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Do fundamento do dever de pagar tributos no Estado Democrático de Direito

3.2 Os fundamentos do dever de pagar tributos no Estado Fiscal de Direito

3.2.3 Do fundamento do dever de pagar tributos no Estado Democrático de Direito

Comprimir a fórmula do Estado Democrático de Direito em uma definição

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CARDOSO, 2013, p. 132.

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conceitual precisa, com base nas suas manifestações constitucionais contemporâneas, não é tarefa simples. Traçar-lhe os limites em preceitos replicáveis padece do encurtamento da distância entre o objeto e o observador. Se as configurações do Estado Liberal e do Estado Social, ainda que desafinadas a depender do tempo ou da geografia em que analisadas, encontraram constância nos séculos passados a ponto de apresentarem, de forma acabada, cada uma, princípios e limites que as diferenciassem diametralmente e pudessem, dessa forma, atribuir-lhes conceitos próprios, o mesmo não se pode dizer do Estado Democrático de Direito.

Não se propõe o presente estudo a resolver, portanto, problema de tão considerável monta. Para os fins desta investigação, basta, quanto ao Estado Democrático de Direito, em vez de elaborar-lhe a teoria geral, identificar-lhe a nota destoante (ou as notas destoantes) dos modelos anteriores, o que, para a posterior aferição da reformulação do fundamento do dever de pagar tributos, é tão suficiente quanto apropriado. Nesse aspecto, a tarefa apresenta-se viável.

Primeiramente, aponte-se que o Estado Democrático, como Estado de Direito que é, carrega suas conquistas como fizeram os modelos das outras duas gerações ou dimensões (modelos Liberal e Social).68 Igualmente, a técnica democrática persiste, manifestando-se, em uma primeira análise, por meio da teoria democrática representativa (eleições periódicas, pluralismo partidário, órgãos representativos etc.).

O elemento democrático, entretanto, no Estado Democrático de Direito, é relido. Busca-se neste superar a concepção da democracia como mera técnica de escolha de governantes e conceber, deveras, a democracia participativa, ou seja, a estrutura que permita a participação efetiva dos cidadãos na esfera política, seja permitindo-lhes maior espaço nos processos decisórios, seja atribuindo-lhe maior controle na fiscalização das medidas tomadas pelos governantes eleitos.6970

68 CANOTILHO, 2001, p. 93. 69 Ibid., p. 288. 70

O incremento da participação popular na política, no Estado Democrático de Direito, é instrumentalizado por diversas ferramentas, constitucionais ou informais, que atribuem nova dinâmica ao processo democrático. Podem ser mencionados, como exemplos, os institutos previstos, constitucionalmente, do referendo e do plebiscito. Outro mecanismo eficaz e – cada vez mais – utilizado é a internet. De redes sociais, que constituem verdadeiros fóruns para a discussão de política, economia e sociedade e a aproximação, por meio do diálogo direto, de governantes e governados, a portais virtuais para a transparência de contas e sítios eletrônicos oficiais de órgãos públicos que permitem a execução de tarefas (como a obtenção de certidões públicas) sem a necessidade do

Não mais se trata do Estado Mínimo Liberal, aquele cuja atuação, para além da defesa dos direitos fundamentais recém-reconhecidos, é indesejável para a sociedade civil. Também não mais se trata do Estado Social paternalista, no qual se aproximaram este e a sociedade civil em uma relação, contudo, de assistencialismo daquele para esta, fosse quando da necessidade de se reprimirem as violações aos direitos sociais (então constitucionalizados), fosse quando da procura da redução das desigualdades sociais. Trata-se, agora, do Estado da democracia dinâmica, em que a atuação estatal é indesejável ou requerida à medida da necessidade de ingerência ou não da sociedade civil na esfera individual ou comunitária.71 A dizer de outra forma: no Estado Democrático de Direito, a característica de continuidade interpessoal do processo democrático pretende inviabilizar a vinculação da figura do Estado a determinado cidadão, uma vez que o Estado deve ser compreendido como mais do que ente regulador ou assistencial; ele confunde-se com a própria sociedade civil e os seus anseios intervencionistas ou não.

