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5 UM ESPAÇO ENUNCIATIVO: CONSTITUIÇÃO DE UMA LINGUAGEM

5.3 DO APARATO METODOLÓGICO

Para desenvolver nossa análise procuramos estabelecer o que a palavra

tradição designa no conjunto de textualidades que selecionamos. Nesse trabalho

realizamos uma análise do funcionamento da palavra tradição a partir desse conjunto de textualidades, levando em conta o sujeito gaúcho na história e a constituição de uma linguagem gauchesca. Nesse sentido, a questão de pesquisa que orientou esse estudo foi o funcionamento da palavra tradição na materialidade linguística e enunciativa de um conjunto de textualidades caracterizadas por constituir uma linguagem gauchesca, sobre a qual se procedeu a análise do Domínio Semântico de Determinação dessa palavra, para, ao final, apresentarmos a rede de sentido que a palavra tradição constitui. É assim que uma mesma palavra, representada em textos (que constroem e alimentam a figura do gaúcho) diferentes

e em um mesmo espaço de enunciação, pode significar (designar) diferentemente e ajudar a constituir uma linguagem própria: a linguagem gauchesca.

Zandwais (2012, p. 187) nos diz que “a língua em funcionamento, enquanto linguagem reflete não somente os diferentes modos de relação dos sujeitos com ela, caracterizando sua própria hibridez, mas também as condições em que os sentidos se deslocam”.

Consideramos assim, uma enunciação específica: a do discurso publicitário, para buscar compreender a designação da palavra tradição, descrevendo e interpretando os sentidos que emergem dessa palavra na constituição e no funcionamento da linguagem gauchesca. Com isto, a palavra tradição se relaciona com a história e se articula com as diferentes manifestações da linguagem gauchesca.

Para tanto, a fim de respondermos essa questão, mobilizamos para a análise três pontos teóricos: primeiro, o conceito de palavra; segundo, o que é textualidade; terceiro, o mecanismo de funcionamento do sentido da palavra tradição e seu Domínio Semântico de Determinação.

A partir desses pontos teóricos, estruturamos nossa análise em duas etapas: uma descritiva, na qual descrevemos o funcionamento semântico da palavra dentro dos enunciados e do enunciado com outro enunciado. Essa descrição tem por objetivo explicitar como os procedimentos de reescrituração e articulação funcionam no enunciado para constituir a significação da palavra tradição. E uma parte interpretativa desse conjunto de Domínio Semântico de Determinação, demonstrando que efeitos esse DSD tem na constituição de uma linguagem gauchesca que vai além do linguístico, que não se restringe apenas à língua em funcionamento, mas a toda uma expressão que é visual, gestual, estética, etc. Ressaltando que neste trabalho nos atemos aos elementos visuais (imagem) e linguísticos.

A perspectiva teórica adotada neste trabalho situa-se na ordem da Semântica do Acontecimento, teoria proposta pelo linguista Eduardo Guimarães, que “considera que a análise do sentido da linguagem deve localizar-se no estudo da enunciação, do acontecimento do dizer” (GUIMARÃES, 2002, p.7). Ou seja, a “significação é produzida enunciativamente no e pelo acontecimento da enunciação” (GUIMARÃES, 2002, p. 7). Assim, palavras e expressões são significadas a partir do que se diz e o dizer (a enunciação, seja ela escrita ou oral) vai construindo a memória de uma

palavra na língua. Para esta teoria enunciativa, a história da palavra é a história de suas enunciações.

Diante disso, a teoria da enunciação é entendida por Guimarães como um acontecimento histórico relativo à produção do enunciado. Nesse sentido, consideramos que a “enunciação, enquanto acontecimento da linguagem se faz pelo funcionamento da língua.” (GUIMARÃES, 2002, p. 11). Funcionamento esse orientado por uma memória de dizeres sociais, a partir dos quais a língua passa a ter significado. De tal modo, “o acontecimento é sempre uma nova temporalização, um novo espaço de conviviabilidade de tempos, sem a qual não há sentido [...] não há enunciação.” (GUIMARÃES, 2002, p.12). Dito de outra forma: acreditamos que a significação constitui-se discursivamente a partir de um acontecimento enunciativo. Este acontecimento enunciativo, conforme propôs Guimarães (2010, p. 12) temporaliza, pois o presente e o futuro próprios do acontecimento funcionam por um passado que os faz significar.

A temporalidade do acontecimento constitui o seu presente e um depois que abre o lugar dos sentidos, e um passado que não é lembrança ou recordação pessoal de fatos anteriores. O passado é, no acontecimento, rememoração de enunciações, ou seja, se dá como parte de uma nova temporalização, tal como a latência de futuro. É nesta medida que o acontecimento é sempre uma nova temporalização, um novo espaço de conviviabilidade de tempos, sem a qual não há sentido, não há acontecimento de linguagem, não há enunciação (GUIMARÃES, 2012, p. 12).

