• Nenhum resultado encontrado

6 ASSISTÊNCIA EM PLANEJAMENTO FAMILIAR E OFERTA DO DIU NA

6.2 Oferta do DIU: apresentação e análise dos resultados

6.2.3 Processos de capacitação

Como visto na seção anterior, o profissional que realiza a inserção do DIU em algumas unidades se trata do médico(a) ginecologista. Contudo, conforme Brasil (2018), a prática da inserção do DIU não é exclusiva de especialista, podendo ser realizada por médico ou enfermeiro treinado. Nesse contexto, Barreto et al. (2021) e

Fonseca et al. (2021) apontam como desafio a falta de treinamento para o procedimento de inserção do DIU, com a consequente existência de poucos profissionais capacitados para sua realização.

Nesse sentido, ainda que o município de Divinópolis conte com poucos profissionais capacitados para colocação do DIU atualmente, existem algumas tentativas em curso de treinamento de médicos generalistas da ESF, em que os profissionais interessados têm a possibilidade de aprender a técnica junto a médicos ginecologistas que já realizam o procedimento na rede pública do município.

A secretaria de saúde ofereceu para os médicos clínicos, pra quem tivesse o interesse de colocar o DIU.. não é um curso, é tipo um treinamento com o profissional pra capacitar pra questão do DIU.. aí acho que nosso gerente encaminhou, deu nome de um clínico aqui pra ver essa capacitação.. (E1)

Eles tão fazendo uma capacitação pra médico, não é? isso eu sei..

mas a nossa médica aqui não foi capacitada ainda.. ela até já falou que se dispõe. (E8)

Parece que vai ser pra todo mundo… vai ser obrigatório entre aspas fazer essa capacitação. Pelo que me disseram, eles vão na unidade, dois médicos mais ou menos por semana, pra acompanhar a inserção.. (M2)

Ainda que esta seja uma potencialidade a ser destacada, os profissionais entrevistados apontaram uma série de dúvidas com relação ao processo em curso.

Entre os principais apontamentos realizados estão o pouco tempo disponível para o aprendizado da técnica, correspondendo a 1 ou 2 dias de acompanhamento do procedimento, e a observação de desinteresse dos profissionais indicados em se capacitar.

A ginecologista vai fazer o treinamento, mas é um treinamento rápido e eu não sei o quão eficaz isso vai ser e o quão benéfico vai ser pros usuários, vou ser muito honesta. Eu particularmente não sei se eu teria coragem de colocar o DIU com um treinamento de 1, 2 dias.. eu acho muito pouco. (M2)

Nossa médica aqui foi em 1 dia de capacitação, é uma capacitação que eles vão até a Policlínica e acompanha o ginecologista de lá que coloca [...] Mas não tem perspectiva de colocar na unidade, porque a médica foi só 1 vez e não voltou mais não.. não se sentiu segura pra colocar ainda não. (E6)

Em conversas informais, eu percebo que não há interesse em ser qualificado. Enquanto for só manifestação da vontade e interesse, por enquanto nenhum profissional manifestou interesse não. (E3)

Destaca-se que o treinamento tem como público alvo médicos generalistas, o que se encontra em convergência com a Nota Técnica publicada em 29/10/2021, pelo Ministério da Saúde, que recomenda que a inserção de DIU seja feita apenas por médicos capacitados, não sendo recomendado, pois, a inserção por enfermeiros (BRASIL, 2021). Contudo, o Conselho de Enfermagem autoriza que tal procedimento seja realizado por enfermeiros (COFEN, 2022) e alguns estudos, como o de Barreto et al. (2021), apontam como desafios do acesso ao DIU a existência de restrições à atuação do enfermeiro no serviço.

Nesse sentido, os profissionais entrevistados emitiram suas opiniões sobre a existência da Nota Técnica supracitada. Ainda que existam exceções de ambos os lados, a maioria dos profissionais médicos concordam com a recomendação feita, uma vez que existem possíveis complicações no procedimento, e a maioria dos profissionais enfermeiros não concordam, tendo em vista a própria autorização pelo Conselho e as possibilidades de aumentar a acessibilidade ao método com o treinamento de enfermeiros.

Um retrocesso, porque não é um procedimento invasivo a ponto de ser só o médico capacitado. É uma técnica, como toda técnica treinada, capacitada, consegue ser feita.. tem várias resoluções do próprio COREM que nos autoriza.. então acho que o profissional que vem pra agregar, ajudar a população é super válido. (E3)

A gente tem a resolução do COREN que é autorizado que o enfermeiros coloquem o DIU, desde que você esteja capacitado e seguro pra aquilo, né.. mas isso é vigente pra cada município.. igual o município de Divinópolis não autoriza que a gente coloque o DIU por enquanto, né.. mas eu concordo muito com essa nota, porque eu acho que enfermeiro tem sim capacidade de inserir DIU.. tanto que em Belo Horizonte todos os enfermeiros lá colocam DIU e é super tranquilo..

(E8)

Existe um risco, pequeno, mas existe a perfuração uterina, né? Então, acaba que é um respaldo a mais quando é o médico que coloca. Mas é igual eu te falei, eu como generalista eu não acho que eu tenho conhecimento suficiente para inserção de DIU hoje.. (M2)

Eu acho que é meio arriscado pro enfermeiro.. porque existe várias nuances da colocação do DIU que o médico está preparado pra resolver.. por exemplo, a paciente pode ter uma reação vagal, que pode gerar até crise convulsiva.. a pressão cai, a paciente fica com mal estar.. e isso acontece com frequência, então assim, será que o enfermeiro está capacitado para lidar com esse tipo de situação? uma perfuração uterina, que é possível.. até com médico [...] então assim, o procedimento que envolve um determinado risco, qualquer que seja o profissional que vai ligar com isso, ele tem que estar capacitado para lidar com a resolução dessas complicações. (M4)

Como visto, a principal razão apresentada por médicos para rejeitar a possibilidade de colocação do DIU por enfermeiros se trata da capacidade de resolução de complicações. Entretanto, cabe ressaltar que diversos profissionais também apontam receios com relação ao próprio médico generalista tratar as complicações, chamando atenção, ainda, para a necessidade de a prefeitura ter que dar assistência nesses casos e/ou propor um fluxo de encaminhamento de complicações.

Eu acho complicado uma vez que o DIU ele pode dar complicações/resoluções cirúrgicas.. então assim, para os clínicos isso é um pouco mais complicado, né.. a prefeitura vai ter que dar uma assistência para o caso de alguma complicação.. (M3)

Eu acho que é um negócio muito sensível, isso visto de colegas meus médicos.. porque mesmo médico, qualquer complicação que o médico tiver, fora do ambiente hospitalar.. ele tá numa complicação danada assim.. e apesar de existir o fluxo de descentralização, não existe o fluxo de encaminhamento de complicações.. (E2)

Visto isso, pode-se pensar que a existência de um treinamento por um curto espaço de tempo e a ausência de fluxo no caso de complicações podem ser fatores que levam os médicos generalistas a não se interessarem pela realização do treinamento e a oferta na própria unidade, configurando como desafio para a proposta de maior descentralização na oferta.