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Distribuição espacial dos Diretórios Zonais na cidade de São Paulo em 1982 resultado do PT nas

eleições ao Executivo estadual do mesmo ano.

De fato, a votação do partido na cidade foi maior nas periferias e na região Sudeste, vizinha ao ABCD paulista, mas, em relação à distribuição dos Diretórios, não é possível estabelecer uma relação entre sua presença e os votos no partido, principalmente em virtude da região central, com muitos diretórios e com baixa votação. Esse descompasso é consequência das diferenças entre o tipo de atividade realizado pelos diretórios e pelos Núcleos de Base. Enquanto estes seriam mais ativos, conectados com a realidade local, os Diretórios teriam uma função mais burocrática. Na Zona Sul, por exemplo, havia apenas três Diretórios, mas 49 Núcleos, o que resultou em uma votação proporcionalmente mais alta do que na região central, onde o partido contava com dez Diretórios. Isso indica que, no momento fundacional do partido, os Diretórios foram mais

importantes na estratégia de estruturação organizacional do que na relação com os lugares que ocupavam.

A seleção de lideranças para concorrer aos cargos públicos em 1982 teve um ordenamento estratégico. Concorreram à Câmara dos Deputados nomes conhecidos, como os parlamentares que migraram do MDB: Irma Passoni, Eduardo Suplicy e Airton Soares, além de dirigentes sindicais, como Djalma

Bom, e referências conhecidas do novo partido, como José Genoino, Plínio de

Arruda Sampaio, Beth Mendes, entre outros. Mas houve espaço para algumas votações locais, como de José Zico Prado, mais votado em Itaquera e com boas

votações Zona Leste. Para o Legislativo estadual, eram provenientes do MDB

Marcos Aurélio Ribeiro e Geraldo Siqueira, este oriundo do movimento

estudantil. Também foram lançados nomes ligados aos sindicatos, como José

Cicote, Expedito Soares, Anísio Batista e Paulo Frateschi, eleitos, e militantes da

esquerda organizada, como Eduardo Jorge e Clara Ant e Eder Sader. Entre

esses, poucos tinham enraizamento local, caso de Eduardo Jorge, do movimento de saúde da Zona Leste, e Paulo de Tarso Dinis, na Zona Sul, mas o partido buscava, com suas candidaturas, ganhar envergadura eleitoral.

As candidaturas mais territorializadas foram as definidas para a Câmara dos Vereadores, em que houve a pulverização de boas votações locais, com

candidatos bem colocados, entre os dez mais votados25, em 32 zonas eleitorais.

As regiões em que o PT teve poucos candidatos entre os mais votados foram o Centro e a Leste 1. A região com maior número de candidatos bem votados foi a Leste 2, onde seis candidatos figuraram entre os dez mais votados, mas nenhum foi eleito26.

Em consonância com a afirmação de Meneguello (1989:158), é possível

verificar que houve expressiva votação nas periferias da cidade, áreas mais pobres em virtude do padrão periférico de urbanização (BONDUKI, 2013), bem como na região sudeste, próxima ao ABCD paulista, mas mesmo nesses ambientes a votação foi baixa, não chegando a 20% dos votos para o Executivo

25 Para as eleições anteriores a 1993 a Fundação Seade apresenta, por Zona Eleitoral, os dez

candidatos mais votados. Não foi localizada uma base com a relação completa dos candidatos por zona eleitoral.

26 Os votos dos(as) candidatos(as) eleitos(as) e que pontuaram entre os(as) dez mais votados(as)

Estadual em nenhuma Zona Eleitoral. Ainda que a baixa votação tivesse relação com a vitória expressiva do candidato do MDB ao Governo do Estado, que ganhou em todas as Zonas Eleitorais, vale destacar a distorção da população eleitoral na cidade. A região central, somando o centro com o centro expandido, correspondia, em 1980, a cerca de 17% do total da população, mas 25% do total de eleitores da cidade nas eleições de 1982. Enquanto no centro expandido cerca 95% da população votava, em regiões como a Noroeste o número era de

cerca de 17% e, na Sul 2, 31%. Com números altos, como o centro expandido,

estavam a região Norte (79%), consolidada politicamente durante o período janista, e a região Sudeste (81%), próxima ao ABCD paulista, que vivia uma efervescência política. Os votos, desta forma, não estavam distribuídos de forma

equânime, nem espacialmente, nem de acordo com as populações locais.

