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4 ASSISTÊNCIA EM PLANEJAMENTO FAMILIAR

4.4 DIU na Atenção Primária à Saúde

escassez de recursos humanos e físicos para tais cirurgias e as dificuldades advindas do próprio encaminhamento para os serviços de referência (DOS SANTOS, 2020).

Figueiredo, De Castro e Kalckmann (2014), ao analisarem a oferta de métodos contraceptivos na AB do município de São Paulo, identificam a não equidade existente na oferta do DIU e de métodos cirúrgicos, tendo em vista que algumas unidades da cidade realizam encaminhamentos para utilização desses métodos e outros não realizam, sendo presenciado diferenças no tempo de espera e deslocamento dos usuários.

É necessário garantir a diversidade de contraceptivos reversíveis e cirúrgicos à população em todas as regiões da cidade, para que não haja iniquidade da atenção, evitando a sobrecarga para poucos serviços e regiões, acarretando grande tempo de espera e deslocamentos populacionais desnecessários. (FIGUEIREDO; DE CASTRO; KALCKMANN, 2014, p. 90).

Sobre o DIU, os autores observam que sua inserção está centralizada em regiões menos favorecidas da cidade e é mais restrita na ESF, a partir do palpite de que “os médicos generalistas integrados nesse modelo não realizam tal procedimento, associado especificamente à Ginecologia” (FIGUEIREDO; DE CASTRO;

KALCKMANN, 2014, p. 90), questão que será melhor tratada na seção seguinte e, sobretudo, observada na apresentação e análise dos resultados deste estudo.

oferta e da inserção do DIU, possuindo como limitação a dificuldade de extensão dos resultados encontrados nos estudos internacionais para a realidade brasileira (BARRETO et al., 2021).

Visto isso, excetuando-se a revisão integrativa nacional e internacional de Barreto et al. (2021), optou-se pela análise de estudos nacionais sobre a temática.

Nesse sentido, como forma de identificar as barreiras comumente existentes no acesso ao DIU na Atenção Primária ou Atenção Básica no Brasil, a tabela abaixo foi construída para melhor visualização dos resultados.

Cabe ressaltar que, segundo Brasil (2017), “A Política Nacional de Atenção Básica considera os termos Atenção Básica - AB e Atenção Primária à Saúde - APS, nas atuais concepções, como termos equivalentes”. Contudo, alguns autores tratam os termos de forma distinta, compreendendo APS com uma utilização internacional e AB ou ABS com uma utilização brasileira, sendo “ABS a noção que melhor representa a história e a concepção do sistema de saúde brasileiro, fundado nos ideais da Reforma Sanitária e nos princípios e diretrizes do SUS” (FAUSTO; MATTA, 2007, p. 62).

Quadro 6: Barreiras ao acesso ao DIU na Atenção Básica

AUTOR TÍTULO BARREIRAS IDENTIFICADAS

Gonzaga et al. (2017)

Barreiras organizacionais

para disponibilização e

inserção do dispositivo intrauterino nos

serviços de atenção básica à

saúde

“Ausência ou não utilização de protocolos para disponibilização e inserção do DIU; não disponibilização do método ou o excesso nos critérios – muitas vezes, desnecessários – estabelecidos pelos serviços de saúde para disponibilizá-lo; limitação da atuação do enfermeiro e agendamento prévio para realização do procedimento, e a adoção de determinadas condições clínicas da mulher que podem impossibilitar a inserção do DIU, condições sem respaldo nas mais recentes evidências científicas.”

(GONZAGA et al., 2017, p. 7).

Barreto et al.

(2021)

Dispositivo Intrauterino na Atenção Primária

à Saúde: uma revisão integrativa

Não disponibilização do método no serviço ou no próprio município, o longo tempo de espera entre a decisão e o procedimento, excesso de solicitação de exames pré inserção, uso de protocolos sem evidências científicas, a dificuldade do médico de inserir o procedimento na rotina de trabalho frente a outras demandas, a limitação da atuação do enfermeiro tornando o procedimento exclusivo para médicos e a falta de informação da população, falta de conhecimento e treinamento do profissional de saúde

(BARRETO et al., 2021).

