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Sindicalização no setor público

No documento Negociação coletiva no setor público (páginas 74-78)

3 SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO SETOR PÚBLICO

3.3 Sindicalização no setor público

O tema sindicalização no setor público deve ser abordado, uma vez que o direito à sindicalização constitui um antecedente à negociação coletiva. Os trabalhadores organizados em sindicatos dispõem de maior força perante os detentores do capital, viabilizando política e juridicamente as condições necessárias ao enfrentamento e debate acerca da melhoria das condições sociais e de trabalho, que tendem a desaguar nas negociações, buscando solução adequada.

Somente após o término da Segunda Guerra Mundial os trabalhadores do setor público começaram a organizar-se em sindicatos e associações, pois até então o direito à sindicalização e à negociação coletiva era restrito aos particulares. A sindicalização no setor público era proibida, já que os servidores públicos eram regidos exclusivamente pelas regras do Direito Administrativo, assentando-se a organização administrativa na ordem hierárquica, sendo a intervenção da força dos trabalhadores públicos incompatível com a autoridade do Estado.

O Estado até então era visto como o bom empregador, e a sindicalização relacionada aos movimentos grevistas, acarretando a proibição de tais direitos.

Os servidores eram entendidos como parte dos quadros estatais, não como trabalhadores propriamente ditos, não se lhes atribuindo a condição de profissionais individualmente considerados.

Não apenas a circunstância de não se submeterem ao direito do trabalho, em cujo ramo se incluía o cuidado normativo do tema, mas principalmente o elemento ideológico que domina todo sistema jurídico influía para se recusar ao servidor público dotar-se de tal capacidade

136 DELGADO, op. cit., p. 1293.

de organização e de atuação concreta segundo seus interesses profissionais. O direito administrativo em cujo seio sempre se cuidou, no Brasil, do tema de servidores públicos, até o advento da Constituição da República de 1988, foi sempre temeroso de que, com a possibilidade de sindicalização daquele trabalhador, se comprometesse a posição jurídica e política do Estado em face não apenas de seu servidor, mas do administrador, sobre o qual sempre se reconheceu superioridade em razão de seus objetivos, como se o direito não contasse com os instrumentos próprios para compatibilizar e garantir a supremacia do interesse público, resguardando-se os interesses particulares manifestados democraticamente.137

Contudo, o Estado ampliou as suas atividades, passando a estender seu campo de atuação às áreas antes restritas à iniciativa privada, provocando um aumento dos servidores públicos. Tal ampliação veio acompanhada de uma piora nas condições de trabalho, fazendo surgir as associações profissionais dos servidores públicos.

A doutrina jus-administrativa calcada nos princípios da hierarquia e disciplina, que condicionavam a atuação da Administração Pública e submetiam os servidores, teve que ceder espaço aos avanços e ao amadurecimento dos direitos sociais, sem que isso implicasse na perda das prerrogativas do Estado, antes, convivendo lado a lado.

Nas palavras de Cármen Lúcia Antunes Rocha, o que há, atualmente, é um conjunto de princípios constitucionais relativos aos direitos sociais dos trabalhadores, sem distinção quanto à natureza do trabalho ou à personalidade pública ou privada do empregador. Essa raiz comum aos regimes jurídicos, que surgem como ramos diferentes em alguns pontos, tem de dar frutos isonômicos, em termos de direitos sociais, a todos os trabalhadores, públicos e privados. Daí não haver contraposição entre os regimes jurídicos, mas adaptação entre eles para a garantia dos trabalhadores e para a segurança da sociedade quanto ao atingimento dos objetivos públicos.138

A atividade sindical como direto de representação de categoria foi negada aos servidores públicos até os primórdios do século XX, quando as primeiras associações de servidores públicos surgiram na Inglaterra (1902), na Espanha (1887), França (1920), dentre outros países.

137

ROCHA, op. cit., p. 341.

O direito à sindicalização foi incluído na Declaração dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948, estabelecendo em seu artigo 23, inciso IV, que “Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.” 139

A partir da década de 60 a sindicalização no setor público consolidou-se ainda mais, fomentada pelo advento das Convenções da Organização Internacional do Trabalho sobre o tema sindicalização e negociação coletiva.

