• Nenhum resultado encontrado

DO MONOPÓLIO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR À AMPLITUDE DO CONCEITO DE APRENDIZAGEM AO

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA INVESTIGAÇÃO

3. DO MONOPÓLIO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR À AMPLITUDE DO CONCEITO DE APRENDIZAGEM AO

“À educação cabe fornecer, dalgum modo, a cartografia dum mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele (Delors, 1996, p.77).

De acordo com isto cabe à educação responder a dois objectivos: fornecer os mapas de um mundo complexo e perpetuamente agitado e a bússola que permitirá nele navegar. Os

“[...] mapas referem-se a universos de conhecimentos e de saberes - fazer cada vez mais vastos; a bússola remete-nos para a necessidade de pontos de referência que não deixam «submergir pelos fluxos de informação mais ou menos efémeros que invadem os espaços públicos e privados»” (Pinto, 2002,p.93).

Assumindo a educação um papel preponderante na nossa vida, tanto a nível individual, social, político e económico, na verdade é que a mesma constitui uma dimensão da prática social, tão necessária como a economia ou politica (Freire, 1996)

uma vez que desempenha um papel fundamental na construção de uma “sociedade cognitiva” emergindo no mais ínfimo pormenor na vida particular de cada indivíduo.

À medida que o seu papel aumenta no seio da sociedade actual, o conceito de educação vai simultaneamente alargando o seu espaço e adquirindo cada vez amplitude e dinâmica contribuindo para o progressivo desenvolvimento e alargamento em diversos domínios da sociedade.

Inscrevendo-se a nossa sociedade num contexto e numa lógica de agitação, permanentemente, provocada pelas constantes transformações tecnológicas e científicas, a educação emerge como uma “ferramenta” que nos permite desenvolver e mobilizar diferentes saberes numa diversidade de contextos e situações. Neste sentido, torna-se um imperativo na nossa vida, que cada indivíduo saiba mobilizar esses saberes, competências e conduzi-los adequadamente em torno de um mundo onde a rapidez das mudanças se conjuga com fenómenos de globalização que conduzem a situações cada vez maiores de imprevisibilidade.

Todavia, amplitude dada ao conceito de educação hoje, não foi sempre assim, pois, durante várias décadas a escola assumiu o monopólio da educação intitulando-se como a única instituição capaz e dotada de legitimidade, na transmissão de conhecimentos e saberes. Educação esta, que do ponto de vista de um grande Pedagogo, Paulo Freire, baseava-se na mera e simples transmissão de conhecimentos -

educação bancária.

Com efeito, actualmente, são bem conhecidas as críticas em torno da instituição escolar reafirmando-se cada vez mais a incapacidade de termos

“[...] uma oferta social de educação frequentemente incapaz de se redundar em aprendizagens significativas e sustentáveis para largos sectores sociais e culturais, não obstante os objectivos de democratização de educação e do ensino consagrados do ponto de vista juridico-formal. Desde a sua critica à «educação bancária», considerada alienante e opressora, num dos mais

violentos e eloquentes ataques à escola burocrática e à racionalidade técnico-instrumental em educação, que Paulo Freire (1975) insistiu em que ensinar não é transferir conhecimento, mas antes criar possibilidades para sua própria produção ou construção (Lima, 2002a,p.132).

Para Freire o “formador não é aquele que transforma o outro em objecto da sua formação, «nem formar» é acção pela qual um sujeito criador dá forma estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado” (Freire, 1996, p.25). A relevância e o protagonismo pedagógico é atribuída ao acto de aprender em si e não tanto ao acto de ensinar que lhe fica subordinado e, em última análise, depende dos sujeitos em aprendizagem para se confirmar como ensino verdadeiro, como prática de ensinar - aprender. Em função disto, Freire não teme em afirmar que não existe qualquer validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se torna capaz de recriar ou de refazer o ensinado (ibid).

Em consequência desta e de muitas outras razões, a educação escolar, “atravessa um momento de crise e de ampla transformação. Novas e velhas temáticas surgem em confronto. Novas e velhas soluções se esgrimem” (Carneiro, 2004,pp.7-8).

