimizar a pressão adversária, por conta do momento em que o jogo se encontrava, bem como a aposta e argumentação dos jogadores em defesa da manutenção do comportamento logrado até o momento e questões relativas ao pé dominante dos atletas em quadra, só puderam ser verificadas logo em seguida, com a entrada de um jogador canhoto na partida, o que condicionou a efetivação da estratégia de jogo de forma fiel ao que aparentemente havia sido treinado.

A concretização de ocorrências materializadas com base nas relações entre conteúdos esportivos, a priori, contrários, como no caso do ataque e da defesa, revela a importância do tratamento das informações oriundas dos sucessivos lances de jogo a partir de perspectivas abrangentes que revelem a contiguidade de encadeamentos que dão forma ao Futsal e condição às percepções do que acontece em quadra, ainda que a interpretação oferecida ao público seja superficial.

Este é o caso da sequência de discussões iniciada, por treinador e atletas, no pedido de tempo do Pato Futsal, seguida do comentário de Marcelo Rodrigues a respeito do acionamento do goleiro, por companheiro canhoto, como jogador de linha e finalizada após a sucessão de ações que culminaram no lance em que a equipe do Magnus Futsal superou o jogo de goleiro linha adversário através da restrição dos espaços e da consequente interceptação de um passe que quase redundou na marcação de um gol.

Tanto a decisão, tomada em conjunto pela equipe do Pato Futsal, de não apostar no jogo de goleiro linha, para desarticular a pressão exercida pela defesa adversária enquanto o time não contasse com pelo menos um jogador canhoto em quadra, quanto a adaptação, por parte da equipe do Magnus Futsal, à inferioridade numérica imposta pela participação posterior de um quinto jogador no ataque rival, são exemplos elementares e, ao mesmo tempo, significativos da ubiquidade e interferência recíproca de aspectos oriundos de polos distintos na constituição do jogo. A influência de ações individuais no contexto coletivo de jogo e a retroação do todo sobre as partes também constitui amostra de elemento que escapou às apreciações jornalísticas formuladas a partir da participação do goleiro linha pela equipe do Pato Futsal. Neste mesmo contexto, a tradução oferecida ao público, pelo comentarista da partida, a respeito do que o treinador do Magnus Futsal havia solicitado aos atletas durante o tempo técnico da equipe, limitou a possibilidade de percepção da realidade.

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Entre outras coisas, as demandas apresentadas aos jogadores envolviam alterações sensíveis às estratégias para o jogo com posse de bola, a partir do posicionamento inicial de 01 (um) atleta, em situações de saída da zona de armação para a zona de finalização das jogadas. As alterações propostas carregavam o potencial de repercutir no comportamento defensivo adversário, através da imposição de adaptações em busca do reequilíbrio entre ataque e defesa de ambas as equipes. Ao público, foi apresentada uma versão pautada por informações inexistentes na intervenção do treinador do Magnus Futsal. Enquanto o treinador solicitou uma variação entre um jogo com referência na profundidade para outro organizado a partir da amplitude posicional dos atletas, seguido de uma seletividade mais acurada para a escolha dos momentos e das zonas de finalização das jogadas, bem como um cuidado maior com os retornos e coberturas defensivas, o comentarista da partida resumiu o conjunto de informações a uma demanda por mais posse de bola, maior velocidade nas movimentações dos jogadores e pela adoção de uma defesa por zona. O primeiro gol marcado na partida também foi objeto de apreciação característica das lógicas de produção do jornalismo esportivo, identificadas por Schmitz Filho (1999). Além disso, o recorte da transcrição, acrescido da materialidade dos fatos ocorridos, oferece uma amostra potencialmente válida para a aplicação de conceitos apresentados por Freire e Guimarães (2013) e Kaplún (2002) para a ressignificação de conteúdos que ofereçam significado em contextos de ensino esportivo.

Existem, ainda, elementos estruturais à composição de roteiros, adaptados de Comparato (1995), que sustentam uma ideia geral norteada pela compreensão de jogo, com base no conflito entre ataque e defesa e considerando seus desdobramentos como elemento central do que seria a ação dramática na obra do autor. Além disso, o processo que condicionou os acontecimentos, equivalente ao tempo dramático, revelou uma personagem (goleiro reserva do Pato Futsal) principal improvável e reveladora de outras referências importantes aos procedimentos de descrição e análise de cenários esportivos produzidos pela mídia.

