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5 UM ESPAÇO ENUNCIATIVO: CONSTITUIÇÃO DE UMA LINGUAGEM

5.4 UMA PALAVRA E SEUS SENTIDOS: O DOMÍNIO SEMÂNTICO DE

5.4.2 Procedimento de reescrituração

O mecanismo da reescrituração segundo Guimarães (2005, p. 46) “[...] é um método, um procedimento de análise que consiste em se redizer o que já foi dito. Ou seja, uma expressão linguística reporta-se a outra por algum aspecto que as relaciona no texto integrado pelos enunciados em que ambas estão”. Ainda, segundo este autor, trata-se de um modo de construir o sentido para uma determinada palavra, em que a enunciação de um texto rediz ou retoma o que já foi dito. Este procedimento atribui (predica) algo ao reescriturado por meio de marcas

linguísticas ou expressões que as retomam. É um procedimento com vários modos

A reescrituração é uma operação que significa, na temporalidade do acontecimento, o seu presente. A reescrituração é a pontuação constante de uma duração temporal daquilo que ocorre. E ao reescriturar, ao fazer interpretar algo como diferente de si, este procedimento atribui (predica) algo ao reescriturado. E o que ele atribui? Aquilo que a própria reescrituração recorta como passado, como memorável (GUIMARÃES, 2005, p.28).

Uma expressão reescritura outras de diversos modos, podendo ocorrer por diferentes maneiras (GUIMARÃES, 2007) quando o acontecimento enunciativo é posto em funcionamento, na língua:

►Por repetição: quando uma expressão ou palavra é repetida tal qual aparece na primeira vez;

►Por substituição: quando uma expressão é retomada por outra em outro ponto do texto substituindo-a;

►Por elipse: neste caso a palavra é omitida em algum momento do texto; ►Por expansão: uma expressão ampliada reescreve um sintagma ou palavra; ►Por condensação: quando a expressão é retomada de modo conciso por outra, sintetizando-a;

►Por definição: quando a reescrituração define o que já foi dito, retomando-a. A reescrituração coloca em funcionamento uma operação enunciativa fundamental na constituição do sentido de um texto, que Guimarães (2004) chama de operação de predicação. A predicação é um mecanismo de funcionamento semântico que utilizaremos para explicitar este dizer sobre o gaúcho, que se constitui no funcionamento de linguagem gauchesca.

Consideramos o dizer na língua, onde a predicação diz algo sobre tradição, um procedimento analítico (Id., 2006a, p. 131) pelo qual o sujeito atribui sentidos aquilo que diz. Dizer na língua é predicar, todavia, não dentro dos limites do funcionamento sintático, mas no plano discursivo, onde podemos considerar o enunciador como sendo constituído historicamente e, portanto, sujeito do dizer. Predicar na língua é, neste sentido, mais que defini-la, que caracterizá-la. É produzir novos sentidos. É “uma operação pela qual, no fio do dizer, uma expressão se reporta a outra, pelos mais variados procedimentos” (Id., 2007).

Para Guimarães (2006a, p. 131), uma relação predicativa “é aquela que se dá no interior de uma sentença ou enunciado”, podendo ocorrer de diversos modos, o que a faz significar em cada instância de modo diferente. Predicar é, então, falar

sobre em circunstância determinada e colocando em relação sujeito e enunciado, resultando em produção de sentidos.

Para melhor caracterizar o procedimento da reescrituração, trazemos como exemplo uma materialidade não linguística, a fim de observarmos como se dá o modo de constituição do sentido no enunciado, neste caso numa linguagem gauchesca não verbal.

Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/degalpao/2014/03/08/de-galpao-desvenda-os-mitos-e-verdades-do- chimarrao/

Nessa reescrituração de tradição, temos a presença de um enunciado que constitui-se na linguagem visual enquanto um discurso sobre o gaúcho e sobre a tradição à medida que chimarrão remete a um hábito regular, incorporado pelo gaúcho e simbolizado como referência de tradição. Esse enunciado funciona como um significante constituído pela imagem da cuia. Esse significante representado pelo plano não linguístico é repetido de modo a produzir diferentes tipos de apresentações do modo de preparar a cuia, nas formas de elaborar a bebida tradicional do Estado, destacando uma estética do chimarrão, que se inclui em uma linguagem gauchesca. O dizer sobre (nesse caso um dizer não verbalizado) que se significa pela apresentação do chimarrão faz com que a cuia, enquanto elemento material remeta a uma simbologia daquilo que é do universo gauchesco. A imagem

da cuia faz funcionar no enunciado o sentido de pertencimento, significando um costume que é do Rio Grande do Sul e do gaúcho.

Um aspecto interessante de comentar aqui é que a imagem integra um enunciado que se repete através dos diferentes modos de fazer chimarrão, logo, significam uma diferença e a rememoração de um costume. Dessa maneira, a cuia passa a ser significada como a representação de uma tradição que se expressa no chimarrão.

De acordo com Guimarães (2007, p. 87), a reescrituração funciona justamente como um mecanismo analítico que nos permite observar como se articula, se conectam

[...] pontos de um texto com outros do mesmo texto, e mesmo pontos de um texto com pont os de outros textos. [...] este processo, ao se dar, produz sentido na medida em que ao retomar alguma expressão faz que ela signifique de outro modo. [...] nosso interesse, então, não está no fato de que uma retomada se faz sobre algo que é o mesmo, mas ao contrário, ao se fazer, faz significar algo que não estava significado (GUIMARÃES, 2007, p. 87).

O movimento, produzido enunciativamente, de redizer o que já foi dito produz efeito de sentido sobre a significação do texto, pois dizer de novo não é dizer a mesma coisa: no movimento de repetição do mesmo, a diferença emerge como efeito. O movimento de redizer produz, assim, uma deriva para o sentido produzido na/pela relação de reescrituração entre duas formas integrantes de um mesmo texto; ou seja, a reescrituração é um procedimento que projeta sentidos sobre aquilo que é dito de novo. A reescrituração, dessa forma, é capaz de estabelecer um percurso de sentido(s) materializado no acontecimento da repetição, pois aquilo que é dito novamente já constitui outro acontecimento enunciativo.

Portanto, a reescrituração nos permite observar como o movimento de uma palavra no texto afeta o sentido tanto da própria palavra como de outras palavras e do texto, de um modo geral. Essas operações de reescrituração, como já visto, permitem a significação de outro(s) sentido(s), pela repetição de um sentido já posto, já conhecido.

Descritas as operações analíticas de articulação e reescrituração, apresentamos a seguir a análise que realizamos do funcionamento semântico- enunciativo da palavra tradição. Para isso, analisamos como as operações de articulação e reescrituração são agenciadas pelo acontecimento de sua enunciação.

A análise dos sentidos da palavra a partir destes dois procedimentos, leva à elaboração do domínio semântico de determinação (DSD) da palavra tradição em um texto e como ela se constitui em uma designação muito específica na linguagem