Outros autores enunciam que a

“[...] crise da educação escolar assentou arrais há bastante tempo, nas nossas sociedades. Trata-se de uma crise que não se reduz ao lado mais visível dos sistemas educativos: é mais funda, mais duradoura, mais estrutural, quase diria endémica, a ponto de nos obrigar a aprender a conviver com ela e, ao mesmo tempo, a ter de a pensar” (Pinto, 2002, p.87).

Ainda a este respeito, Afonso (1999) fala da crise do sistema escolar salientando que

“[...] os discursos sobre a crise da educação escolar [são] tão antigos como a própria Escola, os factores supostamente geradores da actual crise são hoje mais amplos e heterogéneos. Talvez mais do que em qualquer outra época, as referências à crise da educação escolar no contexto actual remetem (implícita e explicitamente) para condicionantes económicas, sociais e politico- ideológicas muito diversificadas e, consequentemente, as explicações produzidas e divulgadas são hoje mais heterogéneas e contraditórias” (Afonso, 1999, p.26)

Percorrendo o historial desta crise, é pois na década de sessenta que a instituição escolar sofre um forte abalo tendo sido alvo de inúmeras criticas (relembremos aqui os movimentos estudantis de Maio de 68). Criticas que se debruçam no facto de esta ter a pretensão de manter o monopólio da transferência de conhecimento, e que já há muito, na perspectiva de alguns, já havia perdido. A escola constituía um

“[...] instrumento de doutrinação e de opressão da espontaneidade, nas mãos de Estados obcecados pela necessidade de ensinar às crianças o respeito pela lei, o comportamento disciplinado e outras virtudes que os seus “bons” cidadãos deveriam possuir” (Kallen, 1996, p.20).

Durante muito tempo tudo o que a escola ensinava foi considerado como o saber legitimo tendo provocado um fosso claro entre os saberes escolares (saberes académicos) e os saberes da vida (saberes práticos), sendo que aqueles serviam como preparação para estes em alguns campos bem delimitados, quase sempre associados a funções sociais tidas por mais elevadas. Neste sentido a escola como “preparação para a vida” foi durante muito tempo, entendida como única via que permitia aceder a determinados patamares sociais e económicos, constituindo um veículo de mobilidade social.

Para além do fosso que a escola insistia em manter aceso não podemos ignorar que estes saberes que

“[...] na escola se adquirem não podem entender-se como fontes de domínio enciclopédico de conhecimentos, mas sim como referenciais que constituem um quadro global de entendimento da matriz cultural e dos códigos de acesso a uma dada sociedade, códigos esses que se estendem às categorias de análise e compreensão do real, não se esgotando nos códigos funcionais da comunicação” (Roldão, 1996, p.214).

Todavia, o processo de globalização ao acentuar a complexidade e a evolução crescente das sociedades industrializadas que, por sua vez, passam a exigir pessoas cada vez mais capazes de se adaptarem a novas situações ajudou a “cair por terra” a ideia da escola enquanto meio único e privilegiado de transmissão e aquisição de saberes e conhecimentos, contribuindo para rejeição da escola como único agente de

preparação para uma realidade sócio-económica, e “integrador e participante de uma mudança cada vez mais rápida e imprevisível” (Roldão, 1996, p.206).

Em resultado do processo de globalização o,

“[…] sistema educacional está a tornar-se um, entre muitos fornecedores do conhecimento, e vê- se obrigado a ter de competir com outros em questão, também, a oferecer as suas próprias qualificações. Em suma existe um mercado de aprendizagem, e o modo como o mercado atrai os seus clientes é através da publicidade dos seus produtos […]. A educação tornou-se uma mercadoria para ser consumida” (Jarvis, 2000, p.39).

A este respeito e em conformidade com o que já vem sendo dito, Belchior (1990) acrescenta que a “escola seria uma parêntesis numa preparação para a vida” (p.35), ideia que se opõe ao facto dos indivíduos constituírem seres acabados, cuja sua inserção e adaptação ao mundo, característico do “tempo de sobrevivência” (Jansen, 2000), não se adequa a esquemas inatos, fixos e pré-estabelecidos, próprios do “tempo biográfico” (ibid). Relativamente a isto, Jansen (2000) refere que as mensagens tranquilizantes da educação […] submetem “os processos de aprendizagem, que pertencem ao tempo biográfico, à racionalidade e às exigências do tempo de sobrevivência” (p.51). O homem enquanto ser histórico e em projecto realiza-se ao longo da sua vida, nas mais diversas esferas (sociais, culturais, politicas, educativas e económicas) e como tal não pode “estabelecer laços fortes e profundos”, característicos do tempo de biográfico, mas sim tem de construir estratégias racionais, por forma a adaptar-se às constantes mutações societais. Face a esta concepção de homem “como um ser em construção, [conduz] assim ao reequacionamento da especificidade da função social da escola […]” (Roldão, 1996, p.211).