Fonsêca (2021)

Oferta e inserção do DIU de cobre

na atenção primária à saúde:

fatores dificultadores no

âmbito da estratégia Saúde da Família no DF

“Excessos de critérios estabelecidos pelos serviços de saúde, limitação da atuação do enfermeiro, ausência de capacitação adequada e um protocolo pré-estabelecido para inserção desse dispositivo na atenção básica, preferência de não inserção e escolha de outros métodos contraceptivos vindo dos profissionais de saúde devido à sobrecarga de trabalho ou medo de falhas e à gestão e organização do serviço.” (FONSÊCA, 2021, p. 75).

Fonte: Gonzaga et al. (2017), Barreto et al. (2021) e Fonsêca (2021). Elaboração própria.

Nesse contexto, entre as barreiras identificadas pelos estudos supracitados para o acesso ao DIU na APS, estão a não disponibilização do método; a não utilização de protocolos específicos para disponibilização e inserção; o uso de protocolos sem evidências científicas; o excesso de critérios ou de solicitação de exames estabelecidos; a limitação da atuação do enfermeiro; a falta de informação da população; a falta de conhecimento e treinamentos dos profissionais de saúde; e as dificuldades na gestão e na organização do serviço (GONZAGA et al., 2017;

BARRETO et al., 2021; FONSÊCA, 2021).

Entre o excesso de critérios exigidos, estão não estar grávida; não ter infecção local; não ter sinais sugestivos de câncer de colo de útero; ter coletado células de colo de útero recentemente; indicação do médico ou enfermeiro; ter participado de grupo de planejamento reprodutivo; ter realizado Ultrassonografia; ter acima de 18 anos; estar menstruada; não ser nulípara, ou seja, ter filhos (GONZAGA et al., 2017; FONSÊCA, 2021).

A exigência de todos esses critérios é um problema na medida em que alguns não se justificam cientificamente e podem se constituir um empecilho para a decisão e inserção do método pelas mulheres. Nesse sentido, segundo o Manual Técnico do Ministério da Saúde, mulheres jovens e adolescentes e que nunca gestaram são indicadas para colocar o DIU; o DIU pode ser inserido em qualquer momento do ciclo menstrual, desde que excluída a gravidez; não é obrigatória a solicitação de ultrassom anteriormente e posteriormente à inserção, mas deve ser realizada antes na suspeita de má formação uterina e pode ser solicitado após para confirmação do posicionamento (BRASIL, 2018).

Heilborn et al. (2009), através de estudo sobre as perspectivas de usuárias sobre o atendimento em planejamento familiar e contracepção, identificaram dificuldades como a demora para os resultados dos exames e o agendamento da consulta em um único dia da semana:

ressalta-se que o DIU, apesar de ser um método disponível, conhecido e demandado pelas usuárias, é de baixíssima utilização. Quando elas optam por este método, se defrontam com dificuldades e contratempos da organização do atendimento (demora nos resultados de exames, agendamento da consulta para inserção do DIU em um único dia da semana), o que dificulta sobremaneira o acesso. Nestes casos, elas desistem desse método e optam pela pílula ou esterilização. (HEILBORN et al., 2009, p. 267, grifo nosso).

Outrossim, Moura, Silva e Galvão (2007) identificam problemas ao acesso ao DIU relacionados à falta de profissional capacitado; à falta do método, mesmo possuindo profissional capacitado; a problemas no encaminhamento para Atenção Secundária, em casos que esta se constituía como opção para inserção; ao fato de que o profissional da Atenção Secundária atendia só uma vez por semana. A respeito desse cenário, as autoras apontam que ele poderia ser amenizado com o maior gerenciamento da oferta de DIU e promoção de capacitação, ofertada pelos próprios médicos já treinados (MOURA; SILVA; GALVÃO, 2007).

De forma distinta aos estudos de Gonzaga et al. (2017) e Fonsêca et al.

