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DO MANIFESTO REPUBLICANO À RETOMADA DA PROPAGANDA

No documento martalucialopesfittipaldi (páginas 91-108)

2 ANOS INICIAIS: DE ALVO DE PICHAÇÕES NOS MUROS PAULISTANOS Á

2.6 DO MANIFESTO REPUBLICANO À RETOMADA DA PROPAGANDA

Ao Congresso do Partido Republicano Paulista, realizado na capital da província, em 24 de maio de 1888, Silva Jardim compareceu, representando o Clube Republicano de Santos, em substituição a Vicente de Carvalho, que se encontrava doente. Há pouco mais de um ano na militância republicana, passa a figurar ao lado dos velhos baluartes republicanos Rangel Pestana e Américo de Campos, integrando a comissão redatora do manifesto que definiria a linha de ação partidária a ser seguida. Não por acaso, o documento produzido na ocasião representou uma posição mais contundente na propaganda da ideia republicana, sugerindo meios não recomendados pela orientação moderada então defendida por líderes como Quintino Bocaiuva. Mas, curiosamente, o discurso do mesmo 24 de maio foi desenvolvido em tom até cauteloso, se comparado aos anteriores.

Bem ao seu estilo, transformando conceitos e situações sempre a favor da causa, Jardim incorporou um elemento novo: defendeu que a revolução, proposta nos seus discursos anteriores, poderia ser parte integrante de um processo pacífico e legalista a exemplo do ocorrido com a Abolição. Assim, as leis emancipacionistas como a do Ventre Livre e a decisiva Lei Áurea faziam parte de ações revolucionárias que aos poucos foram impondo tais reformas frente à omissão e à dissimulação do governo monárquico. O mérito da Abolição foi assim atribuído ao movimento abolicionista e relacionado à campanha republicana:

A opinião pública faz-se pelos seus órgãos cabeça da sociedade; conversa, discute, escreve, ora, reclama, exige, grita, impõe: o governo, aterrorizado, medroso da anarquia, do aniquilamento das instituições, ou cede, ou cai, realizando-se sempre o ideal desejado – ato revolucionário. [...]... Foi o que se deu na questão servil é o que se dará na questão de forma de governo (JARDIM, 1978, p. 138).

Nota-se aqui uma intenção de mudança em seu aparato discursivo. Apegou-se mais ao apelo da revolução compatibilizada com a manutenção da ordem, preocupando-se em relativizar opiniões anteriores, àquela altura já demasiadamente conhecidas e, muito provavelmente, condenadas por seu aspecto violento. O Correio Paulistano certamente não foi o único órgão de imprensa a veicular contundentes críticas ao teor discursivo do bacharel, então comparado a Danton, a exigir, vociferando do

alto da tribuna, “a cabeça do Rei como penhor da fidelidade do povo” (CORREIO PAULISTANO, 22 abr. 1888, p. 2). Passou a aconselhar um movimento de opinião, uma agitação de propaganda com papel mais incisivo da imprensa e partindo do núcleo político do Rio de Janeiro, por sua importância central na constituição das forças imperiais. Apesar disso, deixou mais uma vez registrada a possibilidade de pena capital para o conde D’eu, mas amenizando sua fala, já tantas vezes reiterada, ao dizer que tinha convicção de que tal medida extrema não seria necessária, pois o príncipe aceitaria o exílio. Nesse contexto, fica a impressão de que Jardim atribuiu ao manifesto de maio uma importância não alcançada. Em sua ótica, a possibilidade dos meios revolucionários ficou garantida pelo documento. Inicialmente, descreveu a revolução a ser realizada, preferencialmente, por ideias e atos. Ao final, a ruptura, com o uso da violência, surgiu novamente como possibilidade, ainda que a ser evitada, pois estava convicto de que lutava por uma ideia já “alastrada no espírito anônimo nacional” (JARDIM, 1978, pp. 139-140).

Essa fala de Jardim vai ao encontro das opiniões emitidas por Barbosa Lima Sobrinho, já expostas na apresentação. Também, em parte, coincidem com a hipótese de Maria Tereza Chaves de Mello (2007) de que a ideia de crise e decadência da Monarquia havia sido introjetada pelo povo, levando desafeição ao regime e água para o moinho republicano. Certamente, as novas linguagens e semânticas criadas e difundidas pelos grupos contestadores foram muito exitosas no sentido de conquistar o consentimento para a ideia republicana. Já na apresentação, defendi que Jardim teve um importante papel nesse processo. No entanto, esse conquistado consentimento longe estava de ser unânime – não havia se alastrado no “espírito nacional”, como afiançava o propagandista. Sobretudo os estratos mais populares, como veremos, resistiram bastante aos anúncios da mudança.

