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Dissídio coletivo após a Emenda Constitucional n 45/2004

No documento Negociação coletiva no setor público (páginas 86-89)

3 SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO SETOR PÚBLICO

3.5 Dissídio coletivo no setor público

3.5.1 Dissídio coletivo após a Emenda Constitucional n 45/2004

Cabe considerar que não se poderia deixar de abordar o tema relativo ao dissídio coletivo após as alterações constitucionais promovidas pela Emenda Constitucional n. 45/2004, não só por sua importância e atualidade, como também pelas implicações em relação à negociação coletiva no setor público.

O dissídio coletivo constitui uma das formas de solução de conflito coletivo trabalhista, atingido após a tentativa prévia da negociação coletiva. Nas sociedades democráticas mais avançadas, a negociação coletiva é privilegiada e preferida à desarmonia e aos conflitos inerentes às relações de trabalho. No Brasil, a despeito dos óbices que ainda encontra para ser

156 SANTOS; SILVA, op. cit., p. 213-31.

reconhecida no âmbito do setor público, não resta dúvidas de que é preferível para se evitar a greve, que foi reconhecida (art. 37, VI, CF).

A negociação levada a efeito evita, assim, a necessidade de se buscar a tutela do Judiciário, no caso, o dissídio coletivo de natureza econômica. Portanto, mesmo em face dos obstáculos legais ainda existentes em relação à inviabilidade do exercício da tutela jurisdicional por meio do dissídio coletivo de natureza econômica em face do servidor público, os questionamentos levantados após a Emenda 45/2004 devem ser examinados.

Nesse sentido, é importante salientar que a Emenda Constitucional n. 45/04 alterou a redação do parágrafo segundo do artigo 114 da Constituição Federal, gerando a discussão acerca da permanência ou não do poder normativo da Justiça do Trabalho. O tema não pode deixar de ser abordado nesta ocasião, pois está em consonância com a reforma sindical que se procura viabilizar, com influências sobre a negociação coletiva de trabalho.

O poder normativo tem origem no corporativismo estatal, resquício do autoritarismo. Por meio dele, os atores sociais buscam no Estado a solução de eventuais conflitos de trabalho. Esse poder tem por objetivo solucionar conflitos coletivos de trabalho, por meio da criação de novas condições de trabalho e de remuneração, através da prolação de sentenças normativas pelos tribunais do trabalho, cujas decisões têm efeitos erga omnes, incorporando-se aos contratos individuais de trabalho das categorias profissionais envolvidas no conflito coletivo.

A nova redação do parágrafo segundo do artigo em referência prevê que se recusando qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

O requisito do comum acordo seria uma condição da ação, ou um novo pressuposto processual para instauração do dissídio coletivo, de natureza econômica? Impende analisarmos o posicionamento do Ministro Oreste Dalazen, no julgamento do primeiro dissídio coletivo, em 09/06/2005, após o advento da Emenda Constitucional n. 45/04, in verbis:

Nessa perspectiva, o concurso de vontade entre o capital e o trabalho, requerido pela norma do art. 114, § 2º, em meu entender, não significa necessariamente ação coletiva de iniciativa conjunta dos sindicatos patronal e profissional. A exigência fundamental da norma constitucional, em meu entender, é de concordância expressa ou tácita de ambas categorias, em que seja ajuizado o dissídio coletivo de natureza econômica perante a Justiça do Trabalho.157

Assim, para efeitos do Processo do Trabalho na parte relativa ao dissídio coletivo, o de comum acordo ostenta a natureza de condição específica da ação, não levando à exigência de petição em conjunto ou de concordância prévia e expressa da parte contrária. A aquiescência da parte suscitada valeria mesmo quando manifestada tacitamente no curso do processo. Se o suscitado que fora não adredemente consultado ou, se consultado, não aquiesceu com a ação, comparece em juízo e na abertura da audiência de conciliação não manifesta expressa oposição ao ajuizamento unilateral do dissídio coletivo, o processo deve seguir o seu caminho normalmente.158

Nada obstante, existem posicionamentos no sentido de que o dissídio coletivo somente pode ser ajuizado pelas partes envolvidas e não mais por apenas uma delas, sobretudo quando instaurada a greve, uma vez sem resultado a negociação coletiva, não podendo o dissídio coletivo ser suscitado pela empresa ou pelo sindicato dos empregadores. Tal é o entendimento do Ministro José Luciano de Castilho Pereira, do TST.159

Com a devida venia, entendemos que impossibilitar a via judicial, nestes casos, acarretaria a extensão conflito no tempo, o que não é desejável, seja para as partes envolvidas, seja para a sociedade, que necessita dos serviços prestados. Se o conflito não puder ser solucionado pela via do dissídio coletivo, a greve estará sendo incentivada, como o caminho alternativo.

O posicionamento de Amauri Mascaro Nascimento é o que mais se destaca, por ser coerente em face dos princípios constitucionais do amplo acesso ao judiciário e do direito processual civil. O poder normativo da Justiça do Trabalho não foi extinto. Não se trata de indagar se a exigência do comum acordo vem a ser uma condição da ação ou um pressuposto processual. O que importa saber é se á válida no direito processual e trabalhista a transferência do direito de ação do autor para o réu.

Tal exigência é inconstitucional, por acarretar o afastamento da jurisdição. No direito processual civil não há processo contencioso no qual o autor dependa da autorização do réu para interpor ação.

Assim, não é exorbitante a tese da inconstitucionalidade do afastamento da jurisdição pela EC n. 45 porque não apenas criou uma condição para a ação ou um pressuposto processual, mas, indo mais além, inverteu o direito de ação. A transferência do poder de agir do autor para o réu – que se verifica se o autor depende do consentimento do réu para acioná-lo – não

158 SILVA, Edson Braz da Silva. Aspectos processuais e materiais do dissídio coletivo frente à Emenda

Constitucional n. 45/2004. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, n. 1, v. 2, p. 26-35, 2006.

159

PEREIRA, José Luciano de Castilho. Negociação coletiva – greve – poder normativo. Disponível em:

é nem condição da ação nem pressuposto processual. É supressão do direito de ação do autor e submissão do seu direito à opção do réu. É invalidante, portanto, do livre direito de ação. É o mesmo que negar o direito de ação. Movimentar a jurisdição para a proteção de um direito considerado lesado é o princípio maior.160

Filiamo-nos a este pensamento, pois assim fica resguardado o pleno acesso à jurisdição e as regras processuais civis. O comum acordo somente pode ser exigido quando se trata de arbitragem.

No documento Negociação coletiva no setor público (páginas 86-89)