Com efeito, no Estado do Século XXI, a liberdade já não tem as características individualistas, próprias do século XIX, mas tampouco recai no exagero do Estado do Bem-Estar Social, que se buscou no Século XX. No Estado do Século XXI, a liberdade assume nova feição, síntese da exacerbação do individualismo, própria do liberalismo, e do Estado, característica do Estado Social: o Estado é afastado a sociedade civil reivindica para si o espaço que fora ocupado por aquele. (...) Ou seja: a sociedade civil reserva seu espaço de liberdade para o atingimento de seus objetivos, que se confundem com os objetivos da coletividade.72

Na democracia representativa do Estado Liberal, o liberalismo político desacompanhado da preocupação de emancipar, social e economicamente, as massas anônimas proletárias confinou seus processos à supremacia burguesa. No Estado do Bem- Estar Social, o sufrágio universal (o qual emergiu no decorrer da geração anterior) acompanhado da materialidade concedida aos direitos sociais e à busca pela redução das desigualdades entre os cidadãos abriram o raio de abrangência dos processos democráticos e permitiram a representação de um eleitorado anteriormente excluído. É no Estado Democrático de Direito, contudo, em que a democracia representativa como técnica de substituição evolui para a concepção da democracia como participativa (ou, a depender do viés, direta), ampliando a possibilidade de atuação de quaisquer cidadãos na vida em

deslocamento físico e, definitivamente, com a abreviação da burocracia. Nesse sentido: MACHADO SEGUNDO, 2010, p. 225-228.

71

CANOTILHO, 2001, p. 289.

72

SCHOUERI, Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 26 apudCARDOSO, 2013, p. 141- 142.

sociedade.73 Consubstanciando-se em prerrogativa do estatuto constitucional do indivíduo, a democracia eleva-se ao patamar de direito fundamental.

É o julgamento de Paulo Bonavides ao referir-se à nova geração de direitos fundamentais característica da derradeira fase de institucionalização do Estado Social, ou, como o autor denomina em outra obra,74 do “Estado de Direito de terceira dimensão” (ambas nomenclaturas equivalentes ao que se denomina, neste estudo, de Estado Democrático de Direito ou Estado Social e Democrático de Direito):

A democracia positivada enquanto direito da quarta geração há de ser, de necessidade, uma democracia direta. Materialmente possível graças aos avanços da tecnologia de comunicação, e legitimamente sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema. Desse modo, há de ser também uma democracia isenta já das contaminações da mídia manipuladora, já do hermetismo da exclusão, de índole autocrática e unitarista, familiar aos monopólios do poder. Tudo isso, obviamente, se a informação e o pluralismo vingarem por igual como direitos paralelos e coadjutores da democracia; esta, porém, enquanto direito do gênero humano, projetado e concretizado no último grau de sua evolução conceitual.75

A reformulação do elemento democrático no Estado do século XXI, em sua persecução do objetivo de, cada vez mais, fazer da sociedade civil responsável direta pelas práticas políticas e econômicas adotadas, é plenamente compatível não apenas com as conquistas do Estado de Direito (alcançadas, inicialmente, no Estado Liberal) como com o compromisso social do Estado Intervencionista, uma vez que a materialização da própria democracia participativa pressupõe, como ressaltou Bonavides, condições de acesso à informação (e possibilidade de sua apreensão) e de coexistência digna dos mais distintos representantes do pluralismo.

Assim, o intento de democratização da política e da economia autoriza, no mesmo sentido, a função social do Estado Democrático. É como argumenta Canotilho:

O princípio da democracia económica e social justifica e legitima a intervenção económica constitutiva e concretizadora do Estado nos domínios económico, social e cultural (...). O Estado é obrigado pela Constituição a manter e desempenhar um papel relevante no âmbito de direitos sociais. Isto não significa que tenha sido eliminado o princípio da auto-responsabilidade ou se negue a bondade de fórmulas dinâmicas da sociedade civil socialmente comprometidas: cada um tem, em princípio, capacidade para obter um grau de existência digno, para si a para sua família. (...) O princípio da democracia económica, social e cultural é, porém, uma

imposição constitucional conducente à adopção de medidas existenciais para os indivíduos e grupos que, em virtude de condicionalismos particulares ou de

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BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 450.