Outros aspectos contextuais ajudam na explicação da espacialização do voto no PT. A região Sudeste, por ser vizinha ao ABCD paulista, abrigava a residência de trabalhadores fabris da região. A existência de um polo fabril e o

contato e experiência com o movimento operário, que durante a década de 1970

teve protagonismo na cena política, facilitou a valorização da classe operária. Entre os mais votados na Zonas Eleitorais desta região estavam sindicalistas. Abrigava ainda espaços carentes de infraestrutura, com moradias improvisadas, que também apresentavam lideranças ligadas aos movimentos de moradia da região, notadamente Heliópolis. O Presidente do DZ Ipiranga era de lá, liderança reconhecida antes da fundação do PT pelo ativismo realizado. O apoio da população local se dava na perspectiva da possibilidade de representação, por ele, da comunidade.

Na Zona Sul havia uma diversidade de realidades coexistindo. Aquelas em que o PT conseguiu maior aderência eram bairros com presença de indústrias, como Campo Limpo e Santo Amaro, mas não tanto em virtude do movimento sindical, e sim com a organização das populações na luta pela melhoria da qualidade de vida. Também nas vilas que surgiam ainda mais ao

Sul, como Jardim Ângela, Capão Redondo, desprovidas de serviços públicos,

como unidades de saúde e educação, dependentes do serviço privado de transporte para chegar ao centro e carentes de infraestrutura básica, como água e saneamento básico. Essa condição, precária, estimulou a presença de setores

da Igreja Católica, que passaram a atuar na organização das mulheres e que,

em seu trabalho pastoral, se somavam e organizavam a luta contra a situação

de carestia.

É do trabalho nas Comunidades Eclesiais de Base que surgem as principais lideranças da Zona Sul. Irma Passoni foi eleita Deputada Estadual em 1978 pelo MDB e, na eleição de 1982, foi a Deputada Federal mais votada no Campo Limpo, com quase 12 mil votos. Também foram bem votados Paulo

Tasso Diniz, da paróquia de Vila Remo, como Deputado Estadual, e João Carlos

Alves, vereador. Os três eram ativistas políticos através da Igreja e notabilizaram-se na campanha contra a carestia e no Movimento do Custo de

Vida (MACHADO, 2010:42, 97)27, surgido naquela região. Teve igualmente

votação expressiva, apesar de não ter sido eleito, Leonide Tatto, cuja família construiu, posteriormente, grande base eleitoral na região28. À época, eram

jovens irmãos envolvidos na melhoria do bairro em que viviam, a partir das

Comunidades Eclesiais de Base, e que participaram ativamente da construção

do PT. Ricardo Azevedo (entrevista em 11 de maio de 2014) conta das reuniões de formação política que organizavam no Capão Redondo, onde foi, diversas vezes, apresentar o ideário da esquerda.

Na região Noroeste o PT também consolidou lideranças a partir da ação em Clubes de Mães e com o apoio aberto da Igreja Católica. As reuniões para a discussão do custo de vida aconteciam no salão da Igreja local. A situação de alta vulnerabilidade e de ausência dos serviços públicos também existia na região. Destacou-se na região Tereza Lajolo, professora, que conquistou mais de sete mil votos na zona eleitoral da Nossa Senhora do Ó, além de boa votação nas vizinhas Pirituba e Casa Verde (2.418 e 3.167 votos, respectivamente). Sua militância não estava desvinculada da militância partidária antes do PT. Ela compunha o Partido Revolucionário Comunista (PRC), uma das forças de combate à ditadura que aderiram ao PT29, e havia trabalhado na assessoria

parlamentar do Deputado Sérgio Santos, do MDB.

27 Além da referência, Machado (2010), foram realizadas entrevistas com Irma Passoni.

28 Hoje são quatro os parlamentares da Família: Nilto Tatto, Deputado Federal; Ênio Tatto,

Deputado Estadual; Arselino e Jair Tatto, vereadores.

29 O PRC teve como expoente José Genoino, e se notabilizou por organizar militantes para a

Assim como na Zona Sul, a ausência do Estado acabava por facilitar a formação de vilas em lotes ocupados pela população carente como resposta à ausência de política habitacional. Esse movimento também fez emergir

lideranças como Henrique Pacheco, da Associação de Defesa de Moradia –

ADM, grupo organizado de advogados que atuavam em defesa do direito à moradia. Advindo do movimento estudantil, tendo sido presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto, da PUC-SP, o não morador do local tornou-se uma liderança na defesa de 900 famílias que haviam ocupado um terreno na Vila Zatini, no bairro de Pirituba30. Na região, as direções zonais eram ligadas às

organizações de movimento social locais.