Dessa forma, cada dizer é um acontecimento enunciativo diferente. O dizer não é repetível. Cada vez que a palavra tradição é (re) dita se constitui um novo acontecimento na enunciação. Guimarães considera a relação entre enunciação e acontecimento em relação à história, à memória sem tratar o tempo de forma cronológica.

Desse modo, para Massman (2016) o dizer é um acontecimento e a cada acontecimento as palavras podem assumir sentidos diversos. É, no acontecimento

do dizer, que o sentido se constitui, pois a língua54 em funcionamento movimenta-se,

transforma-se e significa de diferentes formas. Este processo de produção de

54Lembrando que neste trabalho, a língua não é tomada “como uma estrutura, um sistema fechado,

mas como um sistema de regularidades determinado historicamente e que é exposto ao real e aos falantes nos espaços de enunciação” (GUIMARÃES, 2007, p. 96).

sentidos mobiliza procedimentos enunciativos distintos que afetam, reescrevem, retomam e ressignificam aquilo que já foi dito.

Para Guimarães (2005), o acontecimento se apresenta diferente, na medida em que o mesmo afirma que ao considerar o acontecimento enunciativo, o faz por meio de uma perspectiva diferenciada de tempo.

De acordo com o autor, não é o sujeito que temporaliza, mas o acontecimento, de forma que o sujeito é tomado na temporalidade do acontecimento. Assim, todo acontecimento de linguagem significa porque projeta em si mesmo um futuro. Esse presente e futuro funcionam por um passado que os faz significar e essa latência de futuro, que projeta sentido no acontecimento, significa porque o acontecimento recorta um passado como memorável. O sujeito é tomado na temporalidade do acontecimento.

No acontecimento, a língua, e o sujeito que se constitui pelo funcionamento da língua na qual se enuncia algo, são, de acordo com Guimarães (2005), elementos decisivos para a conceituação deste acontecimento.

A partir dessa abordagem teórico-metodológica demonstramos como a linguagem gauchesca se constitui a partir do funcionamento da palavra tradição nos diferentes textos analisados, e como a palavra tradição determina esse sujeito enunciador gaúcho, a partir de uma memória, que faz a língua funcionar e na qual se organizam e projetam relações de sentido. Isto implica tomar a língua em seu funcionamento enunciativo, considerando a relação sujeito-língua(s), assim como a das línguas entre si, uma vez que nosso olhar é para a língua em funcionamento. Esses procedimentos constituem a textualidade do enunciado, produzindo sentidos, ou porque retoma, reescrevendo outra expressão, ou porque se articula, estabelecendo relações semânticas.

Consideramos que os sentidos são produzidos pelo funcionamento da língua no acontecimento da enunciação e que o sujeito do dizer está afetado por esta língua e, portanto, por esses sentidos. Este conjunto de textualidades que selecionamos configura um espaço de enunciação específico, que chamamos de espaço de enunciação gauchesco. Enquanto sujeito, o gaúcho é constituído pela memória discursiva, pela memória da língua e por esse espaço de enunciação gauchesco.

Partindo de Guimarães, entendemos a textualidade como aquilo que faz com que um conjunto de enunciados seja um texto, produzindo relações de sentido. A

textualidade é então, responsável pelas relações de sentidos entre os enunciados. Desse modo, as palavras ou “expressões linguísticas significam no enunciado pela relação que têm com o acontecimento em que funcionam” (GUIMARÃES, 2005, p. 5), sendo o texto compreendido, tal como conceituado por Guimarães(2011, p. 9), como “uma unidade de significação” e caracterizado “não como composto por segmentos, mas como integrado por elementos linguísticos de diferentes níveis e que significam em virtude de integrarem esta unidade”. Um texto é constituído por um conjunto de enunciados articulados entre si (Ibid., 2007, p. 83). E é nessa e por essa relação que o sentido se produz.

O texto se caracteriza por ter uma relação com outras unidades e linguagem, os enunciados, que são enunciados e que significam em virtude dessa relação. O texto é, nesta medida, uma unidade que se apresenta entre outras da mesma natureza (GUIMARÃES, 2011, p. 20).

As sequências enunciativas são aqui tomadas enquanto discursividades na linguagem gauchesca. Esses elementos linguísticos revelam uma caracterização do falar do gaúcho. Essa discursividade se dá pelo funcionamento de uma memória, significando uma ideologia histórica relativa à formação de uma identidade gaúcha – como identidade política e social de uma região (STURZA, 2006).

O discurso na linguagem gauchesca se representa no conjunto destas textualidades que reunimos e que identificam o homem, o meio, os usos, e os hábitos e costumes do sujeito gaúcho. Nesse conjunto de enunciações constituídas por essas textualidades é possível observarmos uma representação do que é gauchesco e o que a ele está remetido.

5.4. UMA PALAVRA E SEUS SENTIDOS: O DOMÍNIO SEMÂNTICO DE