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Diversidades e Relações de Sujeitos Sociais na Cidade

1.3. A Cidade em Modernização

1.3.2. Diversidades e Relações de Sujeitos Sociais na Cidade

Mas quem eram os diversos sujeitos que constituíam o espaço urbano com suas culturas diversificadas em encontros, confrontos, submissões e ressignificações? Esses diversos moradores já tinham chamado a atenção de um viajante estrangeiro em viagem ao Brasil, Paul Adam, no livro Les Visages Du Brésil de 1914, cujos trechos foram traduzidos do francês.

“(...) este caboclo que descalço, conduz suas mulas atrás do bonde elétrico... os dândis em ternos brancos, com anéis em seus dedos finíssimos e morenos... estes ‘doutores’, médicos, engenheiros, arquitetos ou advogados... estas senhoras e suas negras que se agrupam em vestes coloridas em frente às igrejas de duas torres onde tocam sinos... estas professoras e estudantes vestidas pelos hábeis imitadores de nossos célebres costureiros... cidade de 300.000 habitantes ‘créoles’ e brancos negros e mulatos, caboclos e cafuzos, memelucos e curibocas, caraíbas, tupis e jês, todos igualmente vestidos de algodão limpo, com chapéus de palha limpa ou de feltro novo... todos igualmente satisfeitos com sua situação [...]”. 67

É interessante ressaltar a temporalidade cultural entre o caboclo descalço (atrás) e o bonde elétrico. Metáfora de tempos culturais distintos que se entranham e se estranham algumas vezes na cidade. A percepção das cores de pele das pessoas e outros traços ligados aos fenótipos e das denominações a partir das diferentes misturas de tons de cores que para a linguagem da época estavam associadas às misturas raciais.

A respeito de temporalidade diferente da já vivenciada pelos EUA, por exemplo, onde “tempo é dinheiro”, é significativo comparar aquele depoimento com o de outro viajante em 1892, dessa vez um norte-americano, Mr. Ballou, Belém teria “um modo de vida que conforma-se à influência climática(... )Tudo é muito vagaroso [quiet], não existe pressa”, mas avaliando de forma positiva : “ Isso tudo parece a um estrangeiro ser uma verdadeira poesia de vida”.68

Lembra o autor desse trabalho sua experiência de três anos de moradia em Copacabana, estudando em Niterói e trabalhando em uma favela na zona oeste e em uma escola em Olaria, zona norte, no Rio de Janeiro. Extremamente estressado pela vivência do ritmo urbano acelerado, voltou à Belém depois de três anos e, após alguns dias, teve sensação

67 ADAM, Paul, pp. 273-275 apud FREYRE, Gilberto. “Ordem e Progresso: introdução à História da Sociedade

Patriarcal no Brasil”.In: SANTIAGO, Silviano. Op. Cit., p. 569, nota de rodapé n. 25.

68 FREYRE, Gilberto. “Ordem e Progresso: introdução à História da Sociedade Patriarcal no Brasil”. In:

parecida com a do autor acima. De estar num lugar em que tudo acontecia como numa espécie de filme em câmera lenta.

Maria de Nazaré Sarges separa de um lado apresenta uma elite “classe de homens políticos e burocratas (...) os comerciantes, basicamente portugueses; os profissionais liberais, geralmente de famílias ricas e oriundos das universidades européias”. A esse grupo contrapõe o que ela denomina a “camada pobre da população”, composta pelos trabalhadores de construção pública e também por “alfaiates, sapateiros, relojoeiros, marceneiros e outros”. 69

Deveria ser acrescentado: lavadeiras, ambulantes, estivadores, prostitutas, gatunos etc. É preciso não esquecer, contudo, que os sujeitos sociais não estavam necessariamente ligados aos comportamentos esperados de seus ofícios e classes e muito menos em confrontos permanentes e inevitáveis. E, embora, contrapondo-se em vários momentos, uma cultura elitizada contra uma cultura plebeia, ambas podem também participar de aspectos culturais comuns sem o qual a hegemonia seria impossível.70A trama sinuosa que tece essa complexa realidade de sujeitos em tensões e negociações, faz recuperar apontamentos de Martín- Barbero:

“o valor do popular não reside em sua autenticidade ou em sua beleza, mas sim em sua representatividade sociocultural, em sua capacidade de materializar e de expressar o modo de viver e pensar das classes subalternas, as formas como sobrevivem e as estratégias através das quais filtram, reorganizam o que vem da cultura hegemônica, e o integram e fundem com o que vem de sua memória histórica”.71

Para Castro, o crescimento acelerado da cidade contou além de uma forte imigração portuguesa e nordestina com “fluxos migratórios espanhóis, franceses e italianos, além de fluxos do interior paraense”.72 Poder-se-ia acrescentar judeus e sírio-libaneses. Como se verá , a naturalidade das alunas matriculadas na EN, no período entre 1890 e 1920, mostrará a procedência de grande parte das alunas de estados nordestinos.