Situação muito diferente existia na região do centro expandido, onde havia a presença do Estado, com infraestrutura e oferta de serviços públicos. A região

era habitada, em grande medida, por setores médios da população. Ainda que

houvesse na região um grande contingente de trabalhadores do setor de serviços, e até mesmo uma metalúrgica, a Meridional, era difícil seu engajamento, já que a grande maioria não era residente. A região era apenas o local de trabalho. Os diretórios do PT fundados na região o foram, em grande

medida, por profissionais liberais ligados aos grupos de esquerda, contrários ao

regime militar, e por estudantes. O movimento social da região era o estudantil31,

que atuava nas escolas da região, que eram várias. Em Pinheiros, revezaram na

Presidência do Diretório, no período, Claudio Soares, jornalista ligado à

Organização Socialista Internacionalista (OSI), e Paulo de Tarso Venceslau, economista, que atuou na guerrilha armada contra a ditadura pela Aliança Libertadora Nacional (ALN) e que pertencia à Articulação, tendência majoritária

no partido. Em Perdizes, foram presidentes Ceice Kameyana, engenheiro, que

militou durante o regime militar pela corrente Política Operária (Polop), e Luiz Eduardo Barreto Filho, jovem sociólogo formado pela PUC-SP. Maurício

Valdman, da Vila Mariana, era antropológo e geógrafo32. O PT também nesta

região foi diferente. Juntar em um mesmo projeto ativistas de diferentes matizes

Paulo como Maurício Faria, eleito vereador em 1988 e 1992 e nomeado Conselheiro do Tribunal de Contas do Município (TCM) em 2002, cargo vitalício que ocupa atualmente.

30 Entrevista de Henrique Pacheco, em 16 de julho 2017.

31 Entrevista de Cláudio Soares em 27 de maio de 2019.

da esquerda para construir uma agremiação em comum era um fato extraordinário, como relatam Cláudio Soares (entrevista em 27 de maio de 2019) e Cid Barbosa Lima (entrevista em 23 de abril de 2019).

Na região, os votos no partido também indicavam lideranças com perfil próximo ao dos moradores do bairro, profissionais liberais, com formação superior, caso de Eduardo Suplicy, economista e parlamentar pelo MDB, que concentrou seus votos nos bairros ricos da cidade (conquistou cerca de 3.000 votos nas zonas de Indianópolis, Jardim Paulista, Perdizes e Pinheiros), e Irede

Cardoso, psicóloga, jornalista e militante dos direitos da mulher33, que foi eleita

vereadora, com maior votação nas zonas eleitorais de Indianópolis, Jardim

Paulista, Lapa e Butantã.

O PT organizou Diretórios também nas Zonas Eleitorais de bairros com perfil mais à direita no espectro político, consolidados por Jânio Quadros, como a Mooca, onde os candidatos do partido não figuraram nas listas dos dez mais votados. Na Mooca, o Diretório tinha, em 1982, 404 filiados. Na Penha, 850. Ambos Diretórios permaneceram funcionando ao longo do tempo, mas a construção de lideranças regionais não conseguiu transpor a barreira janista local.

No momento fundacional fica aparente uma clivagem socioeconômica, que apresenta um modelo de partido nas periferias, com lideranças locais, envolvido com a Igreja Católica e pautado pelas demandas de serviços públicos e o combate à miséria, oferecendo mais condições para a organização popular (PIERUCCI, 1994; MACHADO, 2010) e outro nas regiões centrais, marcado pela disputa entre grupos e tendências da esquerda organizada, pautados não problemas locais, mas por questões gerais, como o modelo econômico do país,

o alinhamento a determinado pensamento político34, em consonância com o

modelo de desenvolvimento urbano da cidade. Apesar da generalização existia, em cada lugar, um contexto histórico-espacial específico. A região Norte, apesar de periférica e desassistida, havia passado por um processo de reconhecimento

33 Escrevia a coluna “Feminismo”, na Folha de S.Paulo, e foi editora do programa TV Mulher, na

Rede Globo. Irede ficou no PT até 1990. Após, filiou-se ao PV, ao PMDB e ao PPB, sem conquistar nenhum cargo eletivo.