As alterações observadas no plano discursivo estavam alinhadas ao novo propósito de Jardim de estender a sua atuação por outras províncias, principalmente Rio de Janeiro e Minas Gerais. Como pontua José Murilo de Carvalho ao analisar as leis da retórica, auditórios diferentes exigem argumentos e estilos diferentes: “Cada auditório terá seus valores, cada época terá seus auditórios. A variação de estilos e argumentos não pode, portanto, ser motivo de crítica ao orador. Ele não estará violando as regras do jogo retórico” (CARVALHO, 2000, P. 141). Àquela altura, a situação política havia se alterado bastante com o fim da escravidão; a própria posição de Jardim dentro do Partido Republicano Paulista vinha sendo moldada pela repercussão de seus discursos que, consequentemente, passaram a sinalizar as intenções de expansão do seu autor, cada vez mais voltadas para uma plateia eclética e geograficamente diversificada. Diferentemente daquela ocasião em que lotara o Ginásio Guarany, Jardim passara a contar, depois do primeiro comício pós-Abolição, com o apoio de Rangel Pestana. Iniciou, em junho de 1888, uma excursão pela província de São Paulo, visitando, entre outras localidades, Limeira, novamente Campinas, Rio Claro e Guaratinguetá. Ao relatar sua estada nessa última localidade, falou em ameaças de distúrbios, mas de forma ligeira, apenas para ilustrar uma passagem recordada como cômica: um morador do lugar,

ao conhecê-lo pessoalmente, lamentou a sorte do visitante, de aspecto frágil, caso alguma reação violenta acontecesse.

Chegou à província fluminense, apresentando-se em Resende, Barra Mansa, Barra do Piraí, Vassouras, Valença e Paraíba do Sul. Nas duas primeiras cidades, a conferência teria sido apenas satisfatória sem registro de acolhidas mais calorosas por parte de Jardim. Ele registrou que, em Barra do Piraí, começaram as dificuldades. Na cidade, apenas um republicano declarado o aguardava. Tratava-se de um médico, identificado como Dr. Mesquita, a quem teria chegado a correspondência que, de Santos, Jardim enviara ao clube republicano local. Havia rumores de que sua apresentação seria perturbada. Falou no salão de uma casa assobradada, mal iluminado e quase vazio, não fosse “o grupo de pretos armados de cassetetes” (JARDIM, 1891b, p. 137) e alguns estrangeiros, quase todos portugueses, que se plantaram à porta. Jardim convidou-os a entrar e assistir à conferência. Apesar de desconcertados e protestando em voz baixa, aceitaram o convite.

O discurso da noite procurou elevar o espírito dos primeiros com elogios à Abolição e cantar as glórias portuguesas para agradar os segundos. Foi apenas o prenúncio do que ainda estava por acontecer e o viajante tinha consciência de que corria risco em sua empreitada, mas ficou aliviado ao perceber que a tempestade estava serenada: “Estava, mas nem por isso fora pequeno o risco” (JARDIM, 1891b, p. 137). Quando se retiraram, ouviram os gritos de “viva a monarquia, viva Isabel, a Redentora!” (JARDIM, 1891b, p. 137).

Em suas primeiras passagens por Vassouras e Valença, segundo o relato de Jardim, não chegaram a ocorrer perturbações, embora ele tenha registado a postura nada amistosa de grupos de libertos que, nas proximidades, protestavam contra a realização dos eventos. Em Paraíba do Sul, porém, o embate foi incontrolável. Jardim recordou a chegada na cidade como “sofrível”, sem outros detalhes. Uma nota na imprensa fluminense esclarece-nos, no entanto, que o conferencista foi mesmo impedido de desembarcar na estação da cidade. A ação teria sido praticada pelo “povo livre” (O ILUSTRE escritor dos artigos republicanos, 1888, p. 2), conforme expressão utilizada pelo autor anônimo, rechaçando a versão de que a oposição a Jardim teria partido de agentes do governo.