Nessa cidade, os sujeitos sociais vivenciaram momentos de compartilhamento de práticas culturais, mas também de confronto entre modos de vida que as elites vivenciavam ou queriam vivenciar e os das camadas populares.

69 SARGES, Mª de Nazaré. Op. Cit., p. 58.

70 Não há como não lembrar aqui os trabalhos a respeito de cultura e classe social de THOMPSON, E. P.

Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras,1998.

MARTÍN-BARBERO, Jesús. Op. Cit., GARCÍACANCLINI, Néstor. Op. Cit.

71 MARTÍN-BARBERO, Jesús. Op. Cit., p. 113. 72 CASTRO, Fábio. Op. Cit., p.16.

a) Encontros

A historiografia da chamada belle époque amazônida, como filha de seu tempo, enfatizou inicialmente as elites locais, suas articulações e conflitos e, numa outra etapa, o processo modernizador empreendido nas duas principais capitais da região Belém e Manaus, ou o que acaba sendo similar ao período anterior, a cultura das elites locais daquele espaço de tempo.

Letícia Pantoja73 abordou esse momento, não só como de práticas culturais das elites locais, mas principalmente os modos de morar, lazer e trabalho das camadas subalternas da cidade de Belém. No entanto, se as camadas populares apresentam-se como sujeitos históricos no palco da cidade, a autora preferiu afirmar as diferenças e conflitos entre elites e subalternos do que mostrar pontos de contato e diálogo. Onde estariam os espaços de convivência? Entre patrões e empregados, por exemplo? Qual o papel dos espaços públicos e dos jornais como formadores de opiniões e comportamentos comuns?

Reporta-se aqui aos chamados Estudos Culturais e no conceito de hibridação, hegemonia que embora não neguem a dominação, permitem analisar também aspectos culturais compartilhados por populares e elites. A propósito, Letícia Pantoja mostra uma foto de uma rica senhora pertencendo a uma família abastada, coberta de jóias, com roupas finas, mas flagrantemente afroindígena. A autora percebe a mestiçagem étnica, mas não dialoga com o conceito de mestiçagem cultural. Elites e camadas populares parecem pertencer a mundos muito distintos. Ora, como lembra Martín-Barbero, é necessário interpretar a:

“trama (...) nem toda assimilação do hegemônico pelo subalterno é signo de submissão, assim como a mera recusa não o é de resistência, e que nem tudo que vem ‘de cima’ são valores da classe dominante, pois há coisas que, vindo de lá, respondem a outras lógicas que não são a de dominação”. 74

Já Aldrin Moura de Figueiredo 75, ao construir interessante diálogo entre história e antropologia, aproxima-se mais das pontes construídas, através da cultura, unindo o universo das elites e dos setores populares76. Seja através das práticas de pajelança, seja através de

73PANTOJA, Letícia Souto. Op. Cit., Foto 1. 74MARTÍN-BARBERO, Jesús. Op. Cit., p.114.

75 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Cidade dos Encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-

brasileiras na Amazônia: 1870-1950. Belém: Edufpa, 2008.

76 Entende-se por setores populares os sujeitos que ocupavam posições subalternas e ligadas principalmente às

atividades manuais, predominantemente afroindígenas. Esse grupo se amplia com imigrantes pobres de diversas origens como portugueses, espanhóis, etc. Com uma forte tradição oral e rural, sem negar a presença de expressões e práticas híbridas, local e global, popularespartilharam aspectosdos modos de vida considerados eruditos, influenciando e sendo influenciados. A constituição das camadas populares se faz em confrontos e negociações com as elites. Na construção dessa categoria ver: GARCÍA CANCLINI. Op. Cit., MARTÍN-

matrizes culturais diversas que os setores populares utilizam pelas apropriações e ressignificações.

