• Nenhum resultado encontrado

A ESCALADA DE RADICALIZAÇÃO DISCURSIVA DE SILVA JARDIM: CAMPINAS,

No documento martalucialopesfittipaldi (páginas 81-91)

2 ANOS INICIAIS: DE ALVO DE PICHAÇÕES NOS MUROS PAULISTANOS Á

2.5 A ESCALADA DE RADICALIZAÇÃO DISCURSIVA DE SILVA JARDIM: CAMPINAS,

importantes tomadas ainda no deslocamento pela linha férrea: “Cousa curiosa. Eu penso perfeitamente em

caminho de ferro. Posso até dizer que importantes resoluções tenho tomado enquanto o trem roda”

(JARDIM, 1891b, p. 53). Santos tinha sido uma surpreendente experiência para Jardim, que, em Memórias e Viagens, recordou o sucesso daquela primeira grande atuação como orador. No trem, a caminho de Campinas, pensava em seu discurso tomado da experiência anterior, com algumas adaptações, incluindo “alguns tópicos a mais de indignação que o ataque dos adversários autorizavam” (JARDIM, 1891b, p. 53).

Relembrava que, àquela altura, “a mostrada” começava a subir-lhe “ao nariz” (JARDIM, 1891b, p. 53). Cerca de duas mil pessoas teriam comparecido ao evento, cujo público majoritário era formado pelos operários. Por outro lado, a expressiva presença de fazendeiros, que, como vimos, foi registrada pela imprensa republicana local, não foi lembrada pelo tribuno. Presente, o chefe de polícia, compadre do conde d’Eu, cuja autoridade e proximidade com o trono não o teria intimidado, ao contrário. Em suas memórias, parece relacionar a presença do delegado ao fato de ter sido ainda mais incisivo em suas palavras.

A oração segue mais completa, mais tribunícia e emocionada que a de Santos e o auditório acompanha com aplausos as mais ardentes demonstrações de indignação, como aquela em que peço para o príncipe estrangeiro e expatriado a pena última, se ele resistisse ao movimento libertador no dia de sua retirada (JARDIM, 1891b, p. 62). Um “silêncio glacial”, verdadeiro medo da “corresponsabilidade de uma tal ousadia” (JARDIM, 1891b, p. 62), aumentou a expectativa do orador de uma possível manifestação contrária, que poderia levantar celeuma com resultados imprevistos. Nenhum protesto, no entanto, ocorrera, o que ele atribuiu aos seus recursos oratórios que bem expunham os perigos de um reinado indesejado. Havia repetido as teses do primeiro discurso, acrescentando os pontos a seguir: a princesa Isabel não estava apta a governar a própria casa, mais preocupada com festas e folguedos carnavalescos, onde se entregava às batalhas de flores. Chegou a advertir a princesa: “Cuidado, senhora! Que estas flores não se tornem demasiado encarnadas” (JARDIM, 1978, p. 82). Insistiu também na doença do imperador, sugerindo mesmo sua demência revelada por seu total desinteresse pelos rumos das principais questões do período, sintomas graves para quem antes “em tudo se metia”. A sucessora natural, além de inepta, seria antipática à nação

e deveria deixar o País no dia da abdicação do “Imperador moribundo” (JARDIM, 1978, p. 81). Se não abdicasse, a alternativa seria a deposição. Seu marido deveria exilar-se voluntariamente ou correria riscos maiores como a execução. Reiterou Jardim a ameaça, depois de justificar-se que se a prudência exigia reservas, o patriotismo não comportava silêncios: “Execução? Sim: execução. Matar? Sim! Que não derrame-se uma gota de sangue brasileiro, mas que o Expatriado não se oponha entre a Liberdade e a Pátria” (JARDIM, 1978, p. 85).

Ao narrar sua passagem por Campinas, Jardim confessou o receio do insucesso oratório – nunca esteve livre da emoção do estreante em todos os outros discursos que se seguiram. Mas se preparava para cada um deles. Em todas as suas excursões políticas, informava-se bem sobre as localidades, os seus partidos, “as suas lutas intestinas; visitava os edifícios; conhecia as curiosidades da terra, com o intuito de inspirar simpatia ao público pela sua causa” (JARDIM, 1891b, p. 59). Tal preocupação estava de acordo com seus estudos na época das aulas de retórica com os amigos da Corte. José Murilo de Carvalho comenta as recomendações da obra de Bento Soto-Maior e Menezes, publicado em 1794 e intitulado Compêndio