74

Ibid., p. 450.

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condições sociais, encontram dificuldades no desenvolvimento da personalidade em termos económicos, sociais e culturais (ex: rendimento mínimo garantido, subsídio de desemprego).7677

É o caso, inclusive, da República Federativa do Brasil. No art. 1º da Constituição Federal de 1988, aduz-se que a “República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

Democrático de Direito”. A seguir, dentre os fundamentos do Estado Democrático de Direito

brasileiro, listam-se a cidadania e o pluralismo político (respectivamente nos incisos II e V do mesmo artigo). Por sua vez, o art. 3º estabelece os seus objetivos fundamentais, elencando, dentre eles, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I) e a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III). Não poderia ser outra a conclusão senão que o fundamento democrático, pluralista e cidadão do Estado Democrático Brasileiro autoriza a construção de uma sociedade pautada pela solidariedade.

Se, por um lado, o Estado Democrático de Direito adota a estadualidade fiscal, imprescindindo de recursos para o financiamento de sua manutenção e o patrocínio de suas intervenções, por outro, assume que a materialização da democracia participativa plural exige a correção de desigualdades sociais que inviabilizem a vida digna dos cidadãos e, portanto, sua atuação conforme os imperativos da cidadania. Nesse caso, o dever de pagar tributos conforma-se, ainda, com a fundamentação da solidariedade social.

No Estado do século XXI, entretanto, a justificativa solidariedade social, não mais se limita ao objetivo assistencialista da distribuição de renda como o fizera no Estado do Bem-Estar Social. Neste, a sociedade civil via-se impelida à contribuição em prol da prestação de serviços estatais (que lhe retornariam) e da diluição da desigualdade social (condição que, à época, já se compreendia como danosa à política e à economia de quaisquer países ocidentais, haja vista as ocorrências dos séculos XIX e XX que resultaram, justamente, na consolidação da resposta Social). No decorrer das décadas posteriores à consagração dos

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CANOTILHO, 2001, p. 342.

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O princípio da autorresponsabilidade à que se refere Canotilho é apresentado, com outras palavras e sob o viés da motivação individual, por Ronald Dworkin: “If we accept that it is equally intrinsically important that every human life go well, then we must not treat any other human being as if his life were a matter of no great consequence. Treating him that way would demean us all, us as well as him. But—contrary to what some philosophers have suggested—that does not mean thatwe must always act with the same concern for everyone else’s welfareas we show for ourselves and those close to us. Mostly we actwith our own goals and tastes and responsibilities in mind: I mayhelp my own children without feeling any obligation to help yours to the same degree. As individuals we owe all other human beings a measure of concern, but we do not owe them concern equal to that we have for ourselves, our families, and others close to us”. DWORKIN, Ronald. Is Democracy Possible Here? (principles for a new political debate). Princeton: Princeton University Press, 2006, p. 94-95.

Estados Sociais, entretanto, a ineficiência das prestações dos entes estatais – corrompidas pelo desvio de dinheiro receituário e drenadas pelo incremento da aparelhagem e burocracia estatal

– e a eclosão de crises políticas de representatividade e econômicas de estagnação nesses

Estados – fatos que supostamente deveriam ser evitados por meio da distribuição de renda – furtaram qualquer respaldo, ante a população, do aumento das cargas tributárias e desacreditaram o fundamento da solidariedade social. Dessa forma, no Estado Democrático de Direito, o fundamento da solidariedade social, para justificar a tributação, requereu a reformulação daquele ou, ao menos, uma nova associação: emergiu a solidariedade social tributária em prol da cidadania.78