Ele então foi recebido em Encruzilhada, um lugarejo próximo. A conferência estava marcada para acontecer mais tarde, em um sobrado da sociedade maçônica localizado na sede do município. Ali, não muito adiantado o discurso, o orador foi interrompido por pedradas. Um telegrama enviado à Corte pelo delegado de polícia Martinho Garcez registrou que os paralelepípedos da rua foram arrancados e arremessados por uma “multidão” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 22 JUN. 1888, P. 1). Jardim relatou que tentou desconcertar os agressores, abrindo de par em par as janelas e postando-se de costas, ao alcance das pedras, ao mesmo tempo em que bradava aos correligionários mais exaltados que permanecessem na residência e não aceitassem agressões. O grupo mais conciliador teria conseguido acalmar aqueles que já

se preparavam para o confronto externo, quando a casa começou a ser inteiramente atacada e destruída: “As pedras caiam-lhe sobre o telhado lançadas de um morro que lhe ficava a cavalheiro. As tábuas do teto começaram a ceder, pois parte da cobertura já fora quebrada” (JARDIM, 1891b, p. 143). Um monarquista que teria comparecido à conferência disposto a refutá-lo ofereceu-lhe, indignado e envergonhado, a sua residência.80

De lá seguiu para a casa do barão das Palmeiras, que, entre outros muitos senhores de terra fluminenses, passou a engrossar o Partido Republicano após o Treze de Maio. Seu nome figurou em uma nota, assinada por “muitos lavradores briosos” (REUNIÃO de lavradores, 1888, p. 2) que confirmavam publicamente a adesão à sigla. Tratava-se de João Quirino da Rocha Werneck, político, dono das fazendas Glória do Mundo e Bons Irmãos, segundo informação localizada no jornal mineiro que anos antes noticiara a inciativa do barão em “colocar um fio telefônico entre as mencionadas propriedades” (O FAROL, 8 mar. 1883, p. 2). Jardim não mencionou que seu anfitrião era o pai de Antônio Luís Santos Werneck, deputado entre 1884 e 1885, e que, ao lado de José Tomás da Porciúncula, havia formado “a primeira oposição republicana na Assembleia Provincial do Rio de Janeiro” (FERREIRA, 1989, p. 35). O filho do barão cafeicultor de Paraíba do Sul, tendo se elegido pelo Partido Conservador, acabou aderindo ao republicanismo do antigo colega da faculdade de Medicina.

Antes de deixar a província do Rio de Janeiro, em direção a Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Jardim passou pela Fazenda de Cebolas, onde as partes do corpo de Tiradentes teriam ficado expostas, como lembrou em seu livro, sempre valorizando a figura histórica do mártir mineiro. Naquele momento, ele ainda não tinha se decidido por uma entrada mais demorada em Minas, como revela seu primeiro plano de viagem: “20 de julho, Juiz de Fora (pois que fica próximo e far-me-á ver um pouco de Minas)” (JARDIM, 1891b, p. 98). Esse primeiro contato com os republicanos da Mata mineira parece ter sido um pouco frustrante, porém promissor. Nenhuma manifestação mais efusiva foi registrada, nem por Jardim nem pelos jornais pesquisados. O Diário de Minas apenas noticia a passagem do propagandista, em julho de 1888, alegando “falta de espaço” para a publicação do resumo da conferência realizada no Teatro Provisório. Nos números subsequentes, contudo, não foi localizada a prometida publicação.

Conforme relatou o próprio Jardim, aconteceram alguns embates restritos à conferência, prestigiada, majoritariamente, por muitos agricultores. Apesar de alguns apartes daqueles ainda relutantes à causa republicana, o evento transcorreu de forma tranquila. O Pharol dedicou também pouco espaço à passagem de Jardim pela cidade, destacando que o orador “foi vivamente interrompido por muitos apartes”. O visitante, que esteve hospedado no Hotel Rio de Janeiro, teria sido recebido por “muitas 80 A informação é reiterada em matéria do Jornal do Comércio reproduzida pela imprensa campista. O conservador e monarquista

era Jerônimo Macário que protegeu a integridade física de Jardim então ameaçado por cerca de quinhentas pessoas. CONFERÊNCIAS Republicanas. Monitor Campista. Campos, ano 51, n. 167, 24 jul. 1888. Noticiário, p. 1.

pessoas gradas” (REUNIÂO, 1888, p. 2), que permaneceram, no entanto, no anonimato. Foi identificado apenas aquele que presidiu a reunião: Salles Cardoso, médico da vizinha cidade de Paraíba do Sul, que, em 1886, transferiu-se para Juiz de Fora. É preciso observar que não foram usadas pelo periódico as usuais palavras meeting ou conferência para classificar a apresentação do tribuno, indicativo de que o evento ocorreu em menor proporção com relação às habituais apresentações do viajante, tratando-se apenas de uma reunião presidida por um nome aparentemente pouco significativo – o já mencionado Salles Cardoso – que também constava na lista de aspirantes ao cargo de vereadores preteridos pelo Congresso Republicano do 10º Distrito Eleitoral em favor de Hermes da Fonseca. (REUNIÃO, 1886, p. 2). Fábio Augusto Oliveira (2014) também notou o tratamento tíbio dado pela imprensa republicana de Juiz de Fora a Silva Jardim. Ele o compara à repercussão sobre a visita de Quintino Bocaiuva à cidade, em 1882, quando teria sido bem mais prestigiado.