do Poder Público com Jânio Quadros, quando parlamentar (entre 1947 e 195135)

e, principalmente, quando Prefeito, entre 1953 e 1955, mesmo processo vivido pela região Leste mais central, como os bairros da Mooca e Penha, fortemente janistas (PIERUCCI, 1991). Na região Noroeste, o povoamento foi diverso na Freguesia do Ó e em Pirituba. A região mais ao norte da Zona Leste contou com

o transporte por trilhos, enquanto que, na mais ao sul, havia a dependência do

transporte coletivo sobre rodas e, em muitos casos, estava mais conectada às cidades vizinhas, em virtude do trabalho, do que ao centro da cidade de São Paulo. No Sul havia áreas mais industrializadas como o Campo Limpo, outras mais rurais, em Parelheiros, e algumas bem desenvolvidas e estruturadas como Santo Amaro. Mesmo no centro expandido as diferenças existiam, sendo a Lapa ainda fabril, Indianópolis um loteamento de alta classe, Pinheiros um bairro de classe média e o Jardim Paulista, reduto da elite. Em sua gênese, o partido foi capaz de reter lideranças em todos esses lugares e, em cada um deles, as lideranças e suas votações, em especial a de vereador, ficavam restritas a eles. Nacionalmente o PT conquistou, nas eleições para os Executivos estaduais de 1982, apenas 3,3% do total de votos. PMDB e PDS hegemonizaram as eleições, conquistando mais de 80% dos votos em 22 dos 25 estados em disputa. Isso não ocorreu apenas no Rio de Janeiro, onde o PDT conquistou 31,4% dos votos e o PTB 9,8%; no Rio Grande do Sul, onde o PDT teve 20,4% dos votos e; em São Paulo, onde o PTB obteve 12,5% dos votos e o PT 9,8% (MENEGUELLO, 1989:124). Os dados permitiram afirmar que o PT se revelara como um partido eminentemente paulista (Id, 1989:128), já que os resultados mais significativos restringiram-se a este estado, onde elegeu seis dos oito Deputados Federais e nove dos treze Deputados Estaduais e onde teve melhor resultado nas eleições ao governo.

Na capital paulista, o PMDB conquistou 44% dos votos, tendo maioria dos

votos em todas as Zonas Eleitorais. O PTB teve 21,6%, o PDS 18,2% e o PT 14,9% dos votos (MENEGUELLO, 1989:158). A novidade petista tinha penetração nas periferias, mas concorria nelas em grande desvantagem com o PMDB, que teve mais de 45% dos votos nas Zonas Eleitorais das periferias das

35 Jânio Quadros foi Vereador da cidade de São Paulo entre 1947 e 1949 e Deputado Estadual

Zonas Leste e Sul36. Retirado o partido líder, a distribuição da preferência dos

votos aponta para uma presença do PT na Zona Sul, tendo sido Lula o segundo candidato mais votado em Capela do Socorro, Campo Limpo, Cidade Ademar e Jabaquara, e em duas Zonas Eleitorais da Zona Leste: Itaquera e Itaim Paulista. Jânio Quadros, candidato pelo PTB, conquistou a segunda colocação em boa parte dos seus antigos redutos eleitorais, como Vila Maria, Vila Guilherme, Mooca, que configuravam o primeiro arco periférico da cidade, além da maioria das Zonas da região Sudeste e Noroeste. Reinaldo de Barros, pelo PDS, concentrou a segunda colocação nos bairros do centro expandido (Mapa 2.3).

A investidura do PMDB, com Franco Montoro, no governo do Estado de São Paulo em 1983 e a nomeação de Mário Covas como prefeito, mudou a referência do partido em relação ao governo, que passou de oposição à condição de situação. Essa mudança favoreceu o PT, que continuou como oposição. Também favoreceu o partido o acesso à face pública do partido, nas estruturas estatais de representação partidária, como os gabinetes, fonte de recursos humanos e materiais para o trabalho político. Na cidade de São Paulo eram 15, nove na Assembleia Legislativa e cinco na Câmara de Vereadores, além dos escritórios de representação política de quatro Deputados Federais. Estas estruturas permitem que o parlamentar eleito empregue um conjunto de pessoas em cargos de confiança, dão acesso serviços de comunicação como linha telefônica e postagem de cartas, o deslocamento em carros custeados pelo poder público e a possibilidade de destinar recursos públicos a projetos através de emendas ao orçamento.