O dever de pagar tributos no Estado do século XXI estabelece-se como condição de cidadania fiscal. Se a releitura do elemento democrático é realizada através do prisma participativo – reformulando as relações do Estado e da sociedade civil, confundindo-se os dois à medida da materialização de processos democráticos hábeis ao pluralismo, resultando na concepção de que, não o Estado Mínimo, não o Estado paternalista, mas a própria sociedade civil deve orientar-se na política, na economia e nos outros campos da vida em sociedade –, a tributação é ferramenta essencial para financiar mecanismos que propiciem a participação dos cidadãos. Patrocinando condições de vida com dignidade, o dever de pagar tributos não apenas presta assistência aos indivíduos necessitados como viabiliza, noutro momento, sua atuação cidadã. Ora, se esta é o instituto por excelência da democracia política e econômica, se é a expressão do amadurecimento da sociedade civil e o seu objetivo, os recursos advindos da tributação financiam a saúde da cidadania, e com esta relacionada, a distribuição proporcionada pelo dever de solidariedade retoma o crédito – e o norte – que perdeu. É a consolidação da cidadania pela via fiscal.

Ronald Dworkin, ao debater a questão da legitimidade na instituição de tributos, assevera:

A legitimate government must treat all those over whom it claims dominion not just with a measure of concern but with equal concern. I mean that it must act as if the impact of its policies on the life of any citizen is equally important. On this account political legitimacy is not an all-or-nothing matter but a matter of degree.79

O entendimento do pensador americano, ao estabelecer que o governo, democraticamente eleito, deve levar em conta os efeitos de sua atuação sobre a vida dos

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CARDOSO, 2013, p. 157.

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cidadãos com a mesma consideração, corrobora a compreensão de que a tributação, atividade exercida pelo governo a partir do aval da sociedade civil, deve considerar ser a redistribuição de renda por ela proporcionada igualmente importante na vida de todos os cidadãos, uma vez que, independentemente do volume do benefício auferido por cada um, a materialização da condição de participação deste nas atividades de cidadania é igualmente benéfica – pois consolida a democracia tão participativa quanto plural – a todos os membros da sociedade civil.

Aponte-se, ainda, que a materialização de condições de vida digna para todos os indivíduos – habilitando-os, primeiramente, em suas diferenças, à composição de uma sociedade plural e, noutro momento, ao exercício da democracia política e econômica – é exercício que pressupõe a distribuição (ou redistribuição) adequada de direitos de propriedade entre esses indivíduos, conduzindo-lhes às mencionadas habilitações. A este ponto, imprescindível não confundir a inadequação do sistema de direitos de propriedade em uma sociedade com a própria ferramenta da tributação.

Liam Murphy e Thomas Nagel, professores da Universidade de Nova York, asseveram que tanto a propriedade privada como a sua garantia pelo sistema de direitos de propriedade derivam de uma convenção jurídica. Esta, por sua vez, seria determinada parcialmente pelo sistema tributário, uma vez que a atividade da tributação viabilizaria a sua origem e manutenção. Logo, o pagamento de tributos seria responsável, em parte, pelo surgimento e pela defesa da propriedade privada, ocorrendo que criticar o sistema tributário por seus efeitos sobre a propriedade privada seria uma incoerência, haja vista serem os tributos, deveras, sua causa.80

Os direitos de propriedade estariam tão presentes no cotidiano das pessoas, que a natureza convencional da propriedade privada seria fato facilmente esquecível pela sociedade. Na verdade, esse esquecimento daria causa a um efeito ainda mais grave: a equivocada compreensão dos direitos sobre a propriedade privada como naturais ou preexistentes à

tributação. A falácia da “renda bruta pré-tributária” dos cidadãos ignoraria a verdade de que

os tributos não são agentes a incidir, primeiramente, sobre ela, como se fossem uma violação

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a determinados direitos naturais, mas, sim, ferramentas que viabilizam, juridicamente, a própria forma de renda (e a sua defesa) a que elas estão habituadas.81

Nesse sentido, o dever de pagar tributos, respaldado pelo ideário de solidariedade social e cidadania fiscal, não pode ser associado, fundamentalmente, à inadequação do sistema de distribuição de direitos de propriedade que não condicione a vida de seus indivíduos – por falta de recursos que lhe permitam a existência digna e a emancipação econômica – à participação da cidadania. Se o sistema de direitos de propriedade é equivocado e inibe a efetivação do direito fundamental à democracia, não o faz pela existência do dever de pagar tributos e pelo seu objetivo redistributivo solidário, mas pela a impropriedade do sistema o qual a tributação viabiliza.