A “Irmãs de S. Benedito” foi uma comunidade de escravas que se constituiu em Belém por volta de 1870, lideradas pelo barbeiro mulato Marcos Florêncio de Brito. A festa dessa irmandade ganhou prestígio. No terceiro ano, 1872, Arthur Vianna descreve o baile formado basicamente por negros e mulatos:

“nada oferecia de curioso, a não ser a mistura profusa de trajos: ao lado das mulatas e das mamelucas vestidas de cetim, fustão ou Bretanha fortemente gomadas (...) sustentando o ramo de jasmim, os pés nus metidos a meio em vistosas chinelinhas de polimento, dançavam moças, também mestiças, porém já atingidas pela evolução, com as cinturas rebaixadas a espartilho, roupas copiadas dos figurinos estrangeiros, penteados também plagiados dos modelos europeus(...)”77

O trecho acima evideencia certo espanto e olhar evolucionista racial ao afirmar que algumas das participantes já haviam evoluído a ponto de copiar modelos europeus de vestuário. Em seguida, fez as mesmas ponderações em relação ao traje dos homens. E descrevia o programa do baile: “(...) O programa moldava-se pelo estrangeirismo; dançavam- se valsas, polcas e quadrilhas, metodicamente dispostas três a três(...)” 78A partir daí, o ludum substituía as danças europeias, o baile “(...) oferecia um conjunto pitoresco palpitante e ardente [as mulatas]... mostravam a sua notável perícia coreográfica, executando habilmente o caprichoso lundum”. 79

Assim, evidencia-se o partilhamento de tradições culturais de origem europeias misturadas com outras de matrizes africanas. As primeiras, demonstradas nas danças associadas às elites, mas também partilhadas até certo ponto pelas camadas populares, como forma de exibir respeitabilidade e as segundas, exemplificadas pelo lundu, preferencialmente usadas pelas camadas populares. Dalcídio Jurandir, escritor que como um bom etnógrafo teria registrado os comportamentos de setores populares, em um de seus romances descreve um baile no interior do estado em que as mulheres chegavam e começavam a dançar com sapatos e em certo momento ficavam descalças.

Mas, se práticas das elites eram copiadas, ressignificadase apropriadas pelos setores subalternos, o inverso também ocorria. A esse respeito, ao se analisar algumas fontes,

BARBERO. Op. Cit., HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

77Arthur Vianna apud SALLES, Vicente. O Negro na Formação da Sociedade Paraense. Op. Cit., pp.157-

158.

78Idem. 79Idem, Ibidem

amplamente utilizadas por uma historiografia de profundo viés tradicional − onde os sujeitos que fariam a história seriam as autoridades constituídas ou membros das elites locais e cuja veracidade seria garantida pelos documentos ditos oficiais − foi encontrado alguns exemplos de comportamentos compartilhados, o que vem ao encontro do que foi analisado nesta pesquisa.

A primeira evidência foi na discussão entre Paes de Carvalho e o major João Maciel da Costa em torno de quem teria proclamado a república no Pará. O major Maciel respondeu a Paes de Carvalho no “Diário do Grão Pará”, de 22 e 23 de setembro de 1890 dizendo que ele e Justo Chermont tiveram posição dúbia e vacilante no episódio. Maciel, na tarde do dia 15 de novembro, logo após receber um telegrama de Quintino Bocaiúva dando notícias da proclamação da República, colocou-se, como comandante militar, à disposição do Clube Republicano para a deposição do presidente provincial. Mas, Paes de Carvalho disse que daria uma resposta após uma reunião do clube marcada para essa mesma noite.

De um informante, o Major Maciel ouviu que na reunião do clube, Paes de Carvalho encerrou a discussão sobre a adesão ou não à república o seguinte: “Vamos para as nossas casas, tomemos as nossas redes e deitemos com as nossas esposas e vamos aguardar as ordens do Rio de Janeiro”.80Portanto, o hábito de usar redes, oriundo de práticas indígenas e populares seculares atingiu amplas camadas da população local , nesse período, embora o discurso hegemônico referenciasse modos de vida estrangeiros como modelos de conduta.

Após a eleição do Congresso do Pará, que elaborou a constituição do estado e elegeu o primeiro governador republicano pelo voto indireto, Lauro Sodré, houve um levante no dia 11 de junho. Os líderes desse movimento, entre outros, eramVicente Chermont de Miranda, Major Gama Costa e Veiga Cabral, todos ligados ao Partido Democrático, constituído em sua ampla maioria de ingressos do antigo Partido Liberal da época imperial.