Rhetórico ou Arte Completa de Rhetórica. Um dos pontos destacados pelo autor é o recomendado cuidado

e atenção com a audiência, cujas variantes determinariam o estilo do orador e os argumentos a serem utilizados. Nesse sentido, Carvalho aponta a proximidade de sua análise com a temática moderna da leitura e da recepção, referindo-se precisamente à recuperação da dimensão retórica do discurso:

A natureza da retórica em si já exige, como vimos, que se leve em conta, além da linguagem e do texto, o autor e seu leitor, ou ouvinte. Uma abordagem via retórica estabeleceria, sem dúvida, contatos com a estética da recepção de Jauss, com a idéia de paradigmas científicos de Kuhn, e com os conceitos de linguagem política de Pocock e de práticas e protocolos de leitura de Chartier (CARVALHO, 2000, p. 136).

O autor aponta três gêneros retóricos clássicos: o deliberativo (político), que trata do útil e do honesto; o judicial, que trata do justo, e o laudatório, que acabou sendo tomado como mais representativo da retórica, emprestando-lhe “má fama por supostamente reduzir-se a espetáculo, à exibição inútil de talentos oratórios, ao puro ‘delectare’” (CARVALHO, 2000, p. 137). Interessa-me particularmente o último gênero por reconhecê-lo nas apresentações de Silva Jardim.

Baseado em Chaïm Perelman, Carvalho argumenta que o gênero retórico laudatório, assim como os demais, está dentro do domínio da lógica, extrapolando-a, já que recorre a argumentos que vão além da estrita racionalidade, devendo-se isso ao fato de que a maioria dos problemas enfrentados pelos seres humanos extrapolam o domínio da racionalidade estrita por envolverem juízos de valor. De acordo com os antigos compêndios, “a retórica não busca apenas convencer, operação que se faz mediante raciocínios lógicos. Ela pretende persuadir, mover a vontade, o que exige uma grande variedade de argumentos de natureza não-lógica” (CARVALHO, 2000, pp. 136-137). Não seria, portanto, uma ostentação vazia, pois

destina-se a confirmar os valores predominantes na sociedade e a responder a possíveis objeções futuras. As apresentações de Jardim assemelhavam-se a espetáculos. O jornalista José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, sobre o qual teremos notícias mais detalhadas no último capítulo, deixou registradas as impressões causadas pelo homem de baixa estatura, “barbadinho”, sempre metido em sua “indefectível sobrecasaca preta.” Sua compleição física – assemelhava-se a um “gafanhotinho” – não adiantava, nos palcos, a grandiloquência dos seus discursos. Mas assim que começava a falar, havia um deslumbramento. Discutia e comovia. Era um homem instruído e argumentador poderoso. Seus discursos eram construídos por períodos de “légua e meia”, sustentados por um fôlego sobrenatural. Começava em surdina e, elevando aos poucos a voz, “deixava cair, como uma clava esmagadora, a conclusão” (Albuquerque, M., 1942, pp. 68-69).

A forma de vestir-se, a entonação da voz e a longa duração de suas falas pareciam ser então marcas que o próprio orador fez questão de imprimir aos seus discursos, os quais, porém, variavam seguindo as leis da retórica, como a observância do tipo de auditório. Em Campinas, por exemplo, preocupou-se em conhecer seus ouvintes, para escolher os argumentos, os estilos e a pronunciação adequada para movê-lo. Afinal, tinha planos para si que muito dependeriam da resposta do público àquele seu segundo grande

meeting. A citação a seguir seja talvez demasiado longa, mas bastante elucidativa. Nela, nosso personagem

justifica o novo rumo que, a partir dali, pretendia dar à sua vida, e quem sabe, à sua biografia.

Nesta cidade larga, regular, de vasto horizonte, começava a sentir essa necessidade assinalada por Descartes como agradável complemento de uma boa educação; viajar, receber impressões objetivas, corrigir os erros do cérebro. Havia tanto que eu passava a vida comigo mesmo! A infância nos estreitos limites da casa paterna e de uma aldeia; a juventude a acumular preparatórios sobre preparatórios ou em cima dos livros a ler o direito, a filosofia, a história, no ardor de instruir-me ou na luta com os rivais, com os invejosos, os inimigos – ou a escaldar-me no amor apaixonado – e mais tarde na luta pela família, no trabalho interrompido para outrem, que sei... Cansado talvez, somente alentado pela esperança da nova Pátria, sentia necessidade de vê-la, de ver, ver muito, ver tudo porventura... Porque eu nada havia visto até então (JARDIM, 1891b, p. 60).