Jardim mencionou sua rápida estada em Juiz de Fora, destacando-lhe o desenvolvimento. Comentou que a cidade pretendia, com certa razão, obter os foros de verdadeira capital de Minas, porém, seu afastamento geográfico do centro da extensa província tornava improvável tal aspiração. Alguns anfitriões, talvez os mesmos que não foram publicamente veiculados ao visitante pela imprensa republicana local, foram mencionados nas recordações da sua primeira passagem por Juiz de Fora, entre os dias 20 e 21 de julho de 1888, como Fonseca Hermes e João Ribeiro. Esse último era advogado natural de Entre Rios de Minas, formado há apenas dois anos na capital da província paulista. Não muito tempo depois, o fundador do jornal O Diário de Minas migraria de forma exitosa para o setor financeiro. Esteve ligado à fundação do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, chegando a gerenciá-lo de 1893 a 1906. Ascendeu à presidência do Banco do Brasil no governo Afonso Pena e a ministro da Fazenda, em 1919, no governo Delfim Moreira.

Fonseca Hermes, outro anfitrião citado por Jardim, era também bacharel em Direito, sobrinho de Deodoro da Fonseca – que, a pouco mais de um ano, ocuparia a chefia do governo provisório – e irmão de Hermes da Fonseca, presidente entre os anos 1910 e 1914. João Severiano da Fonseca Hermes viveu muitos anos em Juiz de Fora, onde chegou a fundar dois jornais republicanos: O Eco do Povo, em 1882, e A Regeneração, em 1889 (IMPRENSA, 1889, p. 2). Na avaliação de Jardim, o talento oratório de Fonseca teria prestado grandes serviços à propaganda republicana, ao lado de nomes como o “jovem esperançoso” (JARDIM, 1891b, p. 146). Luis Detsi, petropolitano que, no ano de 1886, recém-graduado em Direito, deixou a Corte para se estabelecer em Juiz de Fora. Um antigo colega dos tempos do bacharelado em São Paulo também o recepcionara em Minas, o juiz-forano Constantino Paletta, que também atuou na imprensa, criando, em 1886, o órgão republicano A Propaganda.

Se, na narrativa de Jardim, todos os seus anfitriões republicanos pareciam estar igualados em um patamar prestimoso com relação à propaganda, no âmbito da política local a realidade era mais complexa.

Fonseca Hermes fora eleito no início daquele mesmo mês – julho de 1888 – como vereador pelo Partido Republicano, derrotando o correligionário Constantino Paletta, tanto no interior do partido, quando da escolha do candidato, como no pleito eleitoral. Fábio Augusto Oliveira credita sua ascensão política ligada às primeiras vitórias do Partido Republicano em Juiz de Fora à manutenção de seu apoio à lavoura, apoio esse que seria muito mais antigo e evidente que seu republicanismo, se levarmos em conta as considerações a seguir:

João Severiano da Fonseca Hermes, enquanto esteve à frente da redação principal do Eco do Povo, se mostrou solidário com os dilemas vivenciados pela lavoura brasileira, defendeu a abolição com indenização, se colocou a favor das ideais progressistas e das reformas, sempre com sua maneira de ver e abordar as questões, mas nunca se assumindo como um republicano publicamente, seja no Eco do Povo (1882 – 1883) ou no Pharol (entre os anos de 1882 e 1888) (OLIVEIRA, pp. 143-144).