Após a derrota, e efetuada a prisão dos principais envolvidos, o major Gama Costa prestou depoimento ao primeiro delegado da polícia no Arsenal de Marinha em 13 de junho de 1891: “(...) Só pela manhã de 11 soube do movimento pela madrugada, foi preso em sua casa, na sala de jantar, deitado em uma rede de maqueira conversando com o Sr. Ayres de Souza e do menino Henrique Lobato”. 81

Silveira, referindo-se a um artigo de jornal de 1878, a respeito de uma peça realizada naquela casa de espetáculos reproduz o seguinte comentário:

80 MEIRA, Octávio. Op. cit. p. 39, acrescentado negrito nas palavras. 81 Idem p. 366, acrescentado negrito na palavra rede.

“Além dos muitos eventos que por conta própria fizeram os actores na peça de Macedo, lembrou-se a empreza de terminal-as com um samba ou batuque, mais próprio de circo de cavallinhos, ou cousa que o valha, do que um theatroserio. No entanto, para vergonha do nosso publico, foi essa parte mais applaudida da comedia”.82

O batuque era um tipo de dança fortemente associado aos negros e camadas populares. Assim ao se manifestar num espaço considerado erudito ou elitizado comprova as interações e ressignificações possíveis como se falou anteriormente. Ainda a respeito da presença da música popular num espaço que em princípio seria de uma cultura erudita, numa entrevista, o pesquisador Vicente Salles lembra que:

“há carimbó na ópera do maestro Gama Malcher. Lá pelas tantas na ópera aparecem dois caboclos tocando carimbó e gambá. O gambá, do baixo Amazonas, é o carimbó aqui da nossa região. Isso em 1892, no Teatro da Paz. Já se tocava carimbó.” 83

José Veríssimo apresentou umtrecho significativosobre a temática em tela:

“Ainda se encontram pessoas, principalmente mulheres velhas, que por dinheiro nenhum dariam o muiraquitã, que à guiza de amuletos pende-lhes do pescoço, junto no devoto rosário com figurinha de pau de Santo Antônio, bracinhos de osso (figas) e dentes de animais. De iguais penduricalhosenchem as mães − muitas de famílias que se têm por civilizadas – os pescoços dos filhinhos, e ajuntam-lhes mais dentes de certas cobras, de boto, pequenos punhos de homem, bicos de acua e outras aves, conchas, olhos de santa Luzia em metal, figurinhas de S. Brás em osso, para preservá-las de quebranto, caruaras, maus olhados, de moléstias como convulsões, diarréias, mal de olhos e de garganta e outros ataques peculiares à infância”. 84

Aqui fica claro, dentro do universo das elites, fortemente influenciada pelo cientificismo de além mar, a utilização de práticas populares e centenárias de medicina que são então partilhadas por diversas classes sociais. Numa instituição que seria criada, entre outras coisas, para ajudar no processo de disciplinarização e civilização como a EN, pode-se encontrar uma correspondência do inspetor José Gentil Raiol em 17 de maio de 1897:

“Participo a V. Sª que o alunno da Escola Normal, Raymundo Nonato da Silva e Cunha, ausentando-se 3.ª feira do estabelecimento foi a taberna do canto e la tomou ½ copo de cachaça, cheia a boca que derramou em seus

82 Chronica theatral, 17/03/1878 apud SILVEIRA, Rose. Op. Cit. pp.131-132.

83 O Liberal. Vicente Salles é a memória viva do Pará. O Liberal, Belém, 4 de dez. 2011. Atualidades, p. 06. 84 José Gentil Raiol apud FIGUEIREDO, Aldrin M. de. Op. Cit., p. 101. Acrescentou-se negrito em palavras.

colegas...Censurando o referido alumno, disse-me que não admitia censuras e que não tinha satisfações a dar satisfações de seus atos.85

Apesar de toda a campanha do intendente Antonio Lemos, entre 1897 e 1911, de inculcar novos hábitos de higiene na população, um leitor escreve a um jornal que os poderosos também não tinham preocupação em cuidar do lixo: “certos melhoramentos aqui introduzidos Sr relator, seriam magníficos se fosse todos, gregos e troyanos, obrigados a cumpri-los (...).Mas assim não acontece(...) das casas de aparência nobre, onde moram thureferarios, dos todos os poderosos deitam lixo no chão, como que desafiando a autoridade dos guardas e fiscais (...). 86

Nesses pequenos episódios, como aplaudir danças eminentemente plebeias e de negros, dormir em rede, usar práticas de pajelança, tomar cachaça em plena manhã por um aluno da Escola Normal − e restando a dúvida se o inspetor estava mais indignado pelo ato de tomar cachaça, ou de o aluno a ter jogado nos colegas, ou ainda de o aluno o ter enfrentado −, a resistência de novos hábitos seja da cultura erudita ou mesmo de higiene por parte das elites, demonstra uma maneira bastante diferente do padrão europeu, no qual a elite se representava, além de ser amplamente compartilhado por diversos setores da sociedade como práticas culinárias compartilhadas. Assim, a cultura da dita belle époque é traspassada por várias matrizes culturais inclusive a afroindígena.