A já citada transcrição do jornal Gazeta de Campinas no jornal paranaense A República confirma o número aproximado de ouvintes: cerca de duas mil pessoas. Foram registradas adesões de chefes de famílias influentes e foi descrita a seguinte cena, que teria marcado o início e o final da conferência: “a música percorreu as ruas, acompanhando com o povo o orador ao som da Marselhesa71 e vivas à república” (DR. SILVA Jardim, 1888, p. 2). Jardim foi muito aplaudido e coberto de flores. Era a segunda 71 José Murilo de Carvalho analisa as utilizações da simbologia da Revolução Francesa, sobretudo pelos chamados republicanos

jacobinos e pelos positivistas. Assim, o hino revolucionário, a alegoria feminina representando a república e o barrete frígio foram ícones constantes e largamente utilizados pela propaganda, assim como o uso do termo cidadão e da expressão saúde e fraternidade. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 12-13.

grande experiência dele na tribuna republicana e talvez a mais emblemática, por ter representado clara opção pelo método revolucionário. Pregara, pela primeira vez, a sentença de morte para Gastão de Orleans, a quem chamava de usurpador.

Desde a década anterior, a conotação de violência e anarquia inevitavelmente presente na instrumentalização da história francesa pelos republicanos paulistas era negada por explicações que “tentavam tranquilizar o público diante das ameaças que a vivência republicana pressupunha.” (BARBOSA, S. 1995, 129). Assim, a sugestão da pena capital para o francês deve ter sido considerava excessiva entre grande parte dos correligionários políticos do ousado tribuno, muito embora ele tenha mantido o tom e repetido, em outras ocasiões, a proposição que se tornou o símbolo do seu método revolucionário, utilizada, inclusive, como justificativa para que fosse alijado do Quinze de Novembro.

Em vários outros momentos, Jardim subiu à tribuna, como na sua volta a Santos, em março de 1888, para posicionar-se frente a mais um capítulo da chamada questão militar: o caso Leite Lobo, Capitão-Tenente da Marinha, preso e espancado por policiais sob a acusação de tentativa de homicídio. O caso ganhou as páginas dos jornais e a indignação da oficialidade da Armada. O meeting, na manhã de 5 de março de 1888, teria recebido grande apoio da população santista. Comentando o evento, Jardim compara-se ao personagem de Coquête de Plassans, de Émille Zolá, “que por força de habilidade domina uma povoação” (JARDIM, 1891b, p. 67). O advogado deixou registrado em sua obra: “Pois eu também conquistara a cidade de Santos [...] e sentia-me por ela impelido na certeza de marcha segura na via triunfal da propaganda republicana.” (JARDIM, 1891b, p. 67)

Durante a crise gerada pelo caso Leite Lobo, Jardim alvoraçava-se por uma visita ao Rio de Janeiro. Escreveu a Francisco Glicério, convidando-o para a empreitada. Os prenúncios eram favoráveis, afiançava, mas o rábula paulista, atuante homem de letras do seu tempo, dedicado há muito à causa abolicionista e republicana, respondeu que lá estava Quintino Bocaiuva, vigilante ao desenrolar da crise. Interessante aqui conhecermos o conteúdo da correspondência entre Francisco Glicério e Quintino Bocaiuva a respeito. O primeiro dizia, em missiva redigida no dia 5 de março, que o momento era oportuno para que seu interlocutor dirigisse “qualquer movimento militar” no intuito de “dar o golpe decisivo”. Incitava o correligionário fluminense à ação: “Vibre o golpe aí, que São Paulo e o Rio Grande respondem imediatamente” (SILVA, E., p. 597).

A carta foi escrita no mesmo dia em que, de Santos, Jardim realizava o inflamado meeting contra o tratamento dado pelas autoridades monárquicas à Armada.72 O caráter entusiasmado de Francisco

72 Leite Lobo era Capitão-Tenente da Marinha e apresentava problemas de saúde mental. Foi detido por tentativa de homicídio

por ordem do Alferes José Rodrigues Batista, tendo sido severamente espancado pelos policiais. O caso mobilizou grande número de marinheiros de baixa patente, entre capoeiras e ex-escravos, e tem sido interpretado como movimento de grande relevância para a queda do Gabinete do barão de Cotegipe e consequentemente para a abolição da escravidão.