A condição de cidadania fiscal, estendida a todos os integrantes da sociedade civil a partir de uma tributação compactuada com a redistribuição solidária, deve, inclusive, fornecer aos cidadãos meio democráticos de participação na formulação do sistema de direitos de propriedade a que escolherão submeter-se. Em outras palavras, garantido a todos indivíduos por meio da ferramenta da tributação solidária, o direito fundamental à democracia, característico do Estado Democrático de Direito, provê os cidadãos com condições de decidir a respeito da adequação ou inadequação – e, no caso, das correções – do sistema de propriedades vigente.

A constatação da existência de condições de deliberação a respeito da matéria política ou econômica pela sociedade civil sinaliza, no Estado Democrático de Direito, não a imposição verticalizada do Estado aos indivíduos sobre qual deve ser a conformação do referido sistema de propriedades, mas, sim, a efetivação do direito de desenvolvimento pleno das potencialidades de cada indivíduo, por meio do processo democrático participativo, e da atribuição da responsabilidade sobre essas escolhas a cada exercente da cidadania.82 É como argumenta Hugo de Brito Machado Segundo ao referir-se às ideias de Dworkin:

Tais premissas são, em outras palavras, representações dos princípios de igualdade e da liberdade, ambos importantes para o prestígio da dignidade da pessoa humana. As pessoas têm de ter – todas elas – condições para desenvolver plenamente seus potenciais, assegurando-lhes saúde, educação, segurança etc. Mas também têm responsabilidade sobre como desenvolver esses potenciais, não sendo compatível

81

Ibid., p. 13.

82

com sua liberdade – e, por conseguinte, com sua dignidade – que outrem lhe diga, ou pior, lhe imponha como fazê-lo.83

Ora, se a democracia participativa promovida pela cidadania fiscal manifesta a prevalência, também, da igualde e liberdade no Estado Democrático de Direito, é possível concluir que a própria arrecadação dos tributos no Estado do século XXI é responsável pela defesa dos direitos à igualdade e liberdade dos cidadãos:

Nesse contexto, como demonstração de que liberdade, igualdade e democracia são conceitos interdependentes, e que a sua proteção e promoção enseja criação de um círculo virtuoso que culmina em ainda maior proteção e promoção, pode-se verificar que maiores investimentos públicos em educação, em primeiro lugar, e, também, em saúde, dariam às pessoas maiores oportunidades, reduzindo desigualdades e ampliando as liberdades. Essas mesmas pessoas, gradativamente inseridas no processo democrático, aprovariam os governos responsáveis por tais investimentos, estimulando-os a manter ou a aprimorar tais políticas de redução das desigualdades.84

No Estado Democrático de Direito, a democracia é alçada à condição de direito fundamental. Em sua configuração reformulada, os processos democráticos participativos adquirem respaldo como respostas da sociedade civil às experiências negativas vivenciadas durante a égide dos outros dois modelos de Estado de Direito, o Liberal e o Social. O Estado Mínimo Liberal, sem compromisso com a resolução dos problemas da desigualdade social, e o Estado Social paternalista, abarrotado de aparelhagem estatal tão ineficiente quanto burocrática e dependente de altas tributações, cederam espaço aos mecanismos diretos de decisão de que se apropriou a sociedade civil. Nesses termos, intenta-se superar a crise de representatividade pela confusão entre medidas políticas e econômicas e seus destinatários, ou, em outras palavras, pela abreviação da representatividade por meio da participação efetiva da sociedade civil nos processos decisórios.

Propiciar condições de participação cidadã de todos os integrantes da sociedade civil, entretanto, exige não somente recursos para o financiamento da instituição dos mecanismos democráticos de participação efetiva como patrocínio da materialização de condições econômicas e sociais para o exercício da cidadania. Dessa forma, a atividade da tributação conserva o caráter estritamente arrecadatória, herdado, ainda, das doutrinas liberais contratualistas, contudo, à função social do tributo acresce o elemento democrático. Se, no