O gol teve origem na marcação de uma falta, pela equipe do Magnus Futsal, que deu direito à cobrança de um tiro livre direto sem barreira para a equipe do Pato Futsal. O entrelaçamento de relações entre o ataque de uma equipe e a defesa da outra, que resultou no lance derradeiro e ofereceu a chance de um goleiro reserva marcar um gol, desorganizou a estrutura constituída desde o início da transmissão

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através dos movimentos de agendamento e produção de sentidos, reverberando no socorro oferecido pela referência em Foucault (1997) às práticas jornalísticas identificadas na obra de Schmitz Filho (2005) pela orientação de Soethe (2003) e Verón (1980).

Sem demora, tanto Kaufmann (2010), que se debruçou sobre a descrição e análise de apreciações acerca de conteúdos de ataque no contexto do jornalismo esportivo, quanto Santos (2010), que realizou o mesmo movimento a partir de conteúdos de defesa, aparecem junto de Machado (2012), como auxílio ao entendimento do tratamento dispensado pela equipe de transmissão ao jogador Jhow, fixo e artilheiro da equipe do Pato Futsal na competição, despercebido por não possuir atributos que possam oferecer o necessário caráter sensacional à crítica jornalística.

A acumulação de atos táticos ao longo da partida como elemento central à interpretação e entendimento singular de cada jogo de Futsal se revela quase ao fim do primeiro tempo, na materialização do jogo arrastado em ato, agendado, pelo comentarista da partida, como possibilidade no início da transmissão e concretizado da única forma possível, segundo a sucessão de ações executadas por ambas as equipes no contexto dos enfrentamentos.

A soma de todos os ajustes promovidos, por ambas as equipes, às estratégias de jogo, como resposta aos desequilíbrios causados ao longo do confronto, condicionou a manifestação de um ambiente favorável para que a equipe do Pato Futsal assumisse o controle relativo sobre as ações de jogo conforme o primeiro tempo da partida se aproximava do final. Mas embora o placar do jogo e o quantitativo de faltas marcadas pela equipe do Magnus Futsal representem, de forma direta, o motivo pelo qual o cenário se constituiu nestas condições, o encadeamento de lances de jogo que originaram o gol e as infrações também assumem participação no delineamento do contexto, ainda que se possa apontar uma influência mediata ou secundária na conformação dos fatos.

Como elemento complementar, mas não menos importante, ao entendimento do jogo, foi encontrado trecho de narração em que a atuação de atletas deslocados de suas posições originais e executando outras funções de jogo é apresentada ao público de forma natural, por conta de sua concretude, mas ao mesmo tempo contraditória com os sentidos produzidos pela equipe de transmissão que, no caso específico, atuou no limite da descrição do lance de jogo sem, no entanto, apreciar a pertinência da situação para o jogo e sua compreensão.

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Por fim, o segundo gol marcado na partida evidenciou a dificuldade de observação e consideração, por parte do jornalismo esportivo, da influência das ações executadas sem a bola para a materialização do jogo em todas as suas dimensões. A simplificação apresentada ao público da sequência de movimentações finalizadas na marcação do segundo gol da equipe do Pato Futsal, orientada apenas pela descrição das ações do jogador detentor da posse da bola, configurou mais um prejuízo ao entendimento do que ocorreu na totalidade da cadeia de intervenções executadas pelos jogadores.

Mais uma vez, cada um dos atos táticos realizados individualmente no contexto coletivo do jogo por todos os atletas em quadra, acrescidos, respectivamente, da narração de Daniel Pereira e do comentário de Marcelo Oliveira, contextualizaram o protótipo de um cenário esportivo midiatizado enriquecido por temas geradores de conteúdos diversos passíveis de ressignificação e como forma de constituir elementos para orientar a criação de roteiros educativos em diferentes plataformas e produtos tecnológicos com viés voltado especificamente para o ensino esportivo.

No documento Braulio da Silva Machado (páginas 135-142)