Glicério, apontado por Jardim ao relembrar suas iniciativas, talvez tenha contribuído para os termos da correspondência73, cuja resposta, ao contrário, amainava os ânimos. Quintino Bocaiuva assegurou-lhe que vinha aproveitando todas as circunstâncias e todos os elementos para o fim de tornar possível a república, mas o momento ainda não havia chegado. Previa-o para breve e aconselhava: “Saber esperá-lo é também dar provas de sagacidade política” (SILVA, E., p. 598).

Esperar não estava nos planos de Silva Jardim. Mostrava-se antes ansioso para seguir a propaganda julgando que os prenúncios eram favoráveis. Dizendo-se convicto positivista, embora já àquela data proscrito, o tribuno posicionava-se como antimilitarista. Para ele, o militarismo faria parte de uma fase necessária, porém já superada da história humana, concordando, assim, com as teorias comtianas. A Idade Média teria sagrado o valor da cavalaria, pouco a pouco substituída pela evolução social em incessante progresso intelectual e moral. Emancipava-se a razão humana. A paz e outras forças, como a do operariado que fabricava a pólvora para uso bélico, substituiriam a militar. Contudo, apesar dessas considerações presentes em seu discurso, logo percebeu que o ideal republicano não poderia prescindir dos conflitos entre a caserna e a ordem monárquica. Tais conflitos acirraram-se nos anos finais do Império, embora remontasse à metade do século a insatisfação dos oficiais do Exército com relação ao que consideravam limitações dos seus direitos de cidadania.

José Murilo de Carvalho apresenta uma análise sobre a relação entre cidadão e soldado. No caso brasileiro, a criação da Guarda Nacional, em 1831, teve como inspiração o modelo da França revolucionária, que armou seus cidadãos contra o espectro do Absolutismo. Teria, em parte, cumprido a missão de transferir, para os cidadãos de posse, a responsabilidade de manutenção da ordem, com a peculiaridade, acrescento, de defender a ordem monárquica. Entretanto, “o problema do Exército no final do Império era o oposto: tratava-se de criar não o cidadão-soldado, mas o soldado-cidadão” (CARVALHO, 2004, p. 49). Nesse esforço, a entrada da filosofia positivista nas escolas militares teve grande participação. Por meio de influências como Benjamim Constant, os ideais da sociedade positiva, projetados sobre as bases da ciência, da ordem e do progresso, foram largamente difundidos nos meios castrenses. Quando a série de conflitos entre autoridades militares e governo começou a ganhar, de forma cada vez mais acentuada, a simpatia do público, os chamados republicanos históricos souberam incorporar aquela “novidade política” (MELLO, M.., 2007, p. 40). Jardim, embora iniciante no ofício da propaganda, não fez diferente. É bem verdade que, em seu primeiro discurso, na cidade de Santos, o militarismo foi extremamente criticado por meio dos ataques ao conde d’Eu. Tempos depois, por ocasião do meeting a favor do capitão Leite Lobo, em 5 de março de 1888, revelou ainda certa timidez em francamente conclamar o apoio dos ouvintes. Esclareceu aos “dignos representantes do Exército e da Armada” 73 O remetente da carta, o campista Francisco Glicério, organizara de forma entusiasmada o metting em Campinas. JARDIM,

(JARDIM, 1978, p. 90) que não estava ali a fazer proselitismo político. Sua missão era alertá-los contra os desmandos do verdadeiro responsável pelos desatinos contra a classe: Gastão de Orleans. Porém, em novembro do mesmo ano, Jardim publicou o artigo Soldados em Guarda, motivado pelo incidente ocorrido entre o Chefe de Polícia da Província de São Paulo e a oficialidade do 17º Batalhão do Exército. Nele, o tom foi totalmente diferente – conclamou o povo e a tropa para a revolução. A farda havia se tornado nobre, envergada por cidadãos ativos e dignos. A Monarquia oprimia o Exército, que iria confraternizar com o povo e não mais oprimi-lo, quebrando, assim, o efeito em cascata provocado pelo governo despótico. Elegeu novamente o 7 de abril de 1831 como símbolo do antimonarquismo, mas, daquela vez, a data tinha como principais promotoras as forças militares. Tal conteúdo muito provavelmente foi repetido em tom ainda mais contundente no folheto O Exército e a Nação, anunciado em junho de 1889 como em vias de entrar no prelo. Figura, no entanto, entre os textos dados como perdidos na coletânea prefaciada por Barbosa Lima Sobrinho. Em Memórias e Viagens, Jardim menciona, sem precisar data nem local, uma conferência homônima, assistida na Corte por muitos militares, “num momento em que o cheiro de pólvora revolucionária tomava todo o ar” (JARDIM, 1891b, p. 210).