(2021) que procuram identificar barreiras ao acesso ao DIU, Borges et al. (2020) realizam um estudo a respeito do conhecimento e interesse em usar o DIU entre mulheres em idade reprodutiva usuárias de UBS. Sob tal perspectiva, as autoras identificaram forte associação entre o conhecimento do DIU e o interesse em utilizá-lo, o que, para as autoras, pode ser justificado pela estigmatização do método (BORGES et al., 2020).

Assim, Borges et al. (2021) citam os motivos pelos quais as mulheres não se interessam pela sua utilização. Entre os motivos apontados pelas mulheres, estão informações como ser um método abortivo; ter dificuldade de engravidar após a retirada; necessitar de cirurgia para colocação; possuir maior chance de câncer de colo uterino; desconhecer sua eficácia, demonstrando tomar essa decisão com base em informações que não se verificam e, portanto, no baixo conhecimento sobre o método (BORGES et al., 2021).

Fica claro, portanto, o papel dos serviços de saúde na ampliação da oferta do DIU e na criação de um ambiente mais favorável ao seu uso.

É justamente nos serviços de atenção básica que mulheres e

casais podem obter mais informações, tanto a respeito da disponibilidade do método, quanto sobre sua segurança e eficácia. A necessidade por informações precisas esbarra no fato de que, em geral, os profissionais de saúde priorizam informar as mulheres e casais sobre o modo de usar e os procedimentos de inserção. (DONNELLY; FOSTER; THOMPSON, 2018 apud BORGES et al., 2020, p. 9, grifo nosso).

Por fim, destaca-se que Gonzaga et al. (2017), Barreto et al. (2021) e Fonsêca et al. (2021) apontam que os limites à atuação do enfermeiro se constitui como uma barreira ao acesso ao DIU na ABS. Nesse contexto, segundo a Norma Técnica nº 21/2021, publicada pelo em 26/10/2021, o Ministério da Saúde recomenda que a inserção do DIU seja feita apenas por médicos capacitados para o procedimento e não por enfermeiros, tendo em vista que “é necessário que o profissional de saúde tenha não apenas expertise na técnica de inserção do DIU, mas a capacidade de diagnosticar e tratar oportunamente as complicações” (BRASIL, 2022).

Contudo, conforme Brasil (2018, p. 22), “a inserção pode ser feita por profissional médica(o) ou enfermeira(o) treinada(o) e não deve ser uma prática exclusiva do especialista” e, de acordo com a Resolução do Conselho Federal de Enfermagem, COFEN nº 690/2022, o enfermeiro está habilitado para tal procedimento e deve realizá-lo “seguindo protocolos assistenciais, normas e rotinas e Procedimentos Operacionais Padrão-POP, e buscando a garantia do acesso e integralidade da assistência no campo do Planejamento Familiar e Reprodutivo”

(COFEN, 2022).

Trigueiro et al. (2020) apud Andrade et al. (2021) apontam que estudos que comparam a inserção do DIU por médicos e enfermeiros treinados indicam a ausência de diferenças relacionadas a intercorrências e complicações, o que demonstra que o procedimento pode ser realizado pelos enfermeiros com tanta segurança quanto realizado pelos médicos. Além disso, Lacerda et al. (2021), através de relato de experiência da inserção do DIU por enfermeiros na APS de Florianópolis (SC), ressalta que

O enfermeiro, ao oferecer a inserção do dispositivo de forma responsável e baseado na cientificidade, tem contribuído para a desburocratização do acesso ao método. Neste sentido, o processo de capacitação influencia positivamente a qualificação da assistência e, a prática relatada, tem demonstrado eficácia e segurança, além de ultrapassar modelos, até então hegemônicos e centrados na figura do médico. (LACERDA et al., 2021, p. 99).

Como será visto no capítulo seguinte, a reorientação do modelo assistencial hegemônico centrado na figura do médico se coloca como um dos objetivos primordiais da Estratégia Saúde da Família, o que, por sua vez, justifica a necessidade de repensar antigas práticas.