Ainda segundo o autor, sua militância republicana foi tardia, iniciada somente após o Treze de Maio, embora elementos de identificação com os ideais republicanos, principalmente de matriz estadunidense, sejam perceptíveis na análise de sua trajetória pessoal, como o batismo dos filhos em homenagem a personalidades como Jorge Washington e Abraão Lincoln. Sua posição moderada com relação ao abolicionismo parece ter-lhe assegurado importante base eleitoral junto aos fazendeiros, cujos interesses foram defendidos com frequência nos editorais do Eco do Povo. Importante observar que, ao estender a sua propaganda à Mata mineira, Jardim aproximou-se cada vez mais desses argumentos pró- lavoura, que, localmente, já angariavam louros políticos. A pouca atenção dada pela imprensa republicana local à presença do propagandista talvez tenha sido mais uma estratégia para preservar alianças ainda em consolidação do que um real preterimento do discurso político de Jardim, até porque, como há pouco observado, ele já sinalizava sua convergência com uma linha de grande aproximação à lavoura, assim como localmente faziam correligionários exitosos, como Fonseca Hermes.

A presença de João Penido, então deputado geral do Império, também foi registrada por Jardim, que o identificou como antigo liberal recém-filiado ao Partido Republicano. Talvez tenha sido a importância de Penido na política mineira a principal força que o atraíra além do Rio Paraibuna. Declarando-se republicano desde a década de 1840, João Nogueira Penido anunciara sua entrada para os quadros da legenda partidária em 13 de junho de 1888, pouco antes da passagem de Jardim por Juiz de Fora. Ao lado de Afonso Celso e Mata Machado, a situação de João Penido em 1888 foi comentada por George Boehrer: “Esses homens não podem ser considerados como republicanos, no sentido estreito do partido, nem eram considerados como tal pelos membros do Partido Republicano, que geralmente lhes mostrava desprezo” (BOEHRER, 1954, p. 113). Contudo, ressalta o autor, eles representavam um tipo particular de republicanismo que expressaria a majoritária corrente da crença republicana brasileira.

Seriam republicanos não afiliados que, nos últimos anos do Império, “tornaram-se adeptos declarados da causa e associaram-se ao Partido, trazendo para suas fileiras os seus seguidores” (BOEHRER, 1954, p. 113). Essa análise afirma o republicanismo de homens que somente assim declararam-se pública e oficialmente após o Treze de Maio. Eles agiriam no âmbito da legenda liberal, tendo a função de preparar, no Parlamento, o clima de opinião favorável à república.

Minha interpretação é que optaram mesmo por manter uma posição dúbia, aguardando os rumos dos acontecimentos, que nem sempre estiveram ligados à conjuntura política e sim a escolhas pessoais ditadas por oportunidades, por certas facilidades que se abriam inclusive em função da origem familiar. Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, cujo republicanismo de juventude é relembrado pelo autor de

Da Monarquia à República, acabou aceitando as chances que lhe foram oferecidas pela política liberal ao

retornar para Minas Gerais como bacharelado em Direito pela Faculdade de São Paulo. Ao assumir seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados, em 1881, o filho do visconde de Ouro Preto, futuro presidente do Conselho de Ministros do Império, não ocultara suas crenças republicanas.

Se levarmos em conta a análise de George Boehrer, podemos conjecturar que a província mineira atraía Jardim não somente pelas muitas adesões ao Partido Republicano ocorridas depois da Lei Áurea, mas por outras, potenciais, com as quais já contava em seus planos de expansão da propaganda republicana. Entre essas prováveis adesões estaria a de Cesário Alvim, com quem, veremos, o propagandista encontrou-se no ano seguinte, 1889, durante a primeira de outras duas viagens à província. De Juiz de Fora, Jardim seguiu para a Corte já com planos de, sem demora, retomar suas excursões pela província. Alguns amigos preocupavam-se com o ritmo frenético da sua campanha. Em correspondência ao conterrâneo identificado como Francisco P., em julho de 1888, explica o porquê da vertiginosa empreitada: “Primeiro, isto de conferências é um luxo de patriotismo a que me entrego. Sabes que preciso trabalhar” (JARDIM, 1891b, p. 134). Jardim assim justificava o ritmo apressado da campanha: precisava obter logo os resultados almejados para retomar a normalidade da sua vida profissional, já que a propaganda não lhe rendia qualquer ganho pecuniário. A outra razão seria estratégica: “Depois, é de boa tática o que faço. Essa impressão que inspiro de pedra que rola da montanha. De raio que atravessa as povoações no meio dos gritos e aplausos ou mesmo protestos, impressão que os jornais aumentam” (JARDIM, 1891b, p. 134).

O organismo, no entanto, já dava sinais de esgotamento. Descansara na Corte por menos de dois dias e partiu para Petrópolis, com a garganta atacada e febril. Destacou, na passagem por Petrópolis – fria não só em relação ao clima, como anotou em suas memórias –, o prazer de ter conhecido Thomaz de

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