Em torno do que já foi dito, a continuidade da educação para além do mundo escolar, é um facto evidente e inegável face às pressões do mundo do trabalho e às necessidades de responder a exigências cada vez maiores de competição e, empregabilidade.

Nesta linha de ideias, Jarvis (2000) considera que

“[…] as pessoas podem ter acesso à informação que quiserem através de uma variedade de meios e a partir de uma variedade de fornecedores; o sistema de educação é, porém, um só. A educação perdeu o seu monopólio de ser fornecedor do conhecimento e uma variedade de instituições competem através de vários para fornecer informação” (p.38). “[…]O sistema educacional está a tornar-se um, entre muitos fornecedores do conhecimento, e vê-se obrigado a ter de competir com outros em questão, também, a oferecer as suas próprias qualificações. Em suma existe um mercado de aprendizagem, e o modo como o mercado atrai os seus clientes é através da publicidade dos seus produtos […]. A educação tornou-se uma mercadoria para ser consumida” (p.39).

Neste sentido, importa aprender ao longo da vida e com a vida considerando os diversos contextos (lifewide) mas não descurando a importância do contexto escolar. Pois,

“[...] aprender ao longo da vida não dispensa, nem substitui, aprendizagem escolar. Mas desafia-a, obrigando-a a reinventar-se e a sintonizar-se com a interpelação do mundo que a rodeia. Deste modo, as instituições escolares constituem-se elas próprias como organismos aprendentes que, ao interagir com outros contextos educativos e com outras organizações, afirmam a sua identidade ao mesmo tempo que contribuem para a consolidação do capital cultural e social da comunidade” (Azevedo, 2004, p.26). […] Pelo seu saber técnico e cientifico, pela sua experiência e pelos papeis que desempenham num espaço educativo de referencia – a instituição escolar - os professores e educadores constituem parceiros preciosos em todas as dinâmicas de aprendizagem a valorizar, formais, não-formais ou informais”(Ibid).

Nesta sequência, deve-se equacionar a escola como um agente educativo em constante interacção com o mundo e o tempo a que pertence procurando responder às necessidades da própria sociedade.

Efectivamente, a educação não se confina somente à prática escolar (educação formal) mas a outros contextos de educação não-formal e informal assumindo-se como um processo holistíco e sinérgico. Um processo que não se deixa traduzir na acumulação ou soma de conhecimentos, mas sim numa combinação mais complexa em que as experiências que vivemos se influem mutuamente. Cada experiência educativa resulta das anteriores e prepara e condiciona as subsequentes - “abordagem diacrónica”, mas também o que ocorre numa determinada experiência está em estreita relação com uma outra. Tomemos o seguinte exemplo, o que ocorre a uma criança na escola está em

relação com o que vive no seio da sua família e outros contextos educativos em que se movimenta e vice-versa - “abordagem sincrónica” (Serramona,1992).

Esta interdependência entre os efeitos educativos se não ocorresse teríamos de pôr em questão a própria eficácia formativa de cada um deles. No entanto, importa realçar que não se cruzam somente funções e efeitos, pois numa mesma realidade a educação formal, não-formal e informal influem-se.

Estas intromissões efectuam-se em todos os sentidos, pois uma determinada instância educativa pode ser considerada como globalmente pertencente a um dos três tipos de educação e simultaneamente acolher elementos ou processos próprios dos restantes. Assim, por exemplo temos o caso da escola, que pertence predominantemente ao modo educativo formal pode incluir actividades com características não formais (as de carácter extracurricular) e processos informais (os que resultam das interacções não planificadas entre grupos) que se complementam e enriquecem.

4. TODA A VIDA É UMA ESCOLA: OS MEANDROS DA EDUCAÇÃO FORMAL,