Dessa forma, afirmativa de Ana Carolina Escosteguy reforça compreensões das relações que diferentes sujeitos e culturas estabeleciam entre si no final do século XIX e primeiras décadas do século XX: “(...) não existe um confronto bipolar e rígido entre as diferentes culturas. Na prática, o que acontece é um sutil jogo de intercâmbios entre elas. Elas não são vistas como exteriores entre si, mas comportando cruzamentos, transações, intercecções (...)” 87

b) Desencontros e Submissões: Entre Polícia e Higiene

Embora haja o compartilhamento entre diversos grupos sociais de práticas culturais há também fortes oposições que acabam levando a diversos tipos de conflitos. O tempo poético

85 Arquivo Público do Estado do Pará, a partir de agora (APEP). Escola Normal: Caixa de Petições de Matrícula

e de Segunda Época. 1890, 1893, 1894, 1897, 1898, 1899, 1900, 1901, 1902, 1903, 1909, 1910, 1912, 1911, 1912, 1918.

86 No principal jornal da oposição, Folha do Norte, Belém, 27 de julho de 1904, apud SARGES, Mª de Nazaré.

Op. Cit., pp.105-106. É de notar aqui a afirmação de Castro: “potes de tapioca mandados fazer em louça de Chartres”. CASTRO, Fábio. Op. Cit., p. 175.

enfatizado acima e essa aparente satisfação geral contrapunham-se com as falas de alguns governadores, por exemplo.

O processo de modernização da cidade, principalmente entre 1897 e 1910 seria também um processo excludente e intimamente associado a uma política de higienização a qual procurava, entre outros objetivos, ações de controle social.88 Em 17 de dezembro de 1897 era criada, inclusive, uma Polícia Municipal “como controle e vigilância dos componentes da sociedade (...) exigindo dos cidadãos que agissem de acordo com os padrões higiênicos definidos pelas autoridades sanitárias”. 89

Pantoja mostra os comportamentos masculinos e femininos das camadas populares, as formas de constituir famílias, de morar, lazer e trabalho que iam de encontro às expectativas de grupos hegemônicos, provocando, inevitavelmente conflitos. Tais litígios pipocavam em anúncios anônimos de jornais, que condenavam esses modos de viver, revelando formas de discriminação e preconceitos, até a atuação direta do aparato policial e judiciário.90 Embora se concorde em geral com o seu argumento, observa-se que na ênfase de contrastar práticas culturais distintas, a autora acaba por homogeneizar excessivamente, tanto os grupos hegemônicos, quanto os populares, não percebendo as diferenças e conflitos dentro de cada um deles.

Veja-se o que informam as mensagens de governadores entre 1891 e 1920 a respeito dos embates entre modos de vida diferenciados, dificuldades de acomodações políticas entre outros e as eventuais resistências.

Logo após a tomada do poder, o grupo republicano já pensava em vigiar melhor o espaço urbano da cidade, através da numeração das casas. Símbolo da disposição burguesa em controlar as cidades que estavam se transformando num espaço cada vez mais massificado e moderno. O decreto n. 157 de 10 de julho de 1890: “Approva a postura Municipal de Belém sobre a numeração dos prédios urbanos”.91 Seria feita com algarismos brancos em relevos, sobre placas de metal, com fundo azul esmaltado. 92

Em 1891 era noticiada uma revolta ocorrida no ano anterior contra a posse do primeiro governador eleito, Lauro Sodré.93 Por sua vez, este afirmava à necessidade da criação de uma penitenciária, além de denunciar a carestia, escassez de carne verde e o

88 Idem, p. 97. 89 Idem, p. 98.

90 PANTOJA, Letícia Souto. Op. Cit.

91 PARÁ. Decretos e actos do Governo do Estado do Gram-Pará. Belém: Typ d’A Provincia do Pará, 1890. 92 Idem.

93 Relatorio com o que o Capitão-Tenente Duarte Huet de Bacellar Pinto Guedes passou a administração do

estado do Pará em 24 de junho de 1891 ao Governador Dr. Lauro Sodré, eleito pelo Congresso Constituinte em