Trata-se, certamente, da conferência organizada pelo Clube Republicano da Escola de Medicina, marcada para acontecer no dia 16 de dezembro de 1888, na Sociedade Francesa de Ginástica.74 A incorporação da causa militar em seu repertório discursivo ganhou mais tarde uma versão, por meio das estratégias da memória, que procurou valorizar o seu propósito como propagandista frente ao golpe civil- militar que acabou acontecendo em 15 de novembro do ano seguinte, sem a sua participação. Vinha ganhando terreno entre os dirigidos, sempre com a preocupação de não os comprometer inutilmente, já que muitos entre os superiores continuam fiéis ao trono. Lembrou que a agitação consumia todo o seu tempo, impedindo-lhe de travar conhecimentos estratégicos com as lideranças militares, mas já àquela época tinha a consciência que desenvolvia a “sã política, que estudando todas as correntes sociais dirige- se habilmente para um bom fim” (JARDIM, 1891b, p. 66).A irritação militar poderia levar à queda da Monarquia, então era preciso que “sem sofismas e às claras, por um acordo explícito, ela fosse aproveitada para a instituição da República” (JARDIM, 1891b, p. 66). Veremos, em momento oportuno, que, justamente no período da conferência O Exército e a Nação, em meados de dezembro de 1888, Jardim tramaria com Sena Madureira – não às claras, como preconizou em suas memórias – um frustrado golpe militar. Antes, porém, retornemos à sequência dos fatos, ainda no ano de 1888, a fim de conhecermos o teor da sua propaganda.

No comício realizado no dia 7 de abril, no Clube Republicano em São Paulo, destacou sua crença, baseada no positivismo, na marcha da humanidade rumo ao sistema republicano. Evocou a antiga tradição

republicana brasileira provada por rebeliões como as protagonizadas por Felipe dos Santos, Frei Caneca e Tiradentes. José Murilo de Carvalho (1999b) analisa o processo de disputa, em torno desses últimos, ao posto de heróis históricos republicanos. Para ele, um dos fatores que contribuiu para a vitória do mártir mineiro foi o geográfico. Isso porque Tiradentes representava uma área “que a partir da metade do século XIX, já podia ser considerada o centro político do País - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, as três capitanias que ele buscou, num primeiro momento, tornar independentes” (CARVALHO, 1999b, p. 67). A outra vantagem com relação ao padre pernambucano é que o herói mineiro teria se imortalizado por um potencial revolucionário não exercido e, portanto, isento de violência. Teria feito o caminho inverso ao de frei Caneca, o religioso que morreu como líder cívico, “como herói desafiador, quase arrogante, num ritual seco de fuzilamento” (CARVALHO, 1999b, p. 67). O processo de construção dessas figuras heroicas candidatas a representar o novo sistema de governo começou ainda na propaganda republicana. Mas, na fala de Jardim, muito embora sua fascinação pela figura histórica de Tiradentes seja evidente, ambos são equiparados em glória e importância. Mais tarde, quando passou a contar com o apoio do correligionário pernambucano Aníbal Falcão e quando decidiu estender ao “Norte” a sua campanha republicana, essa equiparação ficou, oportunamente, ainda mais saliente.

A conferência do 7 de abril foi intitulada Salvação da Pátria (Governo Republicano) e reiterou as críticas e advertências contra a princesa Isabel e seu marido, o conde d’Eu. Ela, frágil, fútil, despreparada; ele, usurpador, belicoso e intolerante. Estendeu-se nas “tristes reminiscências históricas” provocadas pelo nome de Gastão de Orleans, pertencente a uma “família de príncipes candidatos a tronos, desalojados do poder pelo novo espírito do século” (JARDIM, 1978, p. 114).

O tribuno repetiu as alternativas que o povo brasileiro daria ao casal no dia em que o trono ficasse vago: abdicação, ou deposição e exílio. Reiterou a possibilidade da execução de Gastão Orleans caso oferecesse resistência. A vacância estaria próxima, pois o imperador encontrava-se demente, moribundo, mas, caso fosse preciso, sua abdicação seria exigida ou sua deposição seria decidida pelo clamor popular conforme havia acontecido com seu pai, D. Pedro I, na data ali celebrada. Finalizou, de forma clara e

No documento martalucialopesfittipaldi (páginas 81-91)