Assim, a Convenção n. 87 veio assegurar aos trabalhadores e empregadores, sem distinção, o direito de constituírem organizações de sua escolha e de se filiarem a elas, pretendendo com isso excluir qualquer forma de discriminação entre os trabalhadores, inclusive quanto aos servidores públicos.140

A Convenção n. 98, ratificada pelo Brasil, refere-se expressamente à negociação no setor público, asseverando que “a legislação nacional deverá determinar o alcance das garantias previstas na presente Convenção, no que se refere à sua aplicação às forças armadas e à policia.” 141

Em relação à Convenção n. 151 da OIT sobre relações de trabalho na função pública, a mesma prevê que os agentes públicos devam beneficiar-se de uma proteção adequada contra os atos de discriminação capazes de implicar atentado à liberdade sindical, devendo suas organizações gozar de independência em relação às autoridades públicas. A mesma convenção estabelece que “devem ser adotadas medidas apropriadas para encorajar e promover o pleno desenvolvimento e utilização de procedimentos de negociação sobre as condições de trabalho entre as autoridades públicas e as organizações de empregados públicos ou de qualquer outro método que permita aos representantes dos empregados públicos participarem da determinação dessas condições”.142

A Convenção 151 estabelece em sua primeira parte que os ditames ali consignados se estendem a todas as pessoas empregadas na Administração Pública, mas permite que sejam excetuados os agentes de nível elevado, nos quais as funções sejam normalmente consideradas como de direção, ou agentes nos quais as responsabilidades têm um caráter altamente confidencial, assim como as forças armadas e a polícia.

Também a Recomendação n. 159, que completa a Convenção n. 151, sugere aos países que aplicam procedimentos para reconhecer os sindicatos de servidores públicos a

139ONU. Nações Unidas no Brasil: declaração dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.onu-

brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 10 jul. 2006.

140 OIT, op. cit., on-line. 141

Ibid.

fixação de critérios objetivos e previamente definidos no que tange ao caráter representativo das organizações, as quais não devem proliferar, cobrindo as mesmas categorias de servidores. A recomendação deixa a critério da legislação nacional os meios apropriados para determinar as diversas modalidades de negociação ou de outros métodos para a determinação das condições de emprego, ressaltando que a validade dos acordos, como também sua renovação, deve ser precisa.143

Apesar de todos estes avanços na legislação internacional e orientações da OIT, o Brasil assegurou expressamente o direito de associação e sindicalização aos servidores públicos em 1988, com o advento da Constituição Cidadã.

O Brasil assegura a liberdade de associação, vedada a de caráter paramilitar, no artigo 5º, XVIII da Constituição da República. E garante ao servidor público civil o direito à livre associação sindical no artigo 37, inciso VI (o militar está excluído, conforme art. 42, §5º, CF). A associação pode ter natureza profissional ou sindical, interessando-nos particularmente esta última.

Em relação à CLT, a Constituição Federal de 1988 representou um avanço, pois o artigo 566 da legislação infraconstitucional proibia a sindicalização dos servidores do Estado e das sociedades de economia mista, fundações públicas e por força de decisões judiciais aos servidores autárquicos regidos pela CLT.

Em relação às constituições anteriores, a de 1988 igualmente representou um passo à frente ao estabelecer o direito à sindicalização para os servidores públicos, uma vez que nenhuma antes o havia feito. Havia previsão quanto ao direito à sindicalização para trabalhadores da iniciativa privada desde a Carga Magna de 1934, artigo 120, mas não para os servidores públicos.

Assim, o direito à livre associação constitui-se num direito constitucional atinente aos direitos e garantias individuais fundamentais (art. 5º, XVI, XVII, CF), exercidos coletivamente.

O direito à sindicalização do servidor público é inerente à democracia, que deve se estender às relações coletivas de trabalho. O trabalhador vinculado ao setor público apresenta as mesmas necessidades do trabalhador do setor privado, na medida em que a abrangência das funções do Estado o aproximaram do setor privado. Além do que, o trabalhador vinculado ao Estado é um ser humano cujas necessidades sociais e pessoais são idênticas às do trabalhador da iniciativa privada.

143

Mesmo a partir das privatizações, iniciadas na década de oitenta, é marcante a presença do trabalhador servidor público nos quadros da Administração Pública Direta e Indireta.

A sindicalização de servidores públicos poderá ser feita por categoria profissional, a exemplo do sindicato dos advogados públicos, sindicato dos trabalhadores de ensino público, e outros. É admitida, ainda, a categorização dos servidores públicos da

União, ou de um Estado da Federação, para aqueles que não dispõem de classificação em

uma profissão reconhecida legalmente.

Inegável que o direito à associação sindical dos servidores públicos constitui fortalecimento de sua condição social, e também fomenta os meios de solução de conflitos e conquista de novos direitos. Inegável ainda que a conquista do direito à sindicalização abre caminho para a negociação coletiva no setor público.

Ora, o direito à sindicalização no setor público põe em relevo a questão da negociação coletiva, já que o sindicalismo constitui um meio eficaz para viabilizar a solução de conflitos, por meio da representação dos trabalhadores, levando às negociações entre as partes envolvidas, como uma conseqüência natural.

No documento Negociação coletiva no setor público (páginas 74-78)