• Nenhum resultado encontrado

Interpretação da lei

No documento Negociação coletiva no setor público (páginas 164-167)

5 PERSPECTIVAS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO SETOR PÚBLICO

5.5 Interpretação da lei

O direito vem a ser uma ciência humana, portanto é formada por conteúdos abertos, que comportam e necessitam interpretação. A lei, de caráter genérico e abstrato, para atingir o fim desejado pelo legislador, e para cumprir sua função social, está sujeita à análise do hermeneuta.

A Hermenêutica Jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. A Interpretação, como as artes em geral, possui a sua técnica, os meios para chegar aos fins colimados. O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. 289

Para atingir a finalidade desejada, o intérprete utiliza-se dos métodos e dos sistemas de interpretação que a Hermenêutica Jurídica coloca à sua disposição. Não pretendemos nos aprofundar no estudo de tais métodos e sistemas, pois isso escapa à finalidade de nosso estudo.

Nosso objetivo aqui é chamar a atenção para o fato de que a interpretação que em geral tem sido feita em relação ao artigo 39, parágrafo terceiro, da Constituição da República, não tem propiciado a visão mais ampla que o tema da negociação coletiva no setor público

289

SANTOS, Carlos Maximiliano Pereira dos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993, passim.

comporta, salvo raras exceções. Ou seja, tem-se interpretado que a não referência expressa ao inciso XXVI do artigo 7º implica em vedação ao direito de negociação coletiva no setor público.

Cabe ressaltar que ao interpretar a lei o cientista do Direito e o seu aplicador devem se valer de não apenas um único método, mas de uma combinação harmoniosa entre eles, pois se complementam entre si.

Recaséns Siches, citado por Christiano José de Andrade, entende que a Ciência Jurídica e a Filosofia do Direito não têm condições de estabelecer um critério para eleger um método, ou uma escala de prioridades entre os diversos métodos de interpretação. A multiplicidade terminológica, por si só, já revela a natureza problemática da interpretação jurídica. Essa variedade de propostas mostra que nenhuma delas, isoladamente, é o método correto ou adequado. De conseguinte, um método empregado isoladamente pode se mostrar um instrumento inadequado de abordagem do direito, revelando-se por isso limitado e insuficiente para a compreensão plena dos modelos jurídicos.290

Entendemos que uma análise lógico-sistemática das regras constitucionais nos permite uma interpretação no sentido de que o direito à utilização da via negocial em relação aos trabalhadores da Administração Pública não está descartado. É o que revela o conteúdo dos artigos 7º, inciso XXVI, e 37, incisos VI e VII, da Carta Magna.

Ora, o artigo 7º refere-se expressamente aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Assim, o trabalhador da Administração Pública não estaria excluído dos direitos elencados em seus incisos, mormente no que se refere ao inciso XXVI, reconhecendo-se a eles as convenções e acordos coletivos de trabalho.

O artigo 37, por sua vez, garante aos trabalhadores da Administração Pública Direta e Indireta o direito à livre associação sindical e o direito de greve. Tais direitos implicam, necessariamente, no desdobramento e exercício do direito à negociação coletiva de trabalho.

Em relação a tal dispositivo, há interpretações doutrinárias no sentido do que os servidores estatutários têm direito à negociação coletiva, pois confere-lhes o artigo 37 da Constituição vigente, desde que o faz a todos os servidores públicos civis sem exceção, o direito à livre associação sindical. Tem-se entendido, pelo menos nas democracias ocidentais, que a negociação coletiva integra o conteúdo essencial da liberdade sindical. 291

Tais dispositivos são ainda complementados pelas disposições constantes nos artigo 1º da Magna Carta, que se refere à dignidade da pessoa humana (inciso III) e aos valores

290 ANDRADE, Christiano José de. Hermenêutica jurídica no Brasil. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 1991, p. 132.

sociais do trabalho (inciso IV), bem como, pelo princípio da não discriminação, consagrado no artigo 5º, caput.

Se os trabalhadores do setor privado usufruem o direito à negociação coletiva de trabalho, a não concessão do mesmo direito aos trabalhadores do setor público implicaria em não observância do princípio da não discriminação.

A interpretação parte da letra da lei, e o Cientista do Direito revela seu conteúdo, aplicando os métodos de interpretação.

Para o nosso estudo, podemos destacar ainda os métodos teleológico e histórico evolutivo, que combinados entre si revelam os critérios valorativos supremos, a reta justiça e a utilidade social, que se ligam estritamente aos fins sociais da lei, constituídos justamente pela idéia de justiça e utilidade comum, que são as duas principais exigências do bem comum temporal. 292

O método teleológico considera o fim da lei como elemento metodológico principal. A finalidade do direito em relação ao indivíduo é a realização de suas condições existenciais, de modo que o direito é a forma de asseguramento das condições vitais da sociedade, produzido através do poder coercitivo do Estado. 293

E o método histórico-evolutivo orienta que embora adstrita às suas fontes originárias, a lei deve acompanhar as vicissitudes sociais, ajustando-se às circunstâncias supervenientes. Pela interpretação histórico-evolutiva, o direito é adaptado às exigências sociais imprevistas, às variações sucessivas do meio, mergulhando assim nas ondas do objeto, participando da realidade. 294

Ora, a realidade atual aponta para a necessidade de se buscar mecanismos legais para a viabilidade da negociação coletiva no setor público, diante das constantes deflagrações de greve entre os trabalhadores da Administração Pública Direta e Indireta, buscando melhores condições de trabalho.

A interpretação das leis que regem a matéria, sobretudo o citado artigo 39, parágrafo terceiro, da Magna Carta, deve ser feita visando à necessidade de sua adaptação às exigências sociais atuais, que constitui a busca da solução de conflitos no setor público, participando, assim, da realidade.

292 ANDRADE, Christiano José de. O problema dos métodos da interpretação jurídica. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 1992, p. 59.

293

Ibid., p. 56-57.

No documento Negociação coletiva no setor